Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a emissão de CO2 aumentou 65,3% desde 1990. Há uma relação direta entre o uso de energia e a emissão de gases do efeito estufa devido ao consumo de combustíveis fósseis.
A sociedade moderna é cada vez mais dependente de energia elétrica e seu consumo irá aumentar nos próximos anos. O acúmulo de gases do efeito estufa é um problema para a vida no planeta, seja pela acidificação dos oceanos, pelas mudanças climáticas ou mesmo pela qualidade do ar que respiramos.
Desde 2010, a geração de energia elétrica baseada em recursos renováveis cresceu cerca de 6,5% ao ano. A geração de energia renovável foi maior em 2019 do que a produção energética de qualquer outra fonte como carvão ou gás natural. Para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) até 2030, é preciso que a produção de energia renovável continue aumentando em torno de 7% ao ano.
A troca de nossa matriz energética é urgente! Nesse texto veremos como a biotecnologia pode contribuir para a produção de uma energia limpa e renovável.
O que é o ODS 7?
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 visa assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.
O ODS 7 estabelece metas para realizar a transição da matriz energética de fontes não renováveis poluentes para fontes de energia limpa e renovável. Assim como modernizar a infraestrutura de geração, transmissão e distribuição de energia, para que todas as pessoas possam usufruir de uma energia sustentável.
Quais as metas do ODS 7 ?
O ODS 7 possui 5 metas a serem atingidas até 2030. As metas que podem ser diretamente beneficiadas pela biotecnologia são:
- Aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global;
- Expandir a infraestrutura e modernizar a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos (…);
O que são combustíveis fósseis?
Desde a primeira revolução industrial, o consumo de combustíveis fósseis aumentou significativamente. Primeiro com a queima de carvão, depois com a do petróleo e do gás natural. A decomposição de matéria orgânica (seres vegetais e animais) em condições específicas de temperatura e pressão ao longo de milhares de anos é o processo que permite a formação desses combustíveis. Como não temos capacidade de produzir novas reservas de carvão e petróleo, esse tipo de fonte energética é chamada de fonte não renovável.
O aumento significativo do consumo desses combustíveis após a revolução industrial não é o início do problema. Em 1280, a população de Londres solicitou ao parlamento a proibição do uso de carvão por ser um “incômodo insuportável” devido à fumaça. O Rei Eduardo I atendeu ao pedido e proclamou a proibição de carvão em Londres – uma medida ineficaz já que o preço do carvão era mais atrativo que outros combustíveis.
Atualmente temos uma situação semelhante com o petróleo, o debate em torno do seu uso já ocorre há décadas, ampliado significativamente devido aos efeitos do aquecimento global e também da poluição do ar nas cidades. Esse artigo conta que permanecer uma hora no trânsito de São Paulo é equivalente a fumar 5 cigarros. Mesmo sendo muito poluente, o petróleo ainda é barato.
O que são energias renováveis?
Contrapondo as fontes não renováveis estão as fontes renováveis, como as usinas hidrelétricas, solares, eólicas e as biotecnológicas. São chamadas de renováveis devido a reposição feita pela própria natureza.
No Brasil, apenas 17% da energia elétrica produzida é de origem fóssil, enquanto 83% da energia produzida é de origem renovável – 65% produzida nas hidrelétricas (IPEA, 2019). A média da produção de energia renovável mundial é de 22%, o que garante uma posição de destaque ao Brasil
No entanto, há um debate sobre o uso de usinas hidrelétricas no país. Embora gere energia renovável, causam sérios impactos ambientais e sociais – principalmente aos povos indígenas -, devido a perda da biodiversidade e o alagamento de aldeias na região. Além disso, a crise hídrica em 2021 demonstra a importância de diversificar a produção energética. Com a escassez de água, a participação das usinas termelétricas aumenta para suprir a demanda do país, elevando custos e a emissão de poluentes.
No Brasil, em 2018, a produção de bioenergia (derivada de cana-de-açúcar, madeira, etc) foi de 9%, espera-se um aumento de participação para 18% até 2030.. A seguir, mostramos algumas alternativas biotecnológicas que podem contribuir para geração de energia limpa.
4 alternativas biotecnológicas para a produção de energia limpa e acessível
1 – Bactérias produzindo eletricidade
Um grupo de bactérias chamadas de exoeletrogênicas são capazes de liberar elétrons quando consomem matéria orgânica. Quando aplicadas na fermentação de efluentes domésticos e industriais produzem energia elétrica e tratam esses resíduos poluentes. Para isso, são utilizadas células de combustível microbiano, nas quais ocorre a fermentação da matéria orgânica e transferência dos elétrons para um circuito externo através de um eletrodo.
Essa tecnologia ainda está em etapas iniciais de desenvolvimento, mas espera-se que se torne viável nos próximos anos, proporcionando mais uma fonte energética alternativa. Você pode encontrar mais sobre isso aqui ou aqui.
2 – Biocombustíveis
Os biocombustíveis são produzidos a partir de produtos de origem vegetal, resíduos florestais/agroindustriais ou a partir de algas. Dependendo do tipo de matéria-prima utilizada podem ser gerados diferentes biocombustíveis como: a biomassa, o bioetanol, o biodiesel e o biogás.
A cana-de açúcar é uma matéria-prima bastante utilizada no Brasil para a produção de biocombustíveis através da fermentação controlada, dando origem ao bioetanol. O bagaço da cana-de-açúcar é utilizado para a produção de biomassa, que pode ser queimada em usinas termelétricas. Apesar da queima, a biomassa é considerada uma energia limpa já que os gases gerados serão fixados pelo próximo cultivo no processo natural de fotossíntese. Os biocombustíveis também podem ser produzidos pela fermentação de outras matérias-primas como o milho, beterraba, batata-doce, entre outros.
Se você quiser descobrir mais sobre biocombustíveis, temos um texto dedicado exclusivamente ao tema.
3 – Bactérias produzindo biodiesel por meio de biologia sintética
O diesel é uma mistura de hidrocarbonetos de tamanhos e complexidades diferentes, derivado do fracionamento do petróleo. Uma parceria da Shell com a Universidade de Exeter (Inglaterra) gerou uma alternativa interessante para a produção de diesel. Utilizando biologia sintética e técnicas de biologia molecular, os pesquisadores introduziram genes de diferentes organismos capazes de codificar enzimas específicas e construir uma nova rota metabólica na bactéria Escherichia coli para produzir biodiesel.
A biologia sintética pode ser uma alternativa viável nesse processo, mas os custos e o escalonamento ainda são entraves.
Nós temos uma série sobre engenharia metabólica aqui no Profissão Biotec onde você encontra diferentes aplicações da biologia sintética.
4 – Células solares microbianas
A energia solar vem ganhando espaço significativo dentre as fontes de energias renováveis e já é utilizada na produção de energia por meio de dispositivos como os painéis solares fotovoltaicos utilizados, por exemplo, nos veículos espaciais.
Os painéis solares convencionais utilizam propriedades físico-químicas dos materiais para realizar a conversão de energia solar em elétrica. Já as células solares microbianas utilizam plantas superiores, ou micro-organismos fotoautotróficos como algas para gerar biomassa. Em uma segunda etapa, a biomassa produzida é utilizada como matéria orgânica em células de combustível microbiano gerando eletricidade
Energia sustentável de mãos dadas com a biotecnologia
Através da biotecnologia é possível produzir alimentos, antibióticos, proteínas terapêuticas, energia… A lista é grande! Para uma melhor qualidade de vida e preservação do nosso planeta, a mudança de matriz energética é urgente! Mas para isso, ainda precisamos reduzir os custos dessas tecnologias para torná-las acessíveis e otimizar os processos a fim de gerar energia suficiente para todas as pessoas. Para atingir as metas de 2030 serão necessários conhecimentos e estratégias cada vez mais avançadas em biotecnologia.
Cite este artigo:
SILVA, M. C. ODS 7: energia limpa e acessível com a ajuda da biotecnologia. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/energia-limpa-acessivel-com-a-biotecnologia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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