A saúde mental é extremamente importante, mas passamos por um momento crítico na Ciência, na qual muitos pesquisadores e estudantes sofrem sem este fator.

Nos últimos anos, a Ciência no mundo todo precisou focar seus esforços para desenvolver uma vacina eficaz contra o SARS-Cov 2, vírus responsável pela COVID-19. Para isso, os(as) cientistas precisaram trabalhar incansavelmente durante meses para gerar um amplo conhecimento sobre o microrganismo. Dessa forma, hoje é comum ouvir que vários dos profissionais que atuaram na linha de frente estão exaustos e mentalmente esgotados.

No entanto, a pandemia só serviu para nos mostrar um problema sério que já ocorre na academia há muito tempo: por trás da grandeza de todas as pesquisas, a Ciência enfrenta uma crise de saúde mental

Nas universidades, onde a maior parte das inovações são criadas, os estudantes de pós-graduação são seis vezes mais propensos a sofrer de depressão e ansiedade do que a população em geral, segundo estudo realizado pela revista Nature. Isso é corroborado por outras pesquisas independentes realizadas nos Estados Unidos, na qual mais de 40% dos alunos de pós-graduação em STEM (graus em ciência, tecnologia, engenharia e matemática) na Universidade da Califórnia(Berkeley) estão deprimidos, enquanto 50% dos alunos de doutorado na Universidade de Arizona relataram alto estresse.

Ilustração de uma mulher estressada sobre sua mesa de trabalho
O estresse exagerado pode levar a diversas consequências ruins, como: dores pelo corpo, falta de concentração e paciência, insatisfação, depressão e ansiedade. Tudo isso afeta significativamente o rendimento do pesquisador em seu trabalho.
#ParaTodosVerem: Ilustração de uma mulher estressada sobre sua mesa de trabalho. Ela está cercada por pilhas de tarefas coloridas e não consegue se concentrar para realizar sua função.
Fonte: CIPHR / Wikimedia Commons

Infelizmente, os dados para o Brasil ainda não são claros, pois faltam estudos direcionados. Entretanto, sabe-se que a pandemia de COVID-19, sem surpresa, agravou a situação com um salto de mais de 10% no número de alunos com sintomas de depressão e ansiedade.

Esses números são extremamente preocupantes pois, se seguirmos o rumo ao qual estamos indo, a tendência é que eles piorem cada vez mais. Se este problema continuar negligenciado, poderá trazer péssimas consequências para o futuro da área acadêmica. Mas porque isso ocorre com tanta frequência e em quase todos países?

Ambiente Competitivo

Tal como acontece em várias áreas de trabalho, um ambiente competitivo muitas vezes leva a transtornos mentais, como: depressão, ansiedade e estresse. Infelizmente, o campo da pesquisa acadêmica se tornou cada vez mais competitivo ao longo dos anos, especialmente em termos de obtenção de fundos.

Para que as pesquisas ocorram nos laboratórios, geralmente é necessário um financiamento externo para que se possa comprar equipamentos e materiais, contratar e treinar pesquisadores e realizar a manutenção das instalações laboratoriais.

A imagem representa um homem de negócios
A imagem representa um homem de negócios, papel que, muitas vezes, os coordenadores de pesquisa necessitam assumir para arrecadar fundos para seus projetos científicos.
#ParaTodosVerem: A ilustração mostra uma silhueta em preto de um homem de terno discursando em frente aos microfones.
Fonte: Mauricio Duque/Wikimedia Commons

Porém, o número de editais e bolsas de investimento não são suficientes para cobrir as inúmeras pesquisas realizadas pelas instituições no país, o que promove um aumento da competição por esses recursos.  À medida que se torna cada vez mais difícil obter financiamento para pesquisa, os pesquisadores acadêmicos precisam trabalhar e publicar muito mais para se destacar, o que pode levar a problemas de saúde.

Excesso de Publicações

Atualmente, os cientistas, principalmente os acadêmicos, possuem a responsabilidade de desenvolver textos para publicação em jornais e/ou revistas de alto impacto. Essa pressão pode gerar diversos problemas para a comunidade científica como um todo, já que o excesso de publicações pode levar ao compartilhamento de informações equivocadas.

Isso ocorre pois, na percepção acadêmica popular, acadêmicos que publicam com pouca frequência, ou que se concentram em atividades que não resultam em publicações, como dar aulas para alunos de graduação, podem perder terreno no mercado de trabalho.

Pilha de artigos científicos antigos impressos
Segundo uma pesquisa realizada pela Fapesp, entre os 20 países líderes em publicações científicas em 2018, o Brasil apresentou o 6º maior crescimento anual (8,98%) no número de postagens de artigos científicos.
#ParaTodosCerem: A imagem apresenta uma pilha de artigos científicos antigos impressos.
Fonte:: Annie Spratt/Unsplash

Em inglês, a expressão “Publish or Perish” (em tradução literal “Publique ou Pereça”) foi criada para se referir e descrever a pressão que alunos sofrem para publicar trabalhos acadêmicos com o objetivo de se obter sucesso na carreira acadêmica. Por fim, de acordo com alguns estudiosos da área, a cultura de “Publish or Perish” também pode contribuir com o preconceito nas instituições. No geral, as mulheres publicam com menos frequência do que os homens e, quando o fazem, seu trabalho recebe menos citações do que seus colegas masculinos, mesmo quando publicado em periódicos com fatores de impacto significativamente maiores. (O artigo “Women are credited less in science than men” divulgado na Nature comenta mais sobre o assunto)

Instabilidade e Insegurança

Além do estresse diário, a área da Ciência pode apresentar diversas inseguranças e instabilidades. Durante a realização dos experimentos, os cientistas ficam reféns do acaso, que muitas vezes pode pregar peças. Muitas vezes, ocorrem contaminações sem um motivo aparente ou os resultados são completamente opostos ao que se esperava. 

Outra questão importante a ser analisada é a instabilidade no futuro que será escolhido pelos alunos que estão no mestrado ou doutorado. Na atual circunstância brasileira, possuímos muitas pessoas com estes títulos, porém poucos concursos públicos, o que promove uma alta competitividade no setor.

Isso pode muitas vezes causar frustrações e sentimentos de incapacidade, o que pode afetar diretamente o psicológico do pesquisador. Apesar de esta montanha russa de emoções ser prejudicial em alguns casos, a maioria acredita que a magia em se trabalhar com a Ciência se encontra nesses desafios enfrentados diariamente.

O que pode ser feito para melhorar esta situação?

Na tentativa de combater a crise de saúde mental, muitas universidades implantaram suas próprias campanhas de conscientização sobre saúde mental e forças-tarefa na tentativa de combater esse problema. Além disso, muitos estudantes de pós-graduação ofereceram seu tempo para criar comunidades on-line a fim de ajudar colegas estudantes com sua saúde mental.

Além dessas iniciativas destinadas a fornecer suporte e recursos para pesquisadores e estudantes, algumas das principais causas responsáveis pelo desenvolvimento de transtornos mentais também precisam ser abordadas. Por exemplo, se resultados negativos fossem tão reconhecidos como os positivos, a pressão para trabalhar demais e obter resultados positivos poderia ser reduzida.

Estudos mostraram que um forte apoio social pode mitigar bastante o estresse ou o esgotamento e, portanto, construir uma rede de apoio de amigos é crucial na vida acadêmica e profissional. Ademais, é extremamente importante que, caso você esteja passando por situações de estresse crônico ou depressão, não tenha medo ou vergonha em procurar ajuda de profissionais e pessoas ao seu redor.

Com o aumento da conscientização sobre a saúde mental na Ciência, um dia, a vida nos laboratórios e instituições poderá ser um pouco mais leve.

Perfil de Arthur
Texto revisado por Luísa Valério e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
ENRICI, A. W. Saúde Mental e Ciência. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/saude-mental-e-ciencia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

MENTAL HEALTH AMERICA. Mental Illness, Recovery, And The Science Behind It. Disponível em: https://mhanational.org/science. Acesso em: 04/07/2022.
PAIN, Elisabeth. Why World Mental Health Day matters for scientists. Disponível em: https://www.science.org/content/article/why-world-mental-health-day-matters-scientists. Acesso em: 09/04/2022.
WELLCOME. What is the role of science in mental health?. Disponível em: https://wellcome.org/news/what-role-science-mental-health. Acesso em: 10/07/2022.
WOOLSTON, Chris. PhDs: the tortuous truth. Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-019-03459-7. Acesso em: 04/07/2022.
Fonte da imagem destacada: Vecteezy.

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