Inúmeros são os desafios que a humanidade enfrenta. Você já se perguntou como vamos alimentar a crescente população humana nos próximos séculos preservando o meio ambiente? Ou como vamos fornecer tratamentos de saúde para doenças complexas de forma acessível?
Para mim, estas são as grandes questões do século XXI e a biotecnologia desempenha um papel de suma importância para resolver todas estas questões. O único problema é que, hoje, não estamos criando respostas de biotecnologia com rapidez suficiente para atender à nossa grande necessidade de soluções.
Portanto, gostaria de introduzir o termo “camadas de tecnologia” que está sendo criado e que nos ajudará a criar um ecossistema de bio-soluções da economia que tanto precisamos.
O que são camadas de tecnologia?
As camadas ou “pilhas” de tecnologia (do inglês “stacks”) são combinações de tecnologias que tornam uma vasta complexidade gerenciável. Ou seja, o fato deseparar partes de sistemas enormes em “camadas de abstração” mascara parte da complexidade deste sistema. Isto serve então para que os desenvolvedores sejam capazes de focar em apenas projetar, sem considerar pequenos detalhes de outras partes complicadas do sistema.
Stephen Wolfram articulou essa ideia de stacks de tecnologia em 1986 para a área de engenharia de software:
“Os componentes de um sistema devem ser organizados em forma de hierarquia. Componentes superiores na hierarquia devem fornecer controle geral para conjuntos de componentes inferiores na hierarquia, estes que podem ser tratados como módulos. Sabemos que, esta lógica também se faz presente na biologia, onde estudamos a existência de órgãos, sistemas e partes do corpo bem definidas ”
Stephen Wolfram em Abordagens à Engenharia da Complexidade
Esse conceito parece grego para você? Calma, que eu vou descomplicar!
Para algo tão complicado quanto um computador essa lógica torna-se fundamental, pois módulos abstratos podem ser tratados como um único objeto, com comportamento geral. Isso facilita a resolução de problemas maiores e mais amplos.
Como exemplo, nós temos plataformas digitais para a criação de aplicativos na WEB. Em vez de você precisar ser um especialista em computação para criar um site ou blog, agora você só precisa saber alguns scripts e ser criativo com seu próprio conteúdo. Por isso, nós já temos acesso a todas as camadas para criação de um blog, como um Sistema Operacional (Linux), um Servidor Web (Mozilla), o Servidor de Banco de Dados (MySQL) e um pouco de Linguagem de Script (JAVA Script, PHP).
Mas para criar um blog não precisamos mexer em nada disso, podemos utilizar plataformas como a WordPress em um sistema operacional Windows com o navegador Google Chrome instalado, e além disso, dentro da camada WordPress existem ainda várias camadas que permitem você reproduzir vídeos, acoplar questionários e até PayPal em seu blog!
Por que “camadas” são importantes para a biologia?
A biologia é MUITO complexa, pasmem!!! Deste jeito, a melhor maneira de manipulá-la é usando camadas. Então vamos falar sobre outro termo que pode ser novo a você, a “biologia sintética” ou “SynBio”.
A biologia sintética está sendo conduzida por três grupos de diferentes expertises: biólogos ou “reescritores”, químicos e engenheiros.
Resumidamente, para os biólogos, a capacidade de projetar e construir sistemas biológicos sintéticos fornece um método direto para testar nossa compreensão atual dos sistemas biológicos naturais. Neste modelo, a biologia sintética oferece uma oportunidade para testar a hipótese de que os genomas que codificam sistemas biológicos naturais podem ser “reescritos”, produzindo organismos que podem substituir, alguns sistemas biológicos naturais. Por exemplo, para uso terapêutico a insulina humana é produzida utilizando bactérias da espécie E. coli e em leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae contendo o gene recombinante da insulina.
Para os químicos, a biologia é química e, portanto, a biologia sintética é uma extensão da química sintética; a capacidade de criar novas moléculas e sistemas moleculares permite o desenvolvimento de testes e drogas diagnósticos úteis. Como exemplo, a síntese da Artemisina, uma molécula capaz de tratar a malária encontrada naturalmente em minúsculas quantidades em plantas. Devido a sua estrutura complexa, é difícil sintetizá-la quimicamente. Porém, através da bióloga sintética, é possível produzir esta molécula em outros organismos em grandes quantidades.
Finalmente, para os engenheiros, a biologia é uma tecnologia que se pode ser desenhada, modelada, construída e otimizada. Baseando-se em trabalhos anteriores em engenharia genética, a biologia sintética procura combinar a biotecnologia e o desenvolvimento de tecnologias que facilitam o projeto e a construção de sistemas biológicos para uma aplicação final (2). Uma dica de leitura interessante é o trabalho de Neil Dixon, onde ele aplica engenharia de moléculas de RNA para melhorias em sistemas biológicos.
A “padronização, desacoplamento e abstração”, conceitos dos stacks de tecnologia, também são os elementos primordiais que compõem a nova a biologia sintética. Pois aproxima fundamentos de engenharia e genética e os aplica através da biologia molecular por meio do uso de enzimas como as DNA polimerases, e demais enzimas de edição genética (2). Portanto, a criação de camadas SynBio libera pesquisadores de gastarem tempo pensando na produção de insumos de base, sequencias de nucleotídeos específicas e etc. para que possam focar apenas em novas aplicações biotecnológicas (3). Para saber mais sobre SynBio eu recomendo fortemente este livro: Synthetic Biology — A Primer (3)
Rob Carlson desenvolveu esta ideia em seu livro “Biology is Technology”. Carlson traça a história do desenvolvimento da camada de abstração que permitiu o design e a engenharia dos aviões extremamente complexos. Ele compara a Biologia com a física, onde abstrações são feitas para mascarar a complexidade e fornecer soluções com menor esforço (3).
O conceito de camadas SynBio pode parecer muito distante do dia-a-dia dos laboratórios de pesquisa, mas é provável que se você já fez algum experimento de biologia molecular, você já entrou em contato com algumas das camadas de stacks SynBio.
É possível agrupar estas stacks SynBio em quatro camadas(3):
- Camada de Aplicação: Conjunto de aplicações para criação de produtos valiosos que vão desde combustíveis renováveis, insumos farmacêuticos, biosensores, terapia gênica, etc.
- Camada Bio Software: Programas que facilitam a montagem, análise e detecção de nucleotídeos e outras biomoléculas.Exemplos: Blast – NCBI, Benchling, softwares de análise de dados de proteômica, análises de dados e otimização de processos.
- Camada de Execução de Processos: Hardware que automatiza processos descritos pelo Bio-software para manipular reagentes. Como um leitor de placas, um equipamento de PCR quantitativo, um robô-pipetador.
- Camada dos Reagentes Biológicos: Partes biológicas sendo combinadas para criar aplicações. DNA sintético, enzimas para clonagem e amplificação de DNA, cepas modelo, plasmídeos padronizados para funções específicas, entre outros.
Por exemplo, o uso de diferentes camadas SynBio facilita e muito o desenvolvimento de uma nova levedura produtora de etanol a partir de bagaço da cana de açúcar (Camada de aplicação). Agrupando e fornecendo um conjunto de módulos menores como: Vetores de transformação e leveduras modificadas para se tornarem transgênicas (auxotróficas) (Camada de Reagentes Biológicos), síntese de genes e uso de biorreatores (Camada de Execução de Processos), softwares de sequenciamento do genoma (Camada de software), o desenvolvimento desta nova linhagem produtora de etanol torna-se viável. Os profissionais podem então se especializar em determinadas partes do trabalho, sendo desnecessário pensar em todo este contexto.
Muitas empresas com abordagens inovadoras estão aumentando o papel da SynBio criando diferentes camadas. Como exemplo, empresas de camadas de aplicação: Amyris, que produz moléculas usando biologia sintética; da Camada de bio software: Benchling, empresa que fornece uma plataforma digital que permite aos usuários visualizarem mapas de construções de DNA; Camada de Execução de Processos: Tecan, empresa que produz equipamentos para a pesquisa; Camada de reagentes: Ecra Biotec, empresa brasileira que produz kits enzimáticos de biologia molecular. Quanto mais dessas camadas de soluções aparecerem, mais centros de pesquisa e empresas de base tecnológica poderão fazer o uso de soluções contendo SynBio de maneira econômica e rápida.
Desta forma, não é mais necessário que os pesquisadores sejam especialistas de uma ponta a outra do processo – eles podem se especializar apenas na área principal de atuação, o que contribui desenvolvimento de pequenas startups. Empresas nacionais, como a Rheabiotech, BioinFood, Gene solux, Gentros, Pangeia Biotech fazem parte deste ecossistema. Estas empresas de biotecnologia têm a chance de usar o mesmo conceito de camadas de fabricação que impulsionaram a inovação no setor digital, mas agora aplicado as indústrias farmacêuticas, química e em inúmeros outros setores.
Este conceito pode parecer difícil de entender, mas na realidade ele foi feito para simplificar, dividir para conquistar! Como você usaria estas camadas para inovar? Conta para agente!