Apesar de serem majoritariamente considerados inimigos, os vírus podem ser aliados valiosos para biotecnologistas. Veja como eles podem ser os mocinhos da história em terapias gênicas ou para eliminação de superbactérias.

Este texto foi escrito em 2019, antes da pandemia de covid-19. Veja nossos conteúdos sobre essa doença viral aqui.

Com a chegada do inverno aumentam as preocupações com a transmissão de diversos vírus, principalmente o da gripe. Quando as pessoas pensam em vírus, os associam rapidamente a doenças ou armas químicas. Porém, para nós, biotecnologistas, eles também podem ser ferramentas importantes, pois podemos utilizar sua capacidade de se infiltrar e explorar sistemas vivos a favor da sociedade. Calma, vou te explicar como isso é possível!

Na imagem, rapaz usando máscara de gás, paradoxo entre a associação das pessoas com o receio dos vírus. Fonte: Pixabay.

 Bem, inicialmente é necessário que você entenda que os vírus são basicamente compostos por um material genético dentro de uma cápsula de proteínas, assim, não são considerados seres vivos, pois não conseguem se replicar por si só. Uma vez que infectam células que lhes permitam replicar-se, elas perdem a identidade de origem e agem sob o comando viral.

Agora que você já sabe como os vírus se replicam, é importante saber que até mesmo as bactérias são alvos desses espertinhos: os fagos (ou bacteriófagos) são vírus que infectam apenas bactérias. É exatamente neste ponto que entra a biotecnologia, e nós pensamos: Ora, se os fagos são capazes de matar bactérias, isso pode tornar-se uma vantagem para os humanos, que podem utilizá-los para matar bactérias indesejadas. 

Leia nosso texto “Fagoterapia: como matar bactérias sem utilizar antibióticos?”

Desde então, eles têm sido amplamente pesquisados para uso complementar em antibioticoterapia, uma vez que são imunes ao mecanismo de resistência e específicos para o seu hospedeiro (cada fago só infecta uma estirpe de bactéria). Essa característica evita que as bactérias “benéficas”  do organismo sejam destruídas. Entretanto, para a utilização desse tratamento é necessário realizar exames laboratoriais para identificar precisamente qual espécie de bactéria causou a infecção. Também são necessários estudos que acompanhem, a longo prazo, se as bactérias podem evoluir para a resistência a fagos. Contudo, ao se tornarem resistentes a um fago, as bactérias se tornam suscetíveis a outro. Desse modo existe quase que uma oferta infinita de possíveis novos tratamentos.

Imagem de diferentes tipos de vírus. Fonte: Escola Kids

Vírus direcionados para tumor

Até pouco tempo, não havia como matar as células cancerígenas sem prejudicar as células saudáveis do resto do corpo, devido a dificuldade de direcionar um tratamento que afetasse somente aquelas afetadas. Entretanto, a biotecnologia revolucionou este cenário através do desenvolvimento de vírus que destroem seletivamente tumores. O T-VEC da Amgen é um vírus oncolítico da herpes, geneticamente modificado para tratar o melanoma,  matando as células cancerígenas da pele, sem afetar as células saudáveis. Isso é possível porque o vírus da herpes modificado só pode se replicar dentro das células cancerígenas. Eles são injetados diretamente no tumor até que o câncer desapareça, durante aproximadamente quatro meses.

Na imagem, os vírus na forma (embalagem) em que são comercializados. Fonte: Amgen’s.

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Na Alemanha, foi desenvolvido o ParvOryxo, que mata seletivamente células tumorais de uma ampla variedade de tumores incluindo glioblastoma e câncer pancreático. Ele é capaz de passar a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro, matando diretamente as células tumorais, além de alterar o microambiente do tumor, tornando-o mais visível para o sistema imunológico e aumentando sua vulnerabilidade às abordagens de imuno-oncologia.

“Pombos correio” de material genético (vetores virais)

 Ao remover os componentes patogênicos do genoma dos vírus, eles podem ser utilizados como verdadeiros “pombos correios”, entregando genes de interesse em terapias genéticas. O Luxturna, por exemplo, é um vetor viral que leva uma cópia funcional do gene RPE65 nas células da retina, restaurando a visão de pacientes com perda progressiva de visão devido a uma mutação. 

O Luxturna utiliza o vetor viral adeno-associado 2 (AAV2) para transportar uma cópia funcional do gene RPE65 nas células do epitélio pigmentar da retina (RPE) para compensar a mutação do gene RPE65. Fonte: Luxturnahcp.

Embora sua reputação sinistra nunca possa ser totalmente apagada, não há como negar que os vírus estão longe de serem apenas portadores de doenças e morte. Eles podem atuar como ferramentas biotecnológicas fantásticas, capazes de proporcionar tratamentos poderosos que seriam impossíveis sem a sua ajuda. 

Espero que tenham gostado do texto, compartilhem nas redes sociais e convidem os amigos para saber mais sobre os vírus, essas fantásticas ferramentas moleculares!

Texto revisado por Letícia Cruz e Luana Lobo
Referências:
Link do texto inspirador: https://razoesparaacreditar.com/tecnologia/brasileiros-tecnologia-dessalinizacao-agua-energia/.
Notícia da Amgen. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwiNxI69j4fjAhV7H7kGHdKQBGQQjhx6BAgBEAM&url=https%3A%2F%2Fwww.businessinsider.com%2Famgen-herpes-virus-skin-cancer-treatment-imlygic-fda-approved-2015-11&psig=AOvVaw3Lox0G0rjV-dtuzioFvUfX&ust=1561637555023672. Acesso em: 26/06/2019.

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