Metabólitos Secundários: as moléculas que impulsionam a indústria farmacêutica

Metabólitos secundários são uma incrível variedade de moléculas, com muitas funções biológicas e ainda um alto potencial farmacológico.

A natureza fornece uma enorme variedade de moléculas, mais complexas do que a maioria das substâncias obtidas de forma sintética. Algumas dessas moléculas, chamadas de metabólitos secundários, podem não somente possuir funções biológicas muito sofisticadas, que conferem grandes vantagens aos seus produtores, mas também são exploradas na produção de medicamentos com alto valor agregado para a indústria farmacêutica. 

O que são metabólitos secundários?

Os organismos vivos são movidos por uma soma de reações bioquímicas que fornecem as substâncias necessárias para manutenção da vida. Esse conjunto de reações é chamado de metabolismo. As moléculas chaves para esses eventos são os metabólitos primários, que são o substrato dessas transformações e formam o esqueleto celular. 

Observando sob essa perspectiva, os organismos que habitam a terra são mais parecidos do que se pode imaginar. Desde o mais simples dos fungos até nós mamíferos, compartilhamos as mesmas moléculas do metabolismo primário e realizamos processos semelhantes no interior de cada uma de nossas células. 

Contudo, em 1891 o bioquímico alemão Albrecht Kossel descreveu um grupo de moléculas diferentes das já observadas anteriormente e o chamou de metabólitos secundários. Eles também são moléculas produzidas em processos celulares, porém não são essenciais para o crescimento vegetativo de seu produtor, logo, sua ausência não restringe imediatamente a vida de um organismo.

Essas moléculas do metabolismo secundário podem ter importantes funções como atividade antibiótica e antiparasitária, mediar relações simbióticas entre organismos e até mesmo ter funções reprodutivas, representando uma grande vantagem ecológica para a sobrevivência desses organismos. Além disso, essas moléculas apresentam uma diversidade surpreendente e podem ser classificadas de acordo com sua composição química dentro do vasto grupo de metabólitos secundários.

Classificação geral dos metabólitos secundários geralmente encontrados em organismos vegetais. São divididos em seis grupos: Compostos nitrogenados, compostos fenólicos, glicosídeos, taninos, terpenos e flavonóides. Fonte: Annals of Phytomedicine. Imagem: Autora

Devido a essa ampla variedade de formas químicas e funções biológicas, a utilização dessas substâncias como princípios ativos de medicamentos é de extrema relevância, estando presentes em fármacos que atuam no combate a doenças que ainda desafiam a sociedade, como o câncer e as patologias cardiovasculares

Confira a seguir, exemplos dessas moléculas que já possuem seu uso consolidado no mercado e as perspectivas para utilização de novos metabólitos secundários nesse setor. 

Artemisinina: Um marco na luta contra a malária

Nos anos 4 d.C. médicos chineses já conheciam propriedades medicinais da planta Artemisia annua, conhecida como artemísia, e utilizavam seu chá para o tratamento de várias doenças. Contudo, somente nos anos 1970, com o trabalho da farmacologista e educadora chinesa Tu Youyou, o princípio ativo desse tratamento foi isolado e ficou mundialmente conhecido como artemisinina. A pesquisadora foi laureada com o prêmio Nobel de Medicina em 2015 por sua descoberta, que representou um grande avanço para a medicina tropical no combate à malária, salvando milhões de vidas, principalmente na Ásia e na África.  

Tu Youyou, pesquisadora vencedora do prêmio Nobel de Medicina em 2015
Tu Youyou, pesquisadora vencedora do prêmio Nobel de Medicina em 2015. Fonte: Wikimedia Commons

A artemisinina é um terpeno, que atua com alta eficiência contra os protozoários do gênero Plasmodium, que causam a malária. 

O mecanismo de ação da artemisinina ainda não foi totalmente desvendado, mas sabe-se que essa molécula tem como alvo o ferro insolúvel encontrado nos protozoários em uma forma chamada de hemozoína

A hemozoína é formada à medida que os parasitas se alimentam da hemoglobina no citoplasma dos glóbulos vermelhos humanos. A artemisinina contém um grupo peróxido que reage com a hemozoína, e suspeita-se que esta reação resulta na produção de radicais livres que atacam proteínas dos protozoários, levando-os à morte.

Molécula de artemisinina
Molécula de artemisinina, um metabólito secundário vegetal usado como antimalárico para o tratamento de cepas multirresistentes da malária falciparum. É uma lactona sesquiterpênica e um peróxido orgânico. Fonte: Wikimedia Commons

Vincristina e Paclitaxel no tratamento de câncer

O câncer ainda é uma doença que desafia a indústria farmacêutica e a pesquisa biomédica devido a sua complexidade. A doença é a segunda maior causa de morte no Brasil, levando a mais de 200 mil óbitos somente no ano de 2015, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Sob essa perspectiva, o desenvolvimento de medicamentos para tratamento ou até mesmo cura dos pacientes acometidos com a doença é muito visado pela indústria farmacêutica. Muitos desses medicamentos têm origem no interior do metabolismo de organismos vivos. 

Um desses medicamentos, que já possui uso consolidado no tratamento de câncer, é o Oncovin, que possui como substância ativa a vincristina, um alcalóide isolado das folhas da planta Catharanthus roseus. Ela atua como um agente anti-proliferador de células tumorais, uma vez que são capazes de impedir a polimerização do fuso mitótico, diminuindo a probabilidade do câncer se espalhar pelo organismo. 

A vincristina é utilizada em terapias combinadas para leucemias infantis e linfomas. Infelizmente, a neurotoxicidade é um dos principais efeitos colaterais dessa droga, gerando sintomas como perda de sensibilidade, dificuldade para andar e perda dos reflexos.

Outro exemplo do uso de metabólitos secundários vegetais no tratamento contra o câncer é o paclitaxel. A molécula é um triterpeno obtido a partir de Taxus brevifolia, uma árvore do Pacífico. O paclitaxel possui resultados positivos contra uma variedade de tumores, como o de mama e de ovário. Essa molécula possui um mecanismo citotóxico, se ligando com a tubulina e desestabilizando os microtúbulos, o que impede a mitose e bloqueia o ciclo celular

A molécula paclitaxel foi inicialmente produzida por uma empresa americana na década de 90, e atualmente é vendida em mais de 60 países. O sucesso em seu uso levou ao desenvolvimento de inúmeros derivados, os quais, tendo atividade anticâncer e também imunológica, têm sido utilizados clinicamente principalmente em pacientes transplantados ou com doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.

Medicamentos de origem fúngica 

A descoberta da penicilina pelo médico Alexander Fleming em 1928, a partir de fungos do gênero Penicillium, foi um marco na história da medicina. O feito permitiu o desenvolvimento de uma classe ampla de medicamentos, conhecidos hoje como antibióticos, e ainda abriu uma gama de oportunidades para a aplicação de substâncias produzidas por esses pequenos organismos na indústria farmacêutica.

Os fungos são grandes produtores de metabólitos secundários, capazes de gerar substâncias de diversas classes e com muitas propriedades medicinais já descritas, como atividade imunossupressora, antitumorais, antifúngicas e antivirais

Microrganismos, de forma geral, possuem excelentes vantagens para utilização na indústria, uma vez que são fontes facilmente renováveis e reprodutíveis quando comparados a outras fontes naturais como plantas e animais. Considerando que esses organismos ainda são pouco explorados na pesquisa médica, quando comparados às plantas, eles surgem como uma fonte para o desenvolvimento  de novos produtos de importância farmacêutica.   

Um exemplo de medicamento de origem fúngica, que já possui seu uso consolidado, é a ciclosporina, um peptídeo derivado do fungo Tolypocladium inflatum, habitante do solo. 

Essa molécula funciona como uma droga imunossupressora, a qual suprime as reações imunológicas a órgãos transplantados, reduzindo a probabilidade de rejeição. O medicamento se tornou disponível em 1979, possibilitando a realização de transplantes de órgãos com sucesso, ainda com a vantagem de não apresentar os efeitos colaterais indesejáveis de outras drogas usadas para esse fim.

Molécula da ciclosporina
Molécula da ciclosporina, um polipeptídeo imunossupressor natural cíclico. Fonte: Wikimedia Commons

Biotecnologia marinha: Uma farmácia submersa

Não é comum que as pessoas façam uma associação imediata entre a vida marinha e a saúde humana. Entretanto, a área da biotecnologia marinha apresenta um diverso campo de aplicação. Já existem medicamentos em uso comercial com princípios ativos de origem marinha, com uma vasta faixa de aplicações como anticâncer, antiviral, analgésico e antilipêmico. 

Os primeiros metabólitos marinhos com atividade farmacológica foram investigados ainda na década de 50, onde foram isolados dois nucleosídeos, a espongouridina e espongotimidina, da esponja Tectitethya crypta. Essas moléculas serviram como base para a formulação de dois medicamentos, o Ara-A (vidarabina) e o Ara-C (citarabina) que são atualmente utilizados no tratamento da infecção pelo vírus herpes e leucemia mieloide aguda, respectivamente. 

A citarabina foi o primeiro antitumoral a ser aprovado para uso comercial, em 1969, pela agência reguladora americana FDA (Food and Drug Administration), ainda sendo usado no tratamento quimioterápico de pacientes com câncer. No Brasil, o medicamento foi aprovado para uso terapêutico pela Anvisa em 1999.

Corais
A biotecnologia marinha possui grande potencial para a medicina e ainda hoje se encontra em foco nas pesquisas brasileiras visando a bioprospecção de organismos marinhos produtores de moléculas com atividade farmacológica. #PraTodosVerem: A imagem mostra um coral marinho com uma variedade de formas e cores, representando a alta diversidade de organismos encontrados nesse ambiente. Fonte: Freepik

Esses exemplos deixam claro que a gama de metabólitos secundários de diversos organismos existentes na natureza já contribuíram muito com a indústria farmacêutica. Porém, ainda existem muitos caminhos metabólicos passíveis de investigação com potencial para descobrimento de novas moléculas que possam auxiliar no tratamento de doenças ainda desafiadoras na área da medicina. 

Perfil Larissa Xavier do Nascimento
Texto revisado por Jennifer Medrades e Natália Videira

Cite este artigo:
NASCIMENTO, L. X. Metabólitos Secundários: as moléculas que impulsionam a indústria farmacêutica. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/metabolitos-secundarios-moleculas-que-impulsionam-a-industria-farmaceutica/>. Acesso em dd/mm/aaaa.

Referências:

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