Saiba por que muitos querem tomar – mas não deveriam
Todos nós já desejamos, pelo menos uma vez na vida, que o dia tivesse 30 horas. A sensação de falta de tempo para cumprir tarefas é algo quase que inerente ao ser humano hoje em dia.
Mas até onde iríamos só para conseguir mais tempo? Você consideraria usar uma droga estimulante para conseguir ficar mais horas sem dormir? Muitas pessoas vêm achando que vale a pena tentar. A utilização indiscriminada de substâncias neuroestimulantes, chamadas popularmente de drogas da inteligência, é um assunto cada vez mais preocupante.
Os fármacos neuro ou psicoestimulantes atuam sobre as funções cerebrais e existem no mercado como linha de frente para tratamento de alguns transtornos psicológicos, como o déficit de atenção e transtornos do sono. Em alguns lugares tem se disseminado a crença de que o uso não clínico dessas substâncias pode gerar efeitos benéficos como aumento da disposição, concentração e até mesmo do raciocínio.
Apesar de soarem atraentes, os efeitos estimulatórios desses psicofármacos, para pessoas saudáveis, não são totalmente comprovados, e oferecem riscos à saúde para aqueles que consomem sem orientação. Vamos entender um pouco melhor como esses medicamentos funcionam e porque você não deve usá-los sem prescrição médica.
Uma breve história dos estimulantes – a anfetamina
Em 1929, o químico Gordon Alles descobriu os efeitos psicológicos de um composto muito interessante durante sua busca por um anti-histamínico para tratamento de alergias e congestão nasal. Esse composto era a anfetamina. Após suas anotações preciosas, não demorou muito para que a indústria farmacêutica a introduzisse no mercado, inicialmente sob o nome comercial de benzedrina.
A benzedrina, até então um descongestionante nasal, rapidamente se popularizou em decorrência dos seus efeitos colaterais, relacionados ao aumento da disposição e resistência ao sono. Poucos anos depois, já era usada para tratar narcolepsia e depressão. Os efeitos atraíram a população em geral, bem como soldados que lutavam na 2ª Guerra Mundial, todos ávidos por um comprimido da pílula milagrosa. No final dos anos 60, as farmacêuticas vendiam cerca de 8 bilhões de pílulas de anfetamina.
Após esse surto farmacêutico, o órgão de Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA, Food and Drug Administration) tornou a anfetamina um fármaco controlado, classificada como substância com alto potencial para abuso e dependência. Outros fármacos surgiram nos anos seguintes, também para tratar transtornos relacionados, mas que apresentaram relatos de mal uso da mesma forma.
Ainda assim, a anfetamina tinha potencial clínico para continuar sendo explorado. Na década de 1990 um novo fármaco à base de sais de anfetamina, o Adderall, foi introduzido no mercado para tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esse fármaco é administrado a pacientes com TDAH para aumento da concentração e melhor controle do comportamento.
Em 2016, anfetaminas estavam entre as 50 drogas mais vendidas nos EUA. Casos de abuso de estimulantes, principalmente entre jovens, passou a ser cada vez mais relatado. Muitos adultos e adolescentes estavam utilizando Adderall para aumentar a concentração e horas de estudo. Alguns relatam aumento da autoconfiança e mais energia. Em 2015, cerca de 4,8 milhões de adultos reportaram mal uso de estimulantes nos EUA.
Psicoestimulantes – quem são e como agem
Existem duas principais classes de psicoestimulantes: as anfetaminas, principal constituinte do Adderall, e o metilfenidato, principal constituinte dos medicamentos Ritalina e Concerta. A Ritalina entrou no mercado também para tratamento de TDAH, prometendo menos efeitos colaterais que o Adderall.
Apesar do princípio ativo ser diferente, o modo de ação da anfetamina e do metilfenidato é semelhante. Acredita-se que esses estimulantes atuam no sistema nervoso central (SNC), aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina, dois neurotransmissores. A atividade aumentada desses neurotransmissores melhora as respostas do SNC em pacientes com TDAH. Em indivíduos saudáveis, estuda-se que haja aumento das sinapses neuronais, mais prolongadas, levando a um “não-desligamento” do cérebro.
Uma nova classe de fármaco passou a ser alvo do uso não clínico de estimulantes. O modafinil, vendido sob o nome comercial de Provigil, é uma droga destinada a pessoas com distúrbios relacionados ao sono. Seu mecanismo de ação ainda não é bem elucidado, mas acredita-se que de alguma forma ele também aumente a atividade de neurotransmissores relacionados ao estado de alerta e euforia, levando consequentemente à diminuição da sonolência.
Nem tudo são flores
O primeiro ponto a se considerar é que, como todo medicamento, não se deve consumir estimulantes sem orientação médica. Os neuroestimulantes possuem tanto efeitos positivos quanto negativos que foram descritos para crianças e adultos que de fato apresentam desordens neurológicas diagnosticadas.
O cérebro de pessoas com esses transtornos funciona de forma diferente, e a medicação é apenas uma parte de um robusto tratamento que visa uma melhor qualidade de vida para pacientes e seus familiares. Em geral o tratamento consiste de uma combinação de fármacos, associados com acompanhamento terapêutico e psicológico.
Em uma pessoa que não apresente tais distúrbios, os efeitos colaterais dos neuroestimulantes podem ser acentuados, ou até mesmo agravar problemas de saúde já existentes. Como um exemplo, estimulantes podem causar sérios problemas cardiovasculares. Por esse motivo, pessoas com histórico de doenças do coração devem avisar seus médicos para que façam escolha do melhor fármaco e acompanhamento.
Sem diagnóstico e prescrição médica, não há controle da frequência, dose ou resultados quanto ao uso dos neuroestimulantes. Essa combinação aumenta os riscos de se desenvolver tolerância e dependência. A tolerância é quando se precisa de doses cada vez maiores para gerar os mesmos efeitos, o que leva a vício e danos para o organismo.
Um ponto importante e interessante é que, apesar de muita especulação, não há dados suficientes que comprovem o sucesso das drogas da inteligência como estimuladores cognitivos. Esse é um assunto muito debatido entre pesquisadores que examinaram os supostos benefícios dessas substâncias. Algumas pesquisas afirmam haver certo incremento cognitivo, outras não encontraram diferenças significativas que suportem essa ideia.
Os incrementos podem ser um efeito placebo ou uma combinação de fatores que, indiretamente, ajudam a alcançar melhores desempenhos e resultados. A diminuição do sono é um efeito que ocorre e pode ajudar nas horas de estudo, mas ao mesmo tempo apresenta perigos: pessoas saudáveis podem desenvolver problemas para dormir – que atrapalha o desempenho – ou até transtornos de ansiedade e depressão.
O documentário da Netflix “take your pills” aborda justamente esse assunto de uso e abuso das pílulas da inteligência. Da perspectiva clínica, os neuroestimulantes são extremamente importantes para pacientes com TDAH, narcolepsia ou outros distúrbios, pois todos os efeitos e resultados são acompanhados e controlados.
O uso não clínico é diferente. O documentário nos mostra a experiências de jovens estudantes, trabalhadores e até mesmo atletas que fizeram uso indevido dos neuroestimulantes, impactando nas suas vidas pessoais, saúde e carreira. Vale a pena uma conferida.
Até o momento, não existe uma forma segura e comprovada para dar um boost no cérebro. E não devemos esquecer que a automedicação nunca deve ser um caminho. Ter uma boa rotina de exercícios e alimentação, junto com uma boa noite de sono, ainda é a melhor combinação conhecida para ter uma vida mais ativa e com mais disposição.
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*O profissão biotec recomenda fortemente que esses medicamentos não sejam consumidos sem orientação médica*
*A automedicação oferece graves riscos à saúde, caso suspeite de algum sintoma, procure um médico*
*Indivíduos com TDAH, narcolepsia ou outros distúrbios aqui relatados devem ser diagnosticados e tratados por especialistas da área da saúde. Não tome ou deixe de tomar qualquer medicamento sem conhecimento do seu médico.*