O melhoramento genético de plantas é um assunto de longa data. Há milênios os seres humanos realizam o cultivo e a seleção de plantas que hoje, consequentemente, possuem genomas profundamente diferentes dos seus ancestrais.
Muitos avanços foram importantes marcos na história da agricultura pela sua contribuição ao processo de melhoramento vegetal. Técnicas foram desenvolvidas a fim de aumentar produtividade, resistência e/ou valor nutricional de plantas. Nesse âmbito a transgenia ganha destaque, pois demonstrou ser uma grande aliada da agricultura moderna para o desenvolvimento de novas variedades com propriedades nunca antes alcançadas.
No entanto, não ache que essa é a única tecnologia existente para modificações genéticas em plantas. Os avanços científicos permitiram o desenvolvimento de uma nova geração de ferramentas para melhoramento, que foram coletivamente chamadas de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), ou New Breeding Technologies, em inglês. No Brasil o termo foi introduzido pela Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio) e é utilizado na Resolução Normativa Nº 16 (RN16), a qual trata a respeito do avanço dessas ferramentas no mercado nacional e suas perspectivas.
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TIMPs – inovação em modificação genética
Há vários tipos de modificações genéticas realizadas em plantas. Mesmo após processos de alterações genômicas, para a planta ser considerada um OGM, isto é, Organismo Geneticamente Modificado, depende das definições legislativas de cada país. Em geral, são considerados OGMs organismos que tiveram seu DNA alterado artificialmente – e substancialmente – e que possuem fragmentos de DNA exógenos no produto final. Transgênicos são um tipo de OGM que possuem DNA de outras espécies inseridos no genoma (leia mais sobre transgênicos).
As Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMPs) são alternativas de engenharia genética que não necessariamente envolvem transgenia ou grandes modificações de DNA. Elas são usadas para gerar modificações no genoma em regiões específicas e pré-determinadas. Por esse motivo, recebem a denominação de edição gênica ou engenharia de precisão.
Toda a maquinaria de cada técnica é desenhada para identificar uma região alvo no genoma. A especificidade é conseguida através da utilização de “moléculas guias”, capazes de reconhecer ou se ligar a sequências específicas do DNA. Mais adiante vamos ver alguns exemplos de tipos de técnicas usadas no melhoramento de precisão.
Através da edição gênica, portanto, é possível introduzir uma mutação em determinado gene de interesse, ou reverter uma mutação existente. As mutações podem ser pequenas deleções/inserções ou apenas troca de nucleotídeos. Em alguns casos é possível realizar o silenciamento de genes sem sequer alterar a sequência do DNA, apenas por modulação epigenética.
Algumas ferramentas de edição genética podem ser combinadas com técnicas já consolidadas como transgenia e melhoramento convencional. A transgenia pode estar presente como uma etapa do processo, sendo revertida em passos subsequentes para que não haja material genético alheio no produto final – o qual, consequentemente, não será considerado um transgênico. A edição gênica também gera novas variedades muito mais rapidamente do que o melhoramento convencional, pois é realizada de forma dirigida e não aleatória.
Algumas técnicas do melhoramento de precisão induzem apenas mutações pontuais que em quase nada diferem dos produtos do melhoramento convencional. Por esse motivo, plantas geneticamente editadas por TIMPs não são consideradas OGMs necessariamente (veja mais no tópico “questões regulatórias”).
Exemplos de ferramentas da engenharia de precisão
Existem várias técnicas de melhoramento de precisão atualmente. Abaixo temos alguns exemplos e como funcionam, mas existem várias outras técnicas, assim como combinações entre ferramentas antigas e TIMPs. Conheça essas três:
Mutagênese oligo-dirigida
A Mutação Dirigida por Oligonucleotídeos (do inglês, ODM) é uma ferramenta que depende dos mecanismos de reparo do DNA e que pode ser utilizada principalmente para introduzir mutações pontuais (de um ou poucos pares de base) ou reverter mutações já existentes.
fragmentos sintéticos de DNA são inseridos dentro das células da planta para qual se deseja obter uma mutação. Esse trecho de DNA (que também podemos chamar de oligonucleotídeo) artificial irá se ligar a um gene endógeno (isto é, um gene da própria célula) devido sua similaridade com a sequência do gene. A ligação só não é completa porque uma pequena parte do fragmento sintético é propositalmente não similar à sequência do gene, o que causa um mal-pareamento, em outras palavras, falta de ligação, justamente nessa região.
A maquinaria de reparo do DNA reconhece esses mal-pareamentos (chamados de mismatches) e realiza a correção da sequência genômica da célula, utilizando uma outra fita como molde. Estando em grandes quantidades, os fragmentos podem ser o molde de reparo, induzindo assim a troca de nucleotídeo na sequência do genoma. Os fragmentos de DNA sintético são degradados, mas as modificações realizadas são mantidas.
Nucleases sítio-dirigidas
Essa é uma importante metodologia no cenário atual da agrobiotecnologia, pois apresenta muitas aplicações, podendo ser utilizada para induzir mutações, deleções ou inserções no genoma. Assim como no exemplo acima, o sistema de edição gênica por nucleases sítio-dirigidas (do inglês SDN) também depende dos mecanismos de reparo de DNA.
As nucleases são proteínas capazes de realizar quebra de dupla fita no DNA. Funcionam como tesouras moleculares que, quando devidamente direcionadas, cortam o DNA em um sítio específico. O direcionamento é feito por “moléculas guias”, que são proteínas ou oligonucleotídeos capazes de reconhecer sequências de DNA e também de se ligarem a nucleases.
Nas células existem duas vias de reparo de dupla quebra: a primeira (NHEJ), conserta a quebra ligando as extremidades do DNA, o que frequentemente causa pequenas deleções ou inserções na região. A segunda via (HR), restaura a estrutura do DNA caso haja uma outra fita idêntica para ser usada como molde – podemos usar o mesmo princípio da ODM nesse caso, introduzindo oligonucleotídeos sintéticos para indução de mutações.
Exemplos de técnicas baseadas em SDN são as nucleases “dedo de zinco” (Zinc finger nucleases, ZFN), TALE nucleases (TALENs) e o sistema CRISPR-Cas9. As duas primeiras técnicas utilizam proteínas ligadas a nucleases para o reconhecimento e corte do material genético. No CRISPR, a molécula guia é um RNA que se liga à nuclease Cas, sendo o RNA capaz de reconhecer sequências maiores do que as proteínas, o que traz maior especificidade a essa técnica em relação às demais.
Já existem no mercado produtos do melhoramento vegetal utilizando nucleases sítio-dirigidas. Um óleo de soja mais saudável, obtido pela tecnologia TALEN, foi aprovado e está sendo comercializado regionalmente nos EUA. Um outro caso de sucesso é do cogumelo paris editado com CRISPR para inibição das enzimas polifenol-oxidases, responsáveis pelo escurecimento ao longo do tempo de prateleira. O produto foi aprovado e está sendo comercializado nos EUA.
Modificação epigenética
Não precisamos necessariamente alterar a sequência de um gene para desativá-lo, muitas vezes é possível realizar esse controle por modificações epigenéticas. A epigenética compreende todo o aparato que modula a expressão gênica sem necessariamente alterar a sequência do DNA.
Um exemplo de técnica que utiliza esse conceito é a “metilação de DNA dirigida por RNA”. Moléculas de RNA fita dupla são introduzidos na célula para que sejam processados a pequenos RNAs de interferência (siRNA). Os siRNAs são similares a uma sequência alvo, e sua presença induz a maquinaria de defesa da célula à realizar a metilação do gene correspondente. A metilação é a ligação de uma pequena molécula química (em geral um grupo metil) nos nucleotídeos do DNA, que leva à inativação da expressão gênica.
O silenciamento do gene por metilação é mantido nas gerações seguintes, mesmo quando as moléculas de RNA são perdidas – seja pela simples divisão das células reprodutivas ou por um processo de remoção de material genético através de cruzamentos. Dessa forma, o produto obtido por esse processo não carrega qualquer alteração de sequência, podendo ser avaliado como não geneticamente modificado.
Questões regulatórias
A utilização do melhoramento de precisão deve rapidamente se introduzir no mercado, uma vez que plantas editadas geneticamente não apresentam grandes alterações na sequência do DNA endógeno ou transgenes, e assim podem ser mais acessíveis em termos de custos e aspectos regulatórios.
No Brasil, a CTNBio determinou por meio da Resolução Normativa Nº 16 (RN16) que toda e qualquer pesquisa, desenvolvida para melhoramento por meio de edição gênica, deve ser submetida a avaliação por uma equipe de profissionais ligados ao órgão. O comitê poderá julgar se o produto do melhoramento deve ser avaliado como um OGM ou não.
Essa flexibilidade é possível pois no Brasil, assim como em outros países do continente americano, são levados em consideração tanto o processo quanto as características do produto final para sua regulamentação. Caso o melhoramento resulte em uma variedade com nenhuma modificação genética ou com alterações que seriam possíveis de ser obtidas por uma mutagênese espontânea, o produto pode ser avaliado como melhoramento convencional.
Dessa forma, essas tecnologias são uma excelente oportunidade, principalmente para pequenas e médias empresas ou centros de pesquisas, de participarem no desenvolvimento de novos genótipos. Em outros países, como EUA e Israel, plantas editadas geneticamente também devem ser submetidas a consulta para que sejam avaliadas caso a caso.
Todo produto classificado como OGM passa por várias etapas de análise de biossegurança antes de ser disponibilizado no mercado. Os processos de regulamentação foram estabelecidos décadas atrás, quando plantas OGMs passaram a ser desenvolvidas em larga escala. Contudo, a definição de OGM não consegue abranger em sua totalidade as novas tecnologias de melhoramento que vem surgindo, e por esse motivo existe uma crescente discussão quanto a classificação dos produtos gerados por TIMPs.
Classificar um produto da edição gênica como melhoramento convencional não significa que será menos seguro. A questão na verdade é avaliar o produto/processo de uma forma mais assertiva, direcionando para as etapas que realmente são mais relevantes, afinal essas modificações de genoma são menores e mais específicas.
As TIMPs também não substituem técnicas consolidadas de melhoramento, como a transgenia, apenas são mais uma alternativa para conseguir atender as cada vez mais variadas demandas da agricultura e com maior acessibilidade para empreendedores.
A edição genética pode gerar profundos impactos na agrobiotecnologia, além de muitas outras possibilidades que você pode conhecer seguindo nossas publicações! Acompanhe o Profissão Biotec para saber mais sobre a biotecnologia agrícola e melhoramento vegetal!