A agricultura celular e a impressão 3D são formas de produção de alimentos que podem ajudar a produzir alimentos de maneira mais ética, limpa e sem desperdícios.

A produção de alimentos é essencial para a manutenção da vida humana. Porém, o uso de monoculturas, a aplicação de agrotóxicos e pesticidas e a criação de animais são limitados em termos de produtividade e contribuem para a destruição do meio ambiente e para a disseminação de doenças.

Enquanto isso, observamos o aumento da  expectativa de vida associada ao aumento da pobreza e miséria mundiais. Alinhado a isso, a má distribuição de alimentos, contribui com a fome e a desnutrição. Portanto, repensar a forma como produzimos os alimentos, de forma a causar menos impactos ambientais, especialmente em relação à produção de gases do efeito estufa, e alimentar o máximo de pessoas possível é primordial para uma melhor qualidade de vida da população. 

A Ciência e a Tecnologia permitiram o desenvolvimento da agricultura celular e da impressão 3D de alimentos. que utilizam matérias-primas simples, e produzem  alimentos complexos, como hambúrgueres, leite ou queijos. 

recipientes contendo arroz, feijões e grão de bico
Fonte: Pixabay. A agricultura celular e a impressão 3D surgem como uma alternativa à produção de alimentos atual. #ParaTodosVerem: pessoa vestindo luvas azuis, em frente a recipientes contendo arroz, feijões e grão de bico, e segura um grão de feijão com uma pinça. 

O que é a Agricultura Celular?

A agricultura celular é um tipo de produção de alimentos sem a criação, o confinamento ou o abate de animais e também sem a necessidade de grandes espaços de terra para cultivo de plantas. Pode ser classificada de duas formas, de acordo com a presença ou não de células no produto final: agricultura de produtos acelulares ou de produtos celulares. Quando o produto final for acelular, como proteínas e gorduras, este será retirado do meio de cultivo. Por outro lado, quando o produto for celular, será composto por células originárias e derivadas do tecido animal coletado, podendo dar origem a alimentos, couro, madeira e até mesmo órgãos.

No caso de alimentos, um exemplo de produto celular são as carnes e para esta produção é necessário recolher uma amostra de tecido animal. Administra-se uma anestesia local e uma biópsia é realizada com a finalidade de coletar células musculares do animal. A partir dessa amostra, células-tronco ou células musculares são isoladas e mantidas em meio de cultura com sais, proteínas, glicose, oxigênio e fatores de crescimento (importantes para o crescimento das células) dentro de biorreatores (tanques de aço inoxidável que mimetizam a fisiologia do animal cujas células estão sendo mantidas com temperatura, pressão e pH ideais), de forma a permitir a diferenciação (transformação) das células-tronco em músculo. 

Logo, ao invés de realizar o abate de uma vaca para uma produção final de, em média, 500 quilos de carne, a partir de uma pequena amostra de tecido muscular, ovos fertilizados ou biobancos (tanques que armazenam células por muitos anos) pode-se gerar muitos produtos derivados de carne. 

Um dos principais componentes das biofábricas são os biorreatores. Eles possuem diferentes tamanhos e potenciais de produção, de acordo com sua escala. A produção dos produtos alimentícios, em especial de carne, precisa ser financeiramente viável, com facilidade de estoque e transporte, assim como de consumo.

biorreator em aço inoxidável
Fonte: FreePik. Biorreatores são estruturas capazes de manter e multiplicar células ou pequenos organismos em condições ideais de cultivo. #ParaTodosVerem: Homem vestindo pijama hospitalar verde, touca e máscara aciona uma alavanca em um painel. Ao lado, se observa um grande biorreator em aço inoxidável. 

A agricultura celular utiliza técnicas de bioengenharia tecidual, associada a elementos sensoriais (como moldes 2D ou 3D, para crescimento em formato, densidade e texturas similares ao produto original) e nutricionais. O uso de diferentes tipos de substratos (bases para o crescimento) em associação a demais estímulos, como mudança de fatores de crescimento ou temperatura, favorecem o crescimento e a diferenciação destas células em diversos tipos de tecido. Dentre eles, é possível produzir carnes de diferentes tipos de peixes e até mesmo órgãos específicos, como fígado. O processo é similar a produção de carne vermelha, com a obtenção das células a partir de tecidos animais, que são diferenciadas in vitro, crescendo em formato específico e, por fim, esses produtos alimenticios são isolados e preparados para distribuição, levando cerca de 2 a 8 semanas para ficarem prontos. 

Leite e derivados (como queijos e sorvetes) também podem ser gerados em laboratório. Para isso, podem-se utilizar células animais, como também podem ser produzidos a partir de fungos. Para o primeiro procedimento, que utiliza células, as mesmas são posicionadas em pequenos tubos nos quais o fluido produzido (ou o leite) é sugado e armazenado. Por outro lado, fungos geneticamente modificados para produzir proteínas do leite são capazes  de gerar produtos similares. Esses organismos crescem em tanques e realizam fermentação. Em seguida, as proteínas do soro são filtradas, secas e liofilizadas (transformadas em pó) para uso. Por fim, esse pó pode ser utilizado na produção de sorvetes e queijos. Considerando que o leite é composto por proteínas, gorduras, lactose e células somáticas, essa produção é extremamente complexa, mas possível. 

A produção de alimentos por bioimpressoras

As bioimpressoras são máquinas capazes de depositar matéria orgânica em camadas, distribuídas em três dimensões e baseadas em um modelo pré-definido. Desta forma, só utilizam a matéria-prima necessária, sem descartes ou desperdícios. 

A matéria-prima para a bioimpressão pode vir na forma líquida, em pó ou em filamentos, que podem ser derretidos ou solidificados. Esses materiais podem ser derivados de células animais ou vegetais ou por fontes acelulares, como gorduras e outras moléculas. Porém, os principais desafios da bioimpressão é que os materiais precisam ter boas propriedades biomecânicas e biocompatibilidade. O hidrogel é o principal biomaterial utilizado para a impressão, graças ao seu alto teor de água e por mimetizarem a estrutura de matriz extracelular dos tecidos, permitindo o crescimento das células e suas comunicações intercelulares. Porém, como já citado aqui no PB, existem mais de 9 variedades de técnicas de bioimpressão.

No Brasil, bifes já são produzidos pelo Senai e pela BioEdTech. Para isso, as células-tronco musculares são isoladas e diferenciadas, carregadas como uma ‘tinta’ na bioimpressora e depositadas (ou impressas) nas dimensões desejadas. Além disso, em breve, estas empresas pretendem produzir este alimento a partir de proteínas vegetais. 

 Carne bioimpressa em tampa de placa de 6 poços é mostrada.
Fonte: Senai. No Brasil, bifes produzidos em laboratório já são produzidos pelo Senai. #ParaTodosVerem: Carne bioimpressa em tampa de placa de 6 poços é mostrada.

Em Israel, a startup Redefine meatsutiliza impressoras 3D para produção de bifes à base de material vegetal. Dentre os insumos utilizados estão a proteína de soja e de ervilha, grão-de-bico, beterraba e gordura de coco. O equipamento conta com uma biblioteca de bifes e permite selecionar o peso, composição de músculo e gordura, entre outras propriedades. Os produtos já são encontrados em restaurantes pela Europa e os clientes também contam com outros itens como hambúrguer, kebab, salsicha e carne moída. Filés de peixe têm sido produzidos por algumas empresas, utilizando células destes animais para a produção de uma biotinta com sabor e textura característicos.

O mais novo tipo de  impressão, o 4D, permite a adaptação de alimentos para diferentes texturas, cores, formas ou sabores a partir de mudanças de pH, presença de água ou calor, reduzindo o desperdício (por utilizar partes descartáveis de alimentos) e utilizando ingredientes eco-friendly. Além disso, a impressão 4D permite experiências diferentes através de propriedades físicas e químicas dos insumos. 

A bioimpressão de alimentos também permite o preparo de alimentos para pessoas acamadas ou com questões de ingesta de alimentos, seja por dificuldade de deglutição ou restrições derivadas de distúrbios de neurodesenvolvimento, criando alimentos com texturas ou aspectos nutricionais específicos, para cada paciente.

Aspectos negativos e positivos

Os principais problemas em relação aos alimentos produzidos sinteticamente, seja por agricultura celular ou por bioimpressão, envolvem a origem, o conteúdo nutricional, problemas de manufatura e de aceitação pelo público. Alguns contrapontos são que, a longo prazo, a produção de alimentos em laboratório pode ser mais custosa para o meio ambiente, pois requer mais gastos energéticos. Além disso, ela necessita de alta manutenção, já que precisa ser rigorosa quanto a presença de bactérias e a esterilidade. 

Outros pontos negativos da agricultura celular e, mais especificamente, da produção de carne ou leite a partir de células são que essas são expostas a fatores como hormônios (presentes nos humanos e na carne animal), mas que, em maior quantidade, mostraram ser prejudiciais à saúde.Além disso, a produção de carne a partir de células animais reforça a ideia de que precisamos comer carne como atualmente.

Por outro lado, pontos a favor postulam que as necessidades de produção permitem a rápida obtenção de alimentos, de modo a atender as necessidades da população em pouquíssimo tempo. Além disso, alimentos bioimpressos ou produzidos em laboratório são mais seguros, por não possuírem contaminação por fezes, vermes ou e terem possibilidade reduzida de contaminação por bactérias e por reduzir drasticamente a utilização de antibióticos e o consumo deles, além de possuírem menores níveis de gordura e colesterol. 

Texto revisado por Natália Lopes e Jennifer Medrades

Cite este artigo:
FRADE, B. B. A produção de alimentos em laboratório. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/producao-alimento-laboratorio/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

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