Processos biotecnológicos com células animais

Provavelmente você já ouviu falar em processos biotecnológicos com células microbianas, não é mesmo? Eles são os responsáveis pela elaboração de produtos fermentados, biocombustíveis, e diversos outros itens.

Mas e em processos biotecnológicos com células animais, você já ouviu dizer? Sabia que células animais podem ser cultivadas fora do organismo original? É possível mantê-las em laboratório para produzir moléculas de alto peso molecular, como proteínas para confecção de substâncias imunobiológicas (a exemplo de vacinas virais), anticorpos monoclonais, citocinas, enzimas (i.e: asparaginase, colagenase, fatores sanguíneos, pepsina, renina, etc.) e hormônios de cadeia longa (i.e: hormônios luteinizante, cariônico, folículo estimulante).

As culturas de células animais são estabelecidas pela inoculação de células normais ou tumorais provenientes do tecido animal, cultivadas em meio adequado. Inicialmente, ocorre a separação do tecido organizado (Figura 1) em células individualizadas, que serão inseridas em meios de cultura específicos para o seu desenvolvimento.

Processo de isolamento de células para cultura
Figura 1: Obtenção de uma linha celular a partir de um tecido. As células obtidas por desagregação do tecido são colocadas em cultura com os nutrientes adequados (cultura primária). Posteriormente, são feitas subculturas com baixa densidade celular para obter culturas secundárias e estabelecer uma determinada linha celular. Fonte: Cruz, M. et al., 2009.

O crescimento das células de origem animal é lento, pois elas são delicadas e apresentam demandas nutricionais bem específicas, desenvolvendo-se conforme o aporte de nutrientes e o volume em que são mantidas. O cultivo deve ser submerso em meios de cultura com pH,  temperatura e atmosfera com concentração de gases controlados, já que o metabolismo dessas células em cultura é anaeróbico e as fontes de energia são a glicose e  a glutamina. Além disso, necessitam de um suporte para a adesão e crescimento.

Diversos modelos de biorreatores são utilizados em processos com células animais. A preservação dessas células é feita através da criopreservação (Figura 2), em que a estabilidade é mantida devido a temperaturas extremamente baixas (-196 ºC) com nitrogênio líquido, o que impede alterações químicas nas células. Além disso, podem ser utilizadas substâncias crioprotetoras, como glicerol e dimetilsulfóxido (DMSO), que são capazes de diminuir o estresse osmótico durante o congelamento e formar cristais amorfos.

Criopreservação de células
Figura 2: Criopreservação de células. Fonte: Kasvi.

As empresas que trabalham com processos de células animais possuem tanto estrutura laboratorial quanto industrial, pois são necessários testes para ampliação progressiva de escala (Figura 3).

Processo de escalonamento da produção fermentativo
Processo de escalonamento da produção fermentativo. Fonte: Klasener, I. C., 2018.

No preparo inicial das culturas em laboratório são utilizados soros de origem bovina e equina, sendo preferível o bovino, por conter maior diversidade de fatores de crescimento. Inevitavelmente, esses soros são fonte de contaminação por parasitas, bactérias e podem conter componentes tóxicos e inibidores, como as imunoglobulinas. Dessa forma, é indispensável o uso de antibióticos (penicilina, estreptomicina, anfotericina). Contudo, essas práticas não devem ser utilizadas em escala industrial, pois não pode chegar traço de antibiótico na população, para evitar resistência.

Na produção de biofármacos, por exemplo, uma das células mais utilizadas são as CHO (Chinese hamster ovary cells – células de ovário de hamster chinês) (Figura 4). Elas podem ser usadas tanto para expressão transiente (expressão de um transgene por um breve período) quanto na expressão estável (expressão por longo tempo), para produção de proteínas recombinantes como enzimas, hormônios, fatores de crescimento, etc.

Ainda na produção de biofármacos, é possível induzir as células a sintetizar substâncias específicas de interesse por meio da clonagem da informação desejada presente na célula original, que será introduzida em um vetor que carregará essa informação. Esse procedimento compreende basicamente quatro etapas:

1-      Estabelecimento da linhagem celular: clonagem, expressão e seleção do gene de interesse.

2-      Cultivo celular: preparo do meio de cultura, definição do modelo de biorreator que será utilizado, segundo o modo de operação.

3-      Purificação: separação das células, purificação do produto.

4-      Formulação e envase: são adicionados adjuvantes de acordo com a forma de administração.

Apesar de diversas pesquisas nesta área, ainda existem desafios que precisam ser sanados, como a alta sensibilidade das células animais ao cisalhamento (tensão gerada pela força das moléculas em diferentes posições), que poderia ocasionar o rompimento das células e a espuma gerada pela alta concentração de proteínas no meio de cultura. Além disso, devido às exigências nutricionais complexas, os meios com fluidos biológicos apresentam problemas de variabilidade devido à diversidade das fontes, e torna-se necessário desenvolver meios semi-sintéticos com composição mais estáveis. Algumas formulações que não utilizam o soro já foram desenvolvidas e o substituem por peptonas e outros compostos que aumentam a viscosidade e reduzem a tensão superficial, mas ainda necessitam ser otimizados.

Ainda assim, a utilização de células animais pela indústria biotecnológica é uma ferramenta promissora para produção de biomoléculas e outros compostos de interesse. Espero que você tenha gostado de conhecer mais sobre este tema, aproveite para assistir este vídeo super bacana da nossa colaboradora Camila e saiba como os medicamentos podem ser produzidos na cultura de células! Caso tenha interesse por este e outros temas legais de biotecnologia, acompanhe as postagens do Profissão Biotec e fique antenado.

Perfil de Dalila
Texto revisado por Giovanna Sá e Thais Semprebom

Cite este artigo:
DUARTE, D. D. Processos biotecnológicos com células animais. Revista Blog do Profissão Biotec, v.3, 2018. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/processos-biotecnologicos-com-celulas-animais/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

Barbosa et al., / Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal (v.9, n.2) (2015) 334-347.
Chisti, M.Y. 1989, Air-Lift Bioreactors, Elsevier, New York.
Cruz, M.; Enes, M.; Pereira, M.; Dourado, M.; Ribeiro, A.B.S.; Modelos experimentais em oncologia: O contributo da cultura de células para o conhecimento da biologia do cancro, Rev Port Pneumol v.15 n.4 Lisboa ago. 2009.
Lima, U. de A.; Aquarone, E.; Borzani, W.; Schmidell, W. Biotecnologia industrial – Processos fermentativos e enzimáticos. Processos com células animais. Editora Egard Blucher, Cap.24, p. 547-579, 2008.

 

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