Códigos, todos os seres vivos são construídos através de códigos! Mas não, não se preocupe, não há nenhuma mente por trás nos programando e controlando, como acontece com os computadores e seus programadores.
Nós, seres vivos, possuímos um tipo diferente de código, que não está em C, C++, Pearl ou outras linguagens de programação. Toda a informação para que cada célula funcione corretamente e exerça o seu papel dentro do organismo está contida em nosso código genético, o qual é escrito por meio da combinação de quatro moléculas: os nucleotídeos Adenina, Timina, Citosina e Guanina. As funções exercidas por nosso corpo giram em torno de ler, processar e executar funções que esse código (que está contido em moléculas de DNA) fornece.
Por muito tempo, quase nada se sabia sobre como esse código se organizava e coordenava a execução das várias funções celulares. Hoje, porém, após muitos esforços de cientistas de todo o mundo, passamos a compreender um pouco melhor sobre tudo isso. E, a partir dessa compreensão de como são integrados código genético e execução de funções celulares, podemos investir esforços em formas de reprogramar esse sistema. É nesse ponto então que entra a biologia sintética.
A biologia sintética é uma ferramenta que fornece aos cientistas a possibilidade de manipular funções celulares pela edição de seu material genético, reprogramando-o para que ele atue da melhor forma possível em resposta a alguma doença ou algum mau funcionamento celular, por exemplo. Ela consiste na junção de princípios da engenharia com a biologia molecular, com qual podemos modelar e desenvolver sistemas gênicos sintéticos que atuem sobre uma doença ou um tipo celular específicos, como mostrado na figura abaixo:
A biologia sintética pode ser aplicada de diversas formas e sobre diferentes tipos celulares. Conseguimos utilizá-la para nos divertir, como acontece por exemplo, na grande competição de biologia sintética iGEM (você pode conhecer mais sobre em um dos nossos textos) , onde um time uma vez criou bactérias capazes de tirar fotos!
Uma forma mais aplicada para o uso da biologia sintética é no tratamento de doenças. Um trabalho publicado na revista Nature relata que pesquisadores da Califórnia programaram uma autodestruição de bactérias, que libera um quimioterápico capaz de eliminar células cancerígenas colorretais. Como esses organismos normalmente são vistos apenas como causadores de doenças, a ideia deles foi de criar um circuito genético capaz de, ao mesmo tempo em que libera o medicamento, matar as bactérias, para que elas não continuem ali e aumentem cada vez mais sua população.
Mas o que é esse circuito genético e por que ele torna o tratamento mais interessante do que aqueles que simplesmente injetam o medicamento na pessoa?
Vamos lá, por (bio)partes então… Circuitos genéticos são a combinação de vários genes ou outras partes biológicas de interesse, de forma que seja possível que eles se comuniquem e programem a formação de um produto final. Vamos pensar em um circuito elétrico: você quer acender uma lâmpada, mas para isso precisa ter toda uma ordenação dos fios e uma forma de comunicar à lâmpada que ela precisa ser acesa/ Ou seja, você tem que apertar o botão do interruptor, este botão vai fechar o circuito, a energia elétrica que vem da rua vai conseguir passar pelo fio e a sua luz vai acender, certo?
No circuito genético é quase a mesma coisa: você tem o objetivo final, que é liberar quimioterápico e induzir a morte das bactérias (no caso do trabalho mencionado), mas é necessário que alguém aperte um botão que faça isso na hora certa. Neste caso, quem “aperta o botão” e faz com que os dois objetivos sejam alcançados é uma molécula capaz de passar de uma bactéria para outra (na figura abaixo ela está representada como indutor – Passos 1 e 2).
Em cada uma dessas bactérias há três genes: um para a produção do indutor, um para a produção do quimioterápico e outro para a expressão do indutor de morte. Porém, o indutor produzido por uma única bactéria não é capaz de ativar o sistema sozinho, só quando há um acúmulo dele no ambiente. Dessa forma, somente quando há a expressão do indutor por muitas bactérias é que o sistema de quimioterápico e de morte da bactéria funciona. E é aí que esse sistema também se torna mais interessante do que a simples injeção de medicamentos.
O fato de as bactérias apenas liberarem o medicamento quando elas estão em uma população grande, permite a atuação local do medicamento. Se você direciona organismos assim a tumores, eles podem colonizá-los e, quando sua população estiver grande o suficiente, há a autodestruição e liberação do medicamento exatamente onde ele deveria agir. Outro ponto interessante é que nem todas as bactérias morrem nesse processo e, ao escaparem do indutor de morte, voltam a crescer, contribuindo para a repopulação, que libera novamente o quimioterápico, criando um tratamento cíclico (você pode ver um vídeo disso acontecendo aqui).
Essa ideia é realmente interessante, não é mesmo? Porém, você ainda não vai encontrar bactérias como essas para comprar em farmácias. Isso porque temos neste artigo só uma ideia de como tudo pode funcionar! A construção do conhecimento científico e o uso da biologia sintética em tratamentos ainda é muito experimental e leva muito tempo e esforço para se consolidar. A biologia sintética ainda é jovem e está repleta de oportunidades, precisamos cada vez de mais esforços e estudos, para que no futuro possamos facilmente reprogramar a vida.
Cite este artigo:
MEDEIROS, A. S. Reprogramando a vida: você já ouviu falar sobre biologia sintética? Revista Blog do Profissão Biotec, v.3, 2018. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/reprogramando-a-vida-voce-ja-ouviu-falar-sobre-biologia-sintetica/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
ANDRIANANTOANDRO, E.; SUBHAYU, B.; KARING, D. K.; WEISS, R.; BASU, S.; KARIG, D. K.; WEISS, R. Synthetic biology: new engineering rules for an emerging discipline. Molecular systems biology, v. 2, p. 2006.0028, 2006. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16738572>. Acesso em: 12 jun. 2018.
DIN, M. O.; DANINO, T.; PRINDLE, A.; SKALAK, M.; SELIMKHANOV, J.; ALLEN, K.; JULIO, E.; ATOLIA, E.; TSIMRING, L. S.; BHATIA, S. N.; HASTY, J. Synchronized cycles of bacterial lysis for in vivo delivery. Nature, v. 536, n. 7614, p. 81–85, 2016.