A medicina evoluiu tanto a ponto de existirem tratamentos para diversas doenças, que anteriormente não possuíam terapias. Porém, muitos são os distúrbios, como alguns tipos de câncer, doenças hematológicas, isquêmicas, degenerativas ou traumáticas, que ainda não possuem intervenções medicamentosas ou mesmo cura. Por isso, alguns tratamentos utilizando células humanas vêm surgindo, as chamadas terapias celulares. Neste tipo de terapia, células do próprio paciente ou de terceiros são cultivadas e modificadas em laboratório para agirem diretamente no alvo, de forma a tentar melhorar ou mesmo eliminar a causa ou os sintomas da doença. Sabe quais são as possibilidades terapêuticas atuais? Venha conferir algumas terapias aprovadas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil!
As células e seu potencial terapêutico
A maior parte das doenças crônicas, como câncer e artrite reumatóide, contêm um forte componente genético responsável por aquela enfermidade. Já outras, além da base genética, possuem o envelhecimento como um importante elemento. Muitas destas questões de saúde, como alguns tipos de câncer, doenças hematológicas, isquêmicas, degenerativas ou traumáticas, não possuem tratamento ou intervenções capazes de melhorar ou mesmo curar o problema..
Para isso, surgem as terapias celulares como uma forma de utilizar um componente humano (ou seja, mais ‘natural’), autólogo (do mesmo indivíduo) ou alogênico (de um terceiro indivíduo), de forma a tratar ou prevenir doenças, aliviando sua causa ou seus sintomas. Essas terapias podem atuar restaurando ou modificando células normais ou danificadas ou utilizando-as para modular a função de determinadas células pela inserção de novas células ou subprodutos delas no organismo.
As células são as unidades básicas da vida. Elas contém toda a maquinaria responsável pela geração de energia, divisão celular, síntese de proteínas, e, não menos importante, carregam o material genético contendo todas as informações do indivíduo (uma biblioteca de genes, possibilitando a formação de diversos tecidos e órgãos). Elas já vêm sendo usadas há muito tempo, em especial na prática de transfusão sanguínea. Agora, com o avanço dos conhecimentos relacionados à cultura de células, à biologia molecular e às edições genéticas, um novo ramo da Biotecnologia tem se desenvolvido a pleno vapor.
As duas principais agências regulatórias no mundo são a Administração de Drogas e Alimentos (FDA), nos Estados Unidos, e a Agência de Fármacos Européia (EMA). No Brasil, possuímos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) atuando como órgão regulador. Venha conferir quais terapias celulares já foram aprovadas por essas agências!
Terapias celulares aprovadas pela FDA
Existem diversas terapias celulares já aprovadas pela FDA. Dentre elas, podemos citar:
Células CAR-T são células modificadas para expressarem certas proteínas (ou receptores) em sua superfície de forma a reconhecer de forma mais específica alguns antígenos (proteínas pequenas derivadas de tumores). Atualmente, existem terapias que utilizam essas células para o tratamento de mieloma múltiplo, doença que afeta as células produtoras de anticorpos do organismo, os plasmócitos. Dentre essas terapias, estão: ABECMA, CARVYKTI, PROVENGE e BREYANZI. Em relação ao tratamento de outros tipos de cânceres, como linfomas (ocorrem quando as células T, responsáveis pelo combate a vírus e tumores, sofreram mutações, modificando sua função) e leucemias (derivadas de tumores formados a partir de células da imunidade, presentes na medula óssea) existem as terapias TECARTUS, YESCARTA e KYMRIAH.
As células progenitoras mesenquimais são células derivadas de células-tronco presentes em diversos tecidos, com capacidade de autorrenovação, mas um pouco mais especializadas (ou seja, mais propensas a tornarem-se um tecido). As que mais têm sido utilizadas são as derivadas de cordão umbilical ou placenta, para tratamento de doenças hematológicas (derivadas do sangue) ou imunológicas (das células de defesa do corpo). Dentre essas terapias, temos DUCORD, HPC e OMISIRGE disponíveis no mercado.
Terapias celulares também vêm sendo utilizadas para tratamentos estéticos. As famosas “linhas de expressão” têm sido alteradas a partir de fibroblastos. Essas células são responsáveis pela produção de fibras e proteínas envolvidas na cicatrização e manutenção de diversos tecidos, como nossa pele. O LAVIV é o tratamento dermatológico que utiliza essa tecnologia, e usado para pessoas que buscam o rejuvenescimento.
O ETHYMIC é utilizado em pacientes pediátricos que nasceram sem o timo (órgão responsável pela formação de células imunológicas). Através do transplante de porções deste órgão, a empresa garante a reconstituição do sistema imunológico, através desses doadores.
Para pessoas que sofrem com perda ou defeitos de cartilagem, incluindo injúrias nas articulações, o MACI pode ajudar. Esse tratamento realiza uma pequena artroplastia (substituição da região danificada por um implante), com coleta dos condrócitos (células da cartilagem), que crescem em um filme (suporte) e são inseridas na região de interesse.
Para o tratamento de queimaduras, o STRATAGRAFT utiliza queratinócitos (células da pele) alogênicos e fibroblastos dérmicos para a produção de um novo tecido na região.
Já para o tratamento de condições odontológicas, o GINTUIT utiliza culturas alogênicas de queratinócitos e fibroblastos formando uma base, que será aplicada topicamente em lesões causadas pelo tratamento de problemasmucogengivais.
Terapias celulares aprovadas pela EMA
Algumas das terapias aprovadas pela EMA são:
As terapias YESCARTA, KYMRIAH, PROVENGE e MACI, já citadas aqui, também são aprovadas na Europa.
Para o tratamento de fístulas (pequenos túneis criados dentro de um tecido) perianais (ao redor do ânus), o ALOFISEL utiliza células adiposas derivadas de células mesenquimais, inserindo-as direto na região da lesão.
A CONDROCELECT utiliza células derivadas da cartilagem do paciente para defeitos ósseos presentes nos joelhos, inoculando-as diretamente na região. Já a SPHEROX utiliza esferóides (células agrupadas em pequenas bolinhas) autólogas derivadas de culturas de condrócitos também para defeitos em regiões de cartilagem no joelho.
Por fim, para queimaduras nos olhos, o HOLOCLAR expande células da córnea humana in vitro, para aplicação tópica nas regiões afetadas.
Terapias celulares em andamento no Brasil
As chamadas Terapias Avançadas, que compreendem as terapias celulares, gênicas e de engenharia tecidual, são regulamentadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 338/2020, revisada pela RDC 505/2021. A ANVISA avalia os riscos relacionados à segurança, qualidade e eficácia. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e a Instância Máxima de Avaliação Ética em Protocolos de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CONEP) regulamentam a questão ética, além da relação risco e benefício, dos estudos em humanos. A Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) regulamenta no âmbito privado e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde – SUS (CONITEC) incorpora os tratamentos ao SUS, verificando a relação custo e benefício.
No Brasil, existem poucos tipos de terapias celulares aprovadas. Dentre elas, o transplante de sangue e de medula óssea, além do uso de células mesenquimais para doenças hematológicas já são aplicadas há muitos anos. Ainda, tratamentos com células CAR-T têm sido utilizados também, porém ainda há um longo caminho para a implementação no SUS, onde hoje existem dois centros em São Paulo produzindo insumos capazes de atender até 300 pessoas por ano. Até o momento, 14 pacientes foram tratados com a terapia, com 60% de remissão dos tumores.
É importante lembrar que o uso de células CAR T não é aprovado para todos os tipos de câncer, sendo os tratados no Brasil a leucemia linfoblástica B, o linfoma não Hodgkin e o mieloma múltiplo. Nos sistemas privados, a terapia já se encontra disponível desde o início do ano, com custo de cerca de 2 milhões de reais.
Além disso, A KYMRIAH, ALOFISEL e YESCARTA, já citadas anteriormente, são terapias estrangeiras já aprovadas por aqui.
Terapias celulares para prevenções de doenças
Algumas terapias celulares são usadas para o tratamento de doenças, e acabam por prevenir outras ou mesmo evitar a malignidade de comorbidades associadas. Dentre elas, observou-se que pacientes com covid que receberam células mesenquimais tiveram redução em 72% para o risco de morte. Em outro estudo, pacientes com doenças sanguíneas que eram imunossuprimidos (com a imunidade baixa) receberam algumas células imunes (células T e células NK) para prevenção das sequelas derivadas da COVID e doenças cardiovasculares.Terapias para inibir as sequelas derivadas da tuberculose também têm sido investigadas. Além disso, existem terapias para a evitar a progressão de falha cardíaca após um evento isquêmico.
E aí, ficou empolgado com as novas possibilidades terapêuticas? Será que elas serão acessíveis a todos? Só o tempo dirá como esses tipos de terapias irão avançar, mas certamente a biotecnologia contribuirá muito para essa evolução!
Cite este artigo:
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