A terapia fotodinâmica é um tratamento não invasivo que vêm sendo estudado para aplicação no tratamento de câncer. Venha entender como é!
Lentes objetivas de um microscópio óptico

Você provavelmente já deve ter ouvido que estamos vivendo a quarta Revolução Industrial. Ela é caracterizada pela reunião de conhecimentos de tecnologias digitais, biológicas e físicas, e também procura produzir novos produtos ou atingir novos conhecimentos em uma escala de tempo cada vez menor.

Uma de suas importantes vertentes é a nanotecnologia, relacionada às inovações nas áreas da informática, medicina, meio ambiente, química, eletrônica e muitas outras. Atualmente, muitos cientistas estão estudando a aplicação deste tipo de tecnologia no tratamento do câncer, área muito explorada pela Biotecnologia, que busca tratamentos mais eficientes ou a redução do seu custo. 

A Terapia Fotodinâmica tem sido uma das grandes apostas de tratamento! Por não ser invasiva e ser usada diretamente no tecido alvo, muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas para sua aplicação. Ao longo deste texto iremos entender porquê ela vem sendo estudada e quais dificuldades devem ser superadas para que essa terapia seja usada para tratar diversos tipos de tumores.

A escala nanométrica

A nanociência faz estudos na escala nanométrica, trabalhando com medidas equivalentes a 0,000000001 metros (de maneira mais visual, pode-se dizer que um nanômetro é cerca de 60.000 vezes menor que a espessura de um fio de cabelo).

Representação de diferentes estruturas na escala de 1Å (angstrom) à 10 µm (micrômetro).
Representação de diferentes estruturas na escala de 1Å (angstrom) à 10 µm (micrômetro).
#pratodosverem: A imagem mostra uma escala de medidas de estruturas que não são visíveis a olho nu, que vão desde angstrom até micrômetros. Da esquerda para a direita, indica, primeiramente, uma molécula de água com 1 angstrom, uma molécula de DNA com 1 nanômetro, uma estrutura de proteína com 5 nanômetros, um anticorpo com 10 nanômetros, um vírus com 20 nanômetros, uma partícula de ouro coloidal com 100 nanômetros, uma bactéria com 1 micrômetro e por último uma célula humana com 100 micrômetros.
Fonte: Apolinário et al, 2020.

Quando olhamos para o organismo humano, encontramos muitas estruturas com tamanhos nanométricos, como é possível ver na imagem acima. Nosso material genético, proteínas, vírus invasores e muitos outros fatores estão dentro desta escala.

Por isso, a nanotecnologia se faz muito importante para avanços na área da saúde e ciências, com a utilização de nanomateriais, por exemplo as nanopartículas. 

Elas são estruturas extremamente pequenas e sintetizadas a partir de materiais biodegradáveis (lipossomas, polímeros, micelas e nanopartículas poliméricas) ou não biodegradáveis (sílica, ouro, carbono, grafeno, fulereno e materiais metálicos), os quais apresentam afinidade com algumas estrutura do organismo humano, por exemplo, as membranas celulares. 

Dessa forma, essas partículas conseguem circular facilmente em capilares sanguíneos e atingir diversas estruturas do nosso corpo, podendo assim serem utilizadas para carregar medicamentos que não são compatíveis com determinadas estruturas do organismo.

Um exemplo é o uso de nanopartículas na área oncológica. Muitas pesquisas atuais procuram fazer o uso delas como carreadoras em Terapias Fotodinâmicas, ou seja, elas têm uma função terapêutica de transportar uma determinada molécula até um local em específico no organismo e fazer sua liberação de forma controlada.

Um pouco confuso? Vamos entender isso melhor!

Como funciona a Terapia Fotodinâmica?

Primeiramente, precisamos entender o porquê de estudarmos novos tratamentos para o câncer. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), cerca de 626.030 pessoas foram diagnosticadas com algum tipo de neoplasia no Brasil em 2020, ou seja, mais de meio milhão de brasileiros acometidos com essa doença que, em muitos casos, ainda não têm um tratamento eficiente.

Para seu tratamento existe cirurgia local, quimioterapia, radioterapia, tratamento hormonal, entre outras técnicas

Embora esses métodos destruam ou impeçam o crescimento de células cancerígenas, eles fazem com que o paciente tenha diversos efeitos colaterais, que podem permanecer durante o resto de sua vida. Em muitos casos, pode haver danos nos tecidos saudáveis próximos ao tumor, sendo um dos principais motivos que levam pesquisadores a buscarem terapias não invasivas. A terapia fotodinâmica é uma delas.

Esse método terapêutico depende de três fatores: um fotossensibilizador (FS), luz e oxigênio. O fotossensibilizador é uma molécula com propriedades físico-químicas específicas, com capacidade de interagir com luz. Como primeira etapa do tratamento, o paciente recebe uma determinada quantidade dessas moléculas por via intravenosa ou tópica (na forma de creme, onde o medicamento é aplicado na pele para tratamento de lesões malignas superficiais).

Então, através da corrente sanguínea, o fotossensibilizador  segue até o local do tumor, onde fica concentrado e recebe irradiação de luz (laser com comprimento de onda específico para a partícula), ativando-o, o que leva a geração de espécies reativas de oxigênio (EROs). Estas moléculas promovem, então, a morte celular por apoptose (alterações celulares fisiológicas), necrose (lesão grave não fisiológica) ou autofagia (ação de lisossomos, em que a célula degrada suas organelas).

3FS+3O21O2 
Fotossensibilizador ativado por luz no estado triplete (3FS) reage com oxigênio no estado triplete (3O2), por transferência direta de energia, formando oxigênio no estado singlete (1O2).
Exemplo de equação de fotossensibilizador para formar espécie reativa de oxigênio. Fonte: Thiago Santos, 2020.(Adaptado)

Esquema das etapas da terapia fotodinâmica
Esquema das etapas da terapia fotodinâmica: Na primeira etapa há administração intravenosa do fotossensibilizador. Em seguida ele é distribuído e se acumula no local do tumor. Há então a irradiação de um comprimento de luz adequado ao fotossensibilizador, que provoca a formação de oxigênio reativo. Por fim, tem-se a morte celular (por apoptose, necrose ou autofagia) e então a destruição do tumor.
  (FS – fotossensibilizador, ERO – espécie reativa de oxigênio, PDT – Photodynamic Therapy (Terapia fotodinâmica)).
Fonte: Thiago Santos, 2020.

A terapia fotodinâmica pode ser utilizada também para outras doenças, dermatológicas ou infecciosas. Entre suas vantagens, encontra-se o fato de não ser um tratamento invasivo, ser altamente localizado (a irradiação para a ativação do fotossensibilizador pode ser feita diretamente no local alvo), ambiente favorável para regeneração de tecido saudável e custo-benefício.

Na década de 1970, o primeiro fotossensibilizador foi aprovado para uso clínico, o Photofrin®. Mesmo tendo propriedades favoráveis para seu uso, como baixa toxicidade no escuro e hidrossolubilidade, esta e outras moléculas desenvolvidas apresentam vários entraves que impedem seu uso para um tratamento eficiente, os quais geram dificuldades na terapia fotodinâmica.

O procedimento terapêutico é usado apenas em casos de lesões superficiais e planas. Isso acontece, pois as propriedades dos fotossensibilizantes conhecidas atualmente não são suficientes para o tratamento de tumores sólidos, profundos e volumosos. 

Essas propriedades são a agregação, a baixa absortividade da região do vermelho (faixa de luz com efeito terapêutico) e a instabilidade na sua distribuição em meio hidrossolúveis, fatores que dificultam a penetração do fotossensibilizador no local do tumor. É aí que as nanopartículas entram na história!

Por que usar nanopartículas como carreadoras?

Como já vimos, as nanopartículas são usadas na terapia fotodinâmica com o papel de entregar o fotossensibilizador a um tecido alvo. Mas por que usar nanomateriais?

Como já foi falado anteriormente, as nanopartículas podem ser biodegradáveis ou não biodegradáveis. Em ambos os casos, é importante se atentar ao tamanho da molécula, o que interfere na concentração em capilares sanguíneos, permeabilidade e na sua eliminação do organismo. O tamanho ideal é aproximadamente 150 nm, permitindo a penetração profunda no tumor e sua retenção. 

Saber a carga superficial dessas partículas também é importante, pois essa propriedade também determina a permeabilidade ao local do tumor. Por exemplo, há fotossensibilizadores apolares que não conseguem atravessar a bicamada fosfolipídica das membranas celulares, por serem repelidos por sua porção polar (lembre-se que o fosfolipídio apresenta cabeça polar e cauda apolar). Assim, micelas poliméricas são bons nanocarreadores para esse tipo de fotossensibilizador, por apresentarem propriedade anfifílica (sua estrutura química apresenta uma parte polar e uma parte apolar), que permite transportar essa molécula de interesse do meio extracelular para o intracelular.

Representação esquemática das regiões hidrofílicas (polar) e hidrofóbicas (apolar) de um fosfolipídio
Representação esquemática das regiões hidrofílicas (polar) e hidrofóbicas (apolar) de um fosfolipídio e como eles se organizam em micelas poliméricas, englobando moléculas de fármaco
#paratodosverem: No lado direito da imagem há um círculo vermelho, que representa a cabeça polar do fosfolipídio. Ligado a ele pelo lado esquerdo, há uma ondulação que representa a cauda do fosfolipídio. Do lado esquerdo da imagem, há um conjunto de círculos azuis na porção central, que representam as moléculas de fármaco, circundados por várias moléculas de fosfolipídios, que estão com a cauda voltada para a região interna da estrutura e a cabeça da partícula para região externa representando micelas poliméricas carreadoras, que transportam determinado fármaco.
Fonte: Rodriguez et al, 2011.

É possível fazer modificações nas nanopartículas de forma que elas tenham um direcionamento específico, compatibilidade e solubilidade. Pode-se adicionar estruturas ligantes alteradas, como fragmentos de anticorpos, os quais permitem um melhor reconhecimento de receptores da superfície de células tumorais. Tudo é pensado para que o objetivo final seja o acúmulo de fotossensibilizadores em regiões mais profundas dos tumores.

Ainda é necessário um maior aprofundamento nas pesquisas de fotossensibilizadores e nanocarreadores para alcançar uma alta eficiência na terapia fotodinâmica. Cada tipo de câncer tem sua peculiaridade, então é necessário entender quais moléculas têm propriedades melhores para seu tratamento. Quando houver uma solução para os seus principais entraves, será possível oferecer um tratamento não invasivo de qualidade para pessoas acometidas com essa doença, dando a elas uma nova esperança.

Texto revisado por Jennifer Medrades e Ísis Biembengut

Cite este artigo: SANTOS, D. M. O uso de nanopartículas em terapia fotodinâmica: um possível tratamento para o câncer.  Revista Blog do Profissão Biotec, v. 8, 2021. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/uso-nanoparticulas-terapia-fotodinamica-tratamento-cancer/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

REFERÊNCIAS:
APOLINÁRIO, A. et al. Abrindo a caixa de pandora dos nanomedicamentos: há realmente muito mais ‘espaço lá embaixo’. Química Nova, São Paulo, Vol. 43, p. 212-215, 2020. Disponível em: <http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/v43n2a12.pdf> Acesso em: 11 de jul. de 2021.
Estatísticas de câncer. Instituto Nacional de Câncer, 04 de mar. de 2021. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer>. Acesso em: 11 de jul. de 2021.
MAMANI, J. Estrutura e Propriedades de Nanopartículas Preparadas via Sol-Gel. Tese (Doutorado em Física) – Instituto de Física, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 1. 2009. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/43/43134/tde-24082009-090624/publico/JavierBustamanteMamani.pdf> Acesso em: 11 de jul. de 2021.
PERASSO, V. O que é a 4ª revolução industrial – e como ela deve afetar nossas vidas. Nome do site. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-37658309> Acesso em: 11 de jul. de 2021.
SANTOS, T. Terapia fotodinâmica: uma revisão dos conceitos gerais e dos avanços de novos sistemas carreadores desenvolvidos com base na nanotecnologia. Trabalho de Conclusão de Curso – Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, p. 5-52. 2020. Disponível em:<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/30674/2/TerapiaFotodin%c3%a2micaRevis%c3%a3o.pdf> Acesso em 11 de jul. de 2021.
TADA, D. Desenvolvimento de Nanopartículas Fotossensibilizadoras. Tese (Doutorado em Bioquímica) – Instituto de Química, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 1-11. 2007. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/46/46131/tde-31012008-080004/publico/TeseDayaneTada.pdf> Acesso em 11 de jul. de 2021.

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