Se você já assistiu ao filme Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (1993), sabe muito bem que os organismos sempre vão encontrar um jeito de sobreviver. E isto não acontece só na ficção! Existem muitos casos de superação de adversidades na natureza, mostrando que os seres vivos do nosso planeta conseguem ser experts em sobrevivência.
Os próprios dinossauros do Jurassic Park podem servir de exemplos. Imagine os animais voadores do filme: eles possuem uma anatomia do esqueleto diferenciada com vários aspectos favoráveis para permitir o voo ou a planagem.
Neste texto, vamos falar de um exemplo de sobrevivência bem recente: as plantas que perduram nas proximidades do local onde ocorreu o acidente nuclear de Chernobyl. Além de ser algo interessante, essas plantas sobreviventes abrem uma linha de estudo capaz de auxiliar na compreensão e no desenvolvimento de áreas agrícolas com plantas capazes de lutar contra a radiação.
Um resumo do que aconteceu em Chernobyl em 1986
A radiação é um tipo de onda eletromagnética que propaga energia. Dependendo da característica dessa onda, como sua velocidade, ela pode causar danos no nosso DNA e provocar mutações genéticas problemáticas. Caso a energia seja suficiente para retirar elétrons de átomos, chamamos a radiação de ionizante; este tipo de radiação inclui os raios X e gama. Se a energia não quebra ligações químicas, chamamos a radiação de não ionizante. Apesar disso, a radiação não ionizante também é mutagênica. Isso será importante para mais tarde!
A radiação eletromagnética pode ser utilizada como fonte de energia elétrica, chamada energia nuclear, que é uma forma sustentável e relativamente segura. A palavra “relativamente” é significativa, uma vez que há um perigo potencialmente enorme caso a energia nuclear não seja manipulada corretamente. Por exemplo, o caso do acidente de Chernobyl, em 1986, é associado a cenários desastrosos em usinas de energia nuclear.
Não iremos abordar a cronologia dos erros operacionais e sistêmicos que resultaram na explosão do reator nuclear da usina de Chernobyl em Pripyat, Ucrânia. No entanto, os eventos após o acidente são fundamentais para a análise científica das consequências provenientes da contaminação por radioatividade.
A explosão do reator foi sucedida pela liberação de doses elevadas de uma nuvem radioativa na atmosfera e por um incêndio duradouro. A extinção do incêndio só foi bem sucedida após inúmeras tentativas de despejar água, areia, chumbo e ácido bórico nas chamas; isto ainda é um fator de risco para contaminação. Além disso, as ruínas da usina (os equipamentos e os prédios, por exemplo) são consideradas perigosas. Por fim, tudo que estava nas proximidades do acidente foi contaminado por radiação e só será uma zona segura após cerca de 20 mil anos.
As plantas de Chernobyl
Uma das consequências do acidente de Chernobyl foi a contaminação do solo nas proximidades do reator, incluindo as terras agrícolas. Os terrenos contaminados são radioativos, arenosos e pobres em nutrientes. Porém, a radioatividade dessas áreas não impediu o crescimento de plantas na região!
Os estudos feitos com as plantas que cresceram nas proximidades de Chernobyl visam identificar as características moleculares que favorecem a sobrevivência em locais radioativos. Algumas meta-análises já observaram uma frequência maior de mutações associadas à radiação, que resultaram na mudança de armazenamento de proteínas, sistemas de defesa e em outras rotas metabólicas nas células. Além disso, estudos também observaram que as plantas com maiores taxas de metilação e recombinação homóloga, ou seja, modificações específicas no DNA, aparentam ser capazes de sobreviver nesses ambientes. Isto ocorre por meio da ativação ou inativação de genes que expressam proteínas importantes para, por exemplo, a sobrevivência da planta, resultando em maior resistência à radiação.
A radiação também é capaz de induzir outras alterações moleculares nas plantas de maneira dose-dependente, o que ocorre, especialmente, na expressão de diferentes proteínas de defesa contra o estresse celular. Isto foi observado em amostras de arroz coletadas próximas ao reator de Chernobyl, e o estudo foi realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada em Tsukuba, Japão.
Os estudos apenas começaram
As observações dessas plantas demonstram a capacidade desses organismos de lidar com quantidades elevadas de radioisótopos, que são partículas atômicas instáveis. Elas são exemplos de superação, além de serem essenciais para estudar e desenvolver métodos de biorremediação de radioatividade e aproveitamento de áreas agrícolas contaminadas.
O fato é que já foi documentado que as plantas contaminadas pela radiação de Chernobyl têm expressão diferencial de proteínas importantes, como as associadas à defesa, divisão e crescimento celular, remediação de metais pesados e metabolismo. Esses conhecimentos permitem analisar como as plantas sobrevivem e lidam com ambientes radioativos e, assim, criar um modelo de adaptação à radiação.
Ainda é necessário estudar os efeitos dessa expressão diferencial de proteínas, por exemplo com plantas transgênicas. Porém, as plantas de Chernobyl continuam sendo uma fonte de conhecimento sobre as bases moleculares da sobrevivência em ambientes radioativos. Isto serve de base para a produção de novas variantes de plantas não comestíveis, para a produção de biocombustíveis, por exemplo, em áreas agrícolas contaminadas com radiação.
Você pode acessar a página de um dos projetos de estudo das plantas de Chernobyl a fim de conhecer mais sobre esses organismos.
Cite este artigo:
FRANCA, L. V. A vida encontra um meio: as plantas radioativas de Chernobyl. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/vida-encontra-meio-plantas-raioativas-chernobyl/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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Fonte da imagem destacada: Nagara Oyodo no Unsplash.