#JulhoSemPlástico e #AcabeComAPoluiçãoPlástica foram campanhas promovidas recentemente ao redor do mundo para que todos nós repensemos nossos hábitos de consumo, produção, descarte e nossa relação com a natureza.
A primeira é uma iniciativa da australiana Plastic Free July Foundation com a intenção de gerar um movimento global de redução do uso do plástico e melhorar o processo da reciclagem.
A segunda é o tema da campanha que a ONU promoveu este ano em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, que acontece todos os anos em 5 de junho. Nesse mesmo mês, a matéria de capa da revista National Geographic nos alertava para a quantidade de plástico que acaba indo parar nos oceanos…a incrível quantia de 8 milhões de toneladas por ano!!!
Será que repensar a produção do plástico pela via biotecnológica seria uma saída?
Estas foram as inspirações para falar sobre os PHAs ou polihidroxialcanoatos , uma família de bioplásticos produzidos por bactérias em um processo fermentativo, que podem ser uma alternativa a alguns plásticos derivados do petróleo, que acabam poluindo o solo, a água e a cadeias alimentares, levando mais de 200 anos para se degradar 1 , interferindo de forma negativa nos ciclos de vida do meio ambiente.
As vantagens dos PHAs é que são plásticos biocompatíveis, ou seja, compatíveis ao nosso sistema imune, possibilitando seu uso até mesmo em materiais cirúrgicos.2 Além disso, podem ser produzidos por via biotecnológica, a partir da fermentação de matérias-primas renováveis como o açúcar de cana e de milho, ou óleos vegetais, que são biodegradáveis. O PHB, ou polihidroxibutirato , por exemplo, que é um tipo de bioplástico derivado da família do PHA, leva em média 9 meses para se decompor em aterros sanitários.3 (Figura 1).
Esses biopolímeros são produzidos no interior da célula de diversas espécies bacterianas, em forma de grânulos, como reserva de energia, como as famosas “gordurinhas” que nós humanos acumulamos. Os grânulos poliméricos se formam quando ocorre limitação nutricional e excesso de fonte de carbono disponível para as bactérias ou estímulo de crescimento acelerado. (Figura 2).
Após a etapa de cultivo das bactérias é feito o processo de extração do PHA acumulado no interior das células, separação da biomassa do meio de cultivo, recuperação do polímero e a purificação.5 A quantidade de átomos de carbono em cada monômero (as unidades que compõem a cadeia polimérica) é que determina as características do bioplástico e, por consequência, qual poderá ser a sua aplicação. Monômeros compostos por cadeias de carbono consideradas médias (de 6 a 14 átomos de carbono) possuem características mais elásticas e podem resultar em bioplásticos mais flexíveis, como os das sacolinhas de mercado.
Já os monômeros de cadeias mais curtas (3 a 5 átomos de carbono), como os do PHB (que possuem 4 átomos de carbonos), geram características termoplásticas, resultando em bioplásticos mais rígidos e que podem ser moldados com o aumento de temperatura. Estes são ideais para a fabricação de diferentes peças injetadas e termoformadas como brinquedos, frascos para cosméticos e réguas, podem ser usados também na extrusão de chapas e fibras que poderiam atender a indústria automobilística e até em espumas que substituiriam o isopor 6 (Figura 3).
Breve histórico no Brasil
No Brasil, em um trabalho pioneiro no início dos anos 90, o PHB foi produzido a partir de uma iniciativa de cooperação de pesquisa entre o Laboratório de Biotecnologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), o Centro de Tecnologia da Copersucar e o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP, que estava associada à Universidade Federal da Paraíba). A tecnologia foi transferida para a empresa PHB Industrial em 2000, sediada na cidade de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, que, com o auxílio de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), desenvolveu a tecnologia de produção dos pellets, a matéria-prima utilizada pela indústria transformadora para produzir em escala piloto os objetos de bioplástico, chamado de Biocycle7 (Figura 4). Apesar de tantos esforços, a produção da empresa ainda não foi elevada a uma escala industrial de forma a competir com os plásticos derivados da indústria petroquímica.
Muitos desafios precisam ser superados para que a produção dos bioplásticos possa ganhar escala e fatias consideráveis do mercado de plástico, cujo faturamento, só no Brasil, ficou em torno de R$ 56,4 bilhões no ano de 2017 8, por isso os bioplásticos ainda representam uma porcentagem muito pequena dos plásticos vendidos no mundo, cerca de apenas de 1%.
Perspectivas e oportunidades
A Full Cycle Bioplastics, uma startup da Califórnia, parece ser uma iniciativa promissora. Nela, foi desenvolvida uma tecnologia usando resíduos industriais, agrários e até do lixo doméstico como fonte de carbono, barateando custos de produção do PHA, o que ainda traz o benefício de também reduzir custos do descarte de resíduos.10 O produto é compostável, se degrada no mar ou pode se tornar insumo novamente para o próximo ciclo de produção conseguindo, assim, ter competitividade de custos com o plástico petroquímico. Em 2014, a empresa recebeu um investimento de 2 milhões de dólares em 2014 em capital semente e está recebendo outro aporte este ano.
Uma outra startup californiana, a Mango Materials está focada em desenvolver PHA para a área de moda. O material será usado para a fabricação de fibras para tecidos e roupas utilizando resíduos de metano como fonte de energia para as bactérias produtoras do biopoliéster. O gás metano que será liberado durante a decomposição das peças após seu descarte servirá de fonte de energia iniciando um próximo ciclo. (Figura 5).
No Brasil, núcleos de pesquisa como da Profa. Luiziana Ferreira e do Prof. José Gregório Cabrera, envolvidos desde o início da pesquisa de PHA no país, atuam no Laboratório de Bioprodutos do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, estudando as vias metabólicas das bactérias produtoras de PHA e possíveis modificações genéticas, tanto para controlar o tipo de produto final, como também para aumentar a produtividade na obtenção do biopolímero, o que ajudaria na diminuição do custo de produção e consequente aumento da competitividade no mercado.
O custo de produção de PHA pode chegar a ser 5 vezes superior ao dos plásticos petroquímicos, mas pelo menos sabemos que pesquisa e tecnologia, ou melhor, pesquisa e biotecnologia já existem para que possamos substituir plásticos convencionais por bioplásticos em escala industrial. Ou, ao menos, boa parte deles, por alternativas sustentáveis, quando estivermos dispostos a implementar uma nova cultura de responsabilidade ambiental e valores focados na economia circular.
Agora olhe à sua volta… que tal se perguntar de onde vêm e para onde vão os objetos do seu dia a dia depois de terem sido úteis? Quais deles você acha que poderiam ser substituídos por algum tipo de PHA?
Cite este artigo:
FLESCH, I. Vamos repensar o plástico? E se ele fosse produzido por bactérias? Revista Blog do Profissão Biotec, v.3, 2018. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/vamos-repensar-o-plastico-e-se-ele-fosse-produzido-por-bacterias/> Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
SUPER INTERESSANTE. Por que o plástico demora tanto para desaparecer na natureza? Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/ambiente/por-que-o-plastico-demora-tanto-tempo-para-desaparecer-na-natureza/>. Acesso em 30 jun 2018.
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