Em pleno 2020, já estamos mais do que acostumados a ouvir sobre o benefício que os probióticos podem trazer à nossa saúde, ajudando a equilibrar a microbiota intestinal. Alimentos como iogurte natural, leites fermentados, kefir e kombucha – todos produtos de fermentações feitas com esses seres microscópicos, como fungos e bactérias – fazem parte da dieta de diversos brasileiros. Mas você sabia que esses micro-organismos podem ser aliados também na hora do cuidado com a pele?
Em um primeiro momento, a relação entre os benefícios de um intestino regulado e a qualidade da pele pode parecer fácil de perceber para quem está mais familiarizado com os efeitos da microbiota intestinal na saúde: além de alterar a absorção de nutrientes, um microbioma intestinal desregulado pode acarretar na liberação de fatores inflamatórios e prostaglandinas, o que termina por ocasionar acne, dermatites, rosácea e até o envelhecimento. A gente já sabe que o intestino é considerado o “segundo cérebro”, e isso não é à toa.
Porém, sabe-se que existem micro-organismos vivendo também na superfície da nossa pele. O desenvolvimento de tecnologias rápidas de sequenciamento de DNA, como o sequenciamento ribossomal 16S, é um grande aliado de estudos que buscam traçar o perfil do amplo espectro de micro-organismos cutâneos e desvendar o papel que eles desempenham na saúde da pele.
A maioria desses micro-organismos é inofensiva – muitos deles na verdade ocupam funções de proteção da pele contra outros micro-organismos indesejáveis, seja ocupando o mesmo nicho ecológico e impedindo a sua colonização por patógenos, secretando substâncias antimicrobianas ou modulando o sistema imunológico para bloquear a ação de invasores. Fatores endógenos (como sexo, idade, sistema imunológico) e exógenos (como clima, geografia e higiene) influenciam no tipo de micro-organismo que se encontra na pele que recobre determinada parte do corpo.
Esse complexo de micro-organismos desempenha diversas funções que ajudam na proteção da pele quando estão em equilíbrio:
- Fortalece a superfície da pele contra invasores ambientais;
- Melhora a capacidade da pele de se tornar – e permanecer – adequadamente hidratada;
- Diminui fatores que desencadeiam a sensibilização e o avermelhamento da pele;
- Restaura o equilíbrio de pH saudável na superfície da pele.
Mas, se eles já estão na pele naturalmente, por que desenvolver cremes com probióticos na formulação?
Limpar a pele todos os dias é extremamente importante para remover a poluição com a qual entramos em contato diariamente, que é sem dúvidas, prejudicial para o organismo como um todo. Porém, o uso constante de sabonetes faciais e cosméticos antibacterianos acaba por remover também parte das bactérias benéficas, consequentemente, desequilibrando o ecossistema da pele.
Esse desequilíbrio também pode ser motivado pela exposição ao sol sem a devida proteção e por uma dieta inadequada, o que pode estressar a pele e causar problemas como acne, rosácea e eczema. O uso de cremes que contenham esses micro-organismos (probióticos) ou que estimulem seu crescimento (prebióticos) vem, então, para ajudar a restabelecer o equilíbrio desse ecossistema (claro, aliados com outras boas práticas de cuidados, como o uso de protetor solar).
As principais estrelas e suas diversas ações
Diversos micro-organismos têm sido estudados para a formulação de cremes com ação probiótica, sejam eles já naturalmente presentes na pele ou não. Algumas das principais espécies destes micro-organismos são:
- Streptococcus thermophilus: esta bactéria tem sido estudada devido à sua capacidade de aumentar a produção de ceramidas na pele, composto lipídico que forma uma barreira na pele que impede a saída da água, ou seja, preserva a hidratação da pele;
- Bifidobacterium longum: esta espécie tem sido pesquisada pela sua capacidade de aumentar a proteção da pele contra danos físicos, como o frio e o calor, e danos, como a exposição a algum agente;
- Nitrosomonas eutropha: esta bactéria se alimenta da amônia presente em nosso suor para produzir moléculas que possuem propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias, diminuindo episódios de acne e irritação;
- Lactobacillus paracasei: inibe a substância P, um neuromodulador neuropeptídeo que facilita processos inflamatórios;
- Lactobacillus plantarum: produz substâncias antibióticas, que ajudam a combater as bactérias causadoras da acne, como a Propionibacterium acnis;
- Vitreoscilla filiformis: vem sendo estudada para o tratamento de dermatite atópica.
Olhei no rótulo, mas vi escrito “prebióticos” ou “pós-bióticos”. São a mesma coisa?
Não, não são, apesar de todos estes termos estarem relacionados. Os probióticos são os micro-organismos, principalmente bactérias e fungos, que desempenham um papel benéfico em nosso organismo. Enquanto os prebióticos são as substâncias que estes micro-organismos utilizam como fonte de energia para crescerem, ou seja, são o seu alimento. Alguns representantes destas substâncias são os açúcares como o xilitol, a ramnose e os polímeros conhecidos como frutooligossacarídeos (FOS). Estes ingredientes podem estar presentes nos seus cosméticos justamente para alimentar a sua microbiota cutânea natural.
Já os pós-bióticos são as substâncias liberadas pelos probióticos, ou seja, são os produtos do seu metabolismo – enzimas, ácidos orgânicos, peptídeos e polissacarídeos, os quais também atuam no reforço da barreira cutânea. Utilizar cremes com pós-bióticos apresentam um efeito similar a estimular o aumento da população de probióticos na pele, pois os micro-organismos acabariam produzindo estas substâncias.
Os desafios adiante da indústria de cosméticos probióticos
Formular cremes que contenham probióticos ativos ainda é o grande entrave para que esses produtos finalmente entrem no mercado. Para que um produto seja considerado probiótico, ele deve conter um certo número de células viáveis destas bactérias e fungos benéficos, que sejam capazes de sobreviver aos processos de produção e estocagem do produto, até o uso pelo consumidor.
No entanto, é preciso garantir também que outras bactérias indesejáveis não se multipliquem na matriz cosmética, o que geralmente é feito adicionando-se conservantes como o BHT (di-terc-butil metil fenol ou hidroxitolueno butilado) nas formulações. Porém, esses conservantes não são seletivos: eles acabam por matar tanto as bactérias deteriorantes como os probióticos.
Assim, o desenvolvimento de tecnologias que protejam os probióticos é um fator-chave para seu desenvolvimento – a microencapsulação pode ser uma boa possibilidade. Formulações contendo prebióticos ou pós-bióticos já são mais comuns, pela maior facilidade de estabilizar esses componentes na matriz dos cremes.
Dicas para você manter um microbioma da pele saudável:
- Faça o consumo de fontes ricas em probióticos;
- Cuide bem da sua saúde intestinal;
- Evite esfoliações muito intensas;
- Utilize sabonetes que não agridem a pele e possuem pH balanceado;
- Converse com seu dermatologista sobre a possibilidade de introduzir cosméticos que contenham pre-, pro- ou pós-bióticos em sua rotina de cuidados com a pele.
Já fez seu skincare hoje? Já tomou seu colágeno hoje? Aliás, será que tomar colágeno realmente traz algum benefício para a pele ou é mais uma jogada de marketing para você comprar produtos caros e ineficazes? Bom, essa polêmica a gente deixa para um outro texto! 😉
Referências:
Forbes. Disponível em <https://www.forbes.com/sites/nomanazish/2019/03/30/why-probiotic-skin-care-is-worth-the-hype-according-to-experts/#894d2b11aa1c>. Acesso em 17/05/2020.
Grice, E. A., & Segre, J. A. (2011). The skin microbiome. Nature reviews. Microbiology, 9(4), 244–253. https://doi.org/10.1038/nrmicro2537. Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3535073/#>
Paula’s Choice. Disponível em <https://www.paulaschoice.com/expert-advice/skincare-advice/anti-aging-wrinkles/everything-you-need-know-about-probiotics-skin.html>. Acesso em 17/05/2020.
Revista Glamour. Disponível em <https://revistaglamour.globo.com/Beleza/Pele/noticia/2018/04/atenta-os-probioticos-vao-invadir-sua-rotina-de-skincare.html>. Acesso em 17/05/2020.
Yu, Y. et al. Changing our microbiome: probiotics in dermatology. Br J Dermatol. 2020 Jan;182(1):39-46. doi: 10.1111/bjd.18088. Epub 2019 Jul 28. Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31049923>.