O RNA de interferência, também conhecido por RNAi, é um mecanismo conservado por meio da evolução. É desencadeado pela presença de RNA fita-dupla (dsRNA, double-stranded RNA) que resulta na redução de expressão e silenciamento de genes. Esse processo também é conhecido por silenciamento gênico a nível pós-transcricional (PTGS, posttranscriptional gene silencing), uma vez que o RNAi gera a quebra do RNA mensageiro (mRNA) específico, resultando na redução e/ou silenciamento da tradução do mesmo.
Se você quiser saber mais sobre o RNAi e os outros tipos de RNA, leia nosso texto “O incrível universo dos RNAs”
O mecanismo de RNAi está presente na maioria das células eucarióticas. Os primeiros estudos que identificaram o RNAi surgiram em 1996 utilizando Petunia sp.; entretanto, os pesquisadores não conseguiram decifrar o mesmo. Foi só em 1998 que Andrew Fire e Craig Mello conseguiram elucidar totalmente o mecanismo e aplicá-lo no silenciamento gênico no nematódeo Caenorhabditis elegans.
Mas o que é RNAi?
O RNAi provém de dsRNA, com aproximadamente 21-30 pares de base (pb), que possuem regiões que são reconhecidas pelas enzimas da maquinaria intracelular de RNAi. Após o processamento, esse dsRNA dará origem a um micro RNA (miRNA) ou a um pequeno RNA de interferência (siRNA, short-interfering RNA), que são as principais classes envolvidas na via de RNAi. Ainda assim, outras classes de RNAs envolvidas no RNAi vêm sendo descobertas, demonstrando a diversidade de vias.
Os miRNA possuem origem no próprio organismo, ocorrendo naturalmente nas células. São processados a partir de um precursor que apresenta um hairpin, ou seja, um pareamento incompleto de dsRNA. Já os siRNA possuem origem exógena, ou seja, não são produzidos no próprio organismo. São derivados de dsRNA longos e totalmente complementares derivados de vírus, transposons e transgenes. Ambos são processados a partir da mesma maquinaria intracelular
Como ocorre o processamento de RNAi?
O processo que gera RNAi tem início quando o dsRNA é reconhecido pela enzima chamada de Dicer (ribonuclease III) e então clivado em sequências com 20-30 nucleotídeos. Em sequência, o complexo de silenciamento induzido por RNA (RISC, RNA-induced silencing complex) é formado através da agregação de várias proteínas especializadas, principalmente uma proteína da família Argonauta, que forma o sítio ativo do complexo. O complexo RISC, então, é responsável pela degradação ou repressão do mRNA para qual o dsRNA é complementar.
A modificação pós-transcricional induzida por RNAi pode ser específica para qualquer gene desejado. Isso porque com os métodos atuais em biologia molecular é possível projetar e construir dsRNA específicos para o gene de interesse. Tendo isto em vista, a tecnologia do RNAi tem um vasto campo de aplicação, desde estudos básicos até medicina e agricultura.
Aplicações do RNAi
Mesmo após duas décadas da descoberta do mecanismo de RNAi, apenas um produto recebeu a aprovação do FDA (U.S. Food and Drug Administration) para ser comercializado. O Onpattro (patisiran), da empresa Alnylam Pharmaceuticals, é um complexo de nanopartículas lipídicas direcionadas ao fígado que contêm siRNA específico para silenciar o gene mutante causador da amiloidose hereditária de transtirretina. Mais informações sobre esse fármaco podem ser encontradas em nossos textos anteriores!
Apesar de apenas esse fármaco ter sido aprovado, muitos grupos têm voltado suas pesquisas para o desenvolvimento de novos fármacos com base em RNAi para o tratamento de diversas doenças. O câncer é uma das doenças para a qual mais se tem desenvolvido pesquisas com a utilização de RNAi e, apesar dos resultados em ensaios pré-clínicos terem sido satisfatórios, ainda não existem ensaios clínicos com resultados concretos. Essa terapia busca por RNAi que silenciem os oncogenes, como é o caso dos genes TGFBR1 e TGFBR2 (receptor 1 e 2 do fator de crescimento transformante beta). Em nossos textos anteriores é possível ler mais sobre câncer e RNAi.
Ainda dentro da medicina, mas com o enfoque em controle de pragas, em 2016, Whitten e colaboradores desenvolveram uma técnica para evitar a infecção pelo Trypanosoma cruzi através das fezes do inseto barbeiro Rhodnius prolixus. Nessa técnica, eles transformaram uma bactéria (Rhodococcus rhodnii), que produz um dsRNA específico para um gene importante na fertilidade do barbeiro. O objetivo da bactéria transformada é colonizar o intestino do barbeiro e, com a liberação do dsRNA, evitar a proliferação do inseto, reduzindo as taxas da doença de Chagas.
No campo da agricultura, a técnica do RNAi também pode ser utilizada, como no caso de milhos transgênicos contendo tecnologia RNAi com atividade inseticida que foram aprovados nos EUA em 2017.
A técnica de RNAi é recente e de grande utilização para as pesquisas em biotecnologia e outras áreas. Isso porque permite desde estudos básicos, como a função de genes específicos, até estudos aplicados, como os exemplos citados acima. Se interessou pela biotecnologia e por esse tema? Continue acompanhando o Profissão Biotec em todas as mídias para não perder nenhuma novidade!