Sempre tive uma admiração muito grande pela biologia! Quando era pequeno acordava pela manhã e, depois de comer alguma coisa, já ia para o quintal procurar por minhocas, insetos ou plantas diferentes. Nunca tive a habilidade de gravar o nome de todos esses bichos do mesmo jeito que minha mãe ou meus tios que cresceram no interior de Minas Gerais, mais próximos da vida no campo… Mas minha admiração continuou crescendo e no colégio descobri o que era o DNA e que nele estava o código para toda a vida na Terra! Decidi que iria estudar e decifrar esse código para compreender cada vez mais sobre os organismos, a vida que nos rodeia e que inclusive inclui a nós mesmos, os humanos.
Ao longo dos anos estudando sobre o DNA e genética, me deparei com os transgênicos. Hoje em dia, é muito difícil passar um dia sequer sem contato com algum produto derivado de transgênicos! O óleo de soja utilizado para cozinhar diversas de nossas refeições vem de soja transgênica, grande parte do milho em salgadinhos ou bolos é transgênico, o algodão das roupas que nós usamos vem de algodão transgênico e até mesmo nos detergentes biodegradáveis que usamos existem enzimas que vieram de organismos transgênicos. Mas afinal, o que isso significa?
O que é transgenia?
A transgenia é a transferência de pedaços de DNA de um organismo para outro, alterando as características originais deste! Muitos exemplos de transgênicos podem ser observados na natureza como a batata-doce, que é considerada um “transgênico natural”. Os seres humanos depois de muito observarem a natureza, aprenderam a utilizar essas mesmas ferramentas para desenvolver organismos geneticamente modificados (OGMs). Na agricultura, estas técnicas foram utilizadas para desenvolver cultivares com características desejáveis, como maior resistência a pragas, maior produtividade ou até mesmo mais nutritivos. Por exemplo, em projetos de biofortificação, como o arroz dourado, que possui mais provitamina A.
O ser humano sempre buscou determinadas características nos cultivares que plantava. Desde os primórdios da agricultura, houve a seleção artificial das plantas mais produtivas com um processo de domesticação até que se chegasse às variedades modernas que temos atualmente. No início do século passado, a partir dos conhecimentos gerados por Mendel, vários pesquisadores de semente começaram a fazer cruzamentos selecionados para que fosse possível gerar híbridos com características específicas. A Embrapa, por exemplo, possui um projeto muito legal de biofortificação de alimentos, por meio de cruzamentos selecionados, o BioFORT.
A revolução verde ocorreu, aumentando consideravelmente a produção de alimentos em meados do século XX, especialmente devido aos programas de melhoramento de sementes. Além disso, houve o aumento da mecanização e a utilização de diversos produtos químicos, como agrotóxicos e fertilizantes. Com o desenvolvimento de técnicas de biologia molecular e dos transgênicos tornou-se possível fazer melhoramentos cada vez mais rápidos e específicos, obtendo-se assim uma capacidade de resposta a variações ambientais muito mais eficiente.
Como a transgenia pode ajudar a tornar a agricultura mais sustentável?
Recentemente na história da humanidade, percebeu-se que a influência humana no meio ambiente começou a se tornar insustentável! A agricultura sempre foi uma das atividades que mais impacta o meio ambiente, ocupando atualmente aproximadamente 40% da terra disponível no planeta e sendo responsável por cerca de 25% das emissões de gases do efeito estufa. Por esses motivos, diversas pessoas estão buscando soluções.
Para produção de alimentos as práticas agrícolas estão sujeitas a pragas, variações climáticas e perdas, seja na agricultura orgânica, na convencional ou com a utilização da biotecnologia agrícola, em que novas ferramentas, como os transgênicos, são adotadas.
Ao longo de muitos anos, o aumento da produtividade na agricultura se deu às custas da destruição do meio ambiente. Monoculturas intensivas sem o devido manejo geram problemas como a depleção de nutrientes do solo. A agricultura tradicional sem a adoção de boas práticas é um ciclo destrutivo sem fim. Um ciclo com terras sendo exploradas continuamente sem a rotação de culturas, busca constante por novas terras férteis, queimadas para “limpar” a terra e facilitar o plantio, o uso excessivo de agroquímicos, entre outras coisas. Tudo isso colabora para o aquecimento global, contaminação da água e da terra e levam a uma diminuição da biodiversidade local.
Para diminuir o impacto ambiental, são necessárias regulações que:
(i) proíbam a utilização de certos agrotóxicos, que estejam de fato destruindo o meio ambiente e a saúde de comunidades, e que
(ii) limitem a utilização de agroquímicos e fertilizantes os quais quando utilizados em excesso, levam a desequilíbrios ambientais.
A adoção de variedades transgênicas tem se mostrado uma opção bastante promissora, diminuindo a área necessária para o plantio pela sua maior produtividade e menor vulnerabilidade a perdas, reduzindo assim a necessidade da expansão de práticas agrícolas para áreas preservadas. Além disso, algumas variedades transgênicas levam a uma menor necessidade de aplicação de inseticidas e outros agroquímicos em comparação à agricultura convencional, contribuindo para preservação da biodiversidade local.
Quais os transgênicos agrícolas mais utilizados?
Entre os transgênicos mais utilizados na agricultura ao redor do mundo estão:
1) os tolerantes ao glifosato
Permitiram ao agricultor aplicar o herbicida glifosato na lavoura após o plantio das sementes transgênicas, controlando o crescimento de ervas daninhas que competem com o cultivo de interesse por nutrientes, água e luz solar. Quando ervas daninhas estão junto à lavoura, na maioria das vezes a produtividade cai drasticamente, podendo chegar a perdas de até 12%. Além disso, apesar do aumento da utilização do glifosato como herbicida principal nestas lavouras, os transgênicos levaram a uma diminuição da utilização de outros herbicidas que apresentam toxicidade elevada como o metolacloro. Também foi possível desenvolver um sistema de plantio direto, sem a necessidade de queimadas ou de revolver o solo para começar um novo plantio, já que as sementes transgênicas já estavam prontas a tolerar o glifosato que seria aplicado. Dessa maneira, protegendo o solo que pode permanecer intacto e diminuindo o consumo do combustível a ser utilizado pelas máquinas agrícolas, liberando menos gases de efeito estufa na atmosfera.
2) os resistentes a insetos
Geralmente produzem cristais de uma proteína da bactéria do solo chamada Bacillus thuringiensis (Bt). Estes se mostraram eficientes no controle de insetos específicos, como lagartas ou besouros dependendo do tipo de proteína. A utilização da bactéria para controle destes insetos já era feita na agricultura há mais de 50 anos, inclusive na agricultura orgânica, que permite o uso de defensivos biológicos como forma de controle de pragas.
Com o desenvolvimento destes transgênicos, as proteínas começaram a ser expressas diretamente na planta, sem a necessidade da aplicação de um produto. Isso permitiu que se reduzisse o uso de inseticidas tóxicos na lavoura para o controle de pragas e também levou a uma diminuição da presença de micotoxinas nos alimentos, já que essas micotoxinas são produzidas por fungos que muitas vezes infectam a planta no local que foi atacado por algum inseto.
E quais são os próximos passos?
A disponibilidade da tecnologia dos transgênicos ainda precisa enfrentar regulamentações rigorosas para que seja liberada para comercialização, o que a torna bastante segura tanto para a saúde das pessoas quanto para o meio ambiente.
Porém, estas regulamentações também tornam esta tecnologia cara para ser desenvolvida, com grandes empresas tendo muito mais capacidade tanto de infraestrutura, para realizar todos os testes de conformidade e qualidade, quanto jurídica, com capacidade de pagar por todos os processos regulatórios e liberar as sementes comercialmente. Isso acaba encarecendo o seu uso para os cientistas, que querem implementar inovações fora das grandes empresas, e para os agricultores também. Isso acaba favorecendo grandes fazendeiros que possuem grande poder de compra e são capazes de pagar pelo desenvolvimento de tecnologias para as monoculturas que tanto os interessa, como soja e milho. Enquanto isso, pequenos agricultores de subsistência continuam perdendo suas lavouras sem tecnologia, o que deve piorar com o aquecimento global…
Tornar a regulamentação mais flexível é uma das etapas para tornar esta tecnologia mais acessível. É preciso que mais empresas sejam capazes de desenvolver produtos e aplicar essa tecnologia, em diversos setores de inovação no Brasil. Algo que só se tornará realidade se incentivar que empresas e projetos surjam em território nacional. Estes tipos de incentivo poderiam priorizar o melhoramento de cultivares utilizados por pequenos agricultores e cultivares com contexto histórico, regional e social, como a mandioca.
Afinal, utilizar a transgenia para o melhoramento de plantas é uma ferramenta. A qual já teve muitos impasses no passado, mas hoje é reconhecida segura pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), entre outras instituições. O uso dessa ferramenta pode ser ampliado para torná-la mais útil, mais acessível e com a capacidade de solucionar problemas urgentes.