Aposto que durante seus anos de estudo ou até mesmo no seu dia a dia você já ouviu falar sobre a ovelha Dolly. Esse animal ficou tão famoso porque há 25 anos seu nascimento provou algo inédito para a ciência. Você sabe por que esse nascimento foi tão importante? Não? Então acompanhe o texto para entender melhor.
Sua história
Primeiramente, precisamos saber mais sobre quem estava por trás do nascimento da Dolly. The Institute Roslin é um instituto de pesquisa que faz parte da Universidade de Edimburgo e é localizado em Easter Bush, na Escócia, onde os estudos sobre clonagem foram desenvolvidos. O instituto é líder mundial na área de pesquisa de ciência animal e é financiado pelo Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas.
Sir Ian Wilmut é um embriologista que participou de um projeto que fazia ovelhas geneticamente modificadas para que estas produzissem leite rico em proteínas, estruturas biológicas que poderiam ser utilizadas no tratamento de doenças humanas. Com o avanço desse estudo, o pesquisador viu a necessidade de desenvolver um método novo e mais eficiente para realizar a clonagem de ovelhas. Mais tarde, ele passou a liderar uma equipe do Instituto Roslin, que conseguiu desenvolver a técnica de clonagem por transferência nuclear (SCNT, do inglês somatic cell nuclear transfer).
Foi assim que 25 anos atrás, em 05 de julho de 1996, nasceu a ovelha Dolly. Também nomeada como ovelha 6LLS, ela recebeu o nome “Dolly”em homenagem à cantora country Dolly Parton. No ano seguinte, em fevereiro de 1997, o nascimento do animal foi anunciado pela revista Nature, junto do artigo científico que explicava os procedimentos utilizados para que ela fosse feita.
Houve grande agitação por parte do público, pois Dolly foi o primeiro mamífero clonado a partir de células adultas. Ocorreram diversos debates éticos acerca dos benefícios e malefícios da clonagem, principalmente em relação à possibilidade de ser realizada em seres humanos. Por exemplo, no Brasil, foi registrado o Projeto de Lei nº 2838 de 1997 que proibia pesquisas relacionadas à clonagem humana, por conta da preocupação da comunidade científica e política com respeito às consequências que poderiam ser geradas por esses estudos.
Infelizmente, Dolly acabou sendo infectada pelo Retrovírus Jaagsiekte de Ovinos (do inglês Jaagsiekte sheep retrovirus – JSRV), em um surto que aconteceu entre as ovelhas do Instituto Roslin. Como tumores estavam crescendo em seu pulmão, os responsáveis decidiram sacrificar Dolly para que não sofresse mais, e ela foi colocada para dormir para que morresse sem dor em 2003, aos seis anos de idade.
Hoje é possível observar o corpo da Dolly, que é uma grande atração para os visitantes no Museu Nacional da Escócia, em Edimburgo.
Como funciona o processo de clonagem que deu origem à Dolly?
Bom, agora que você conheceu a história da Dolly, vamos ver como foi o experimento que permitiu seu nascimento.
Primeiramente, precisamos saber como a clonagem a partir de células embrionárias se diferencia da clonagem que utiliza células somáticas. A primeira destas técnicas foi realizada em carneiros em 1986, pelo dinamarquês Steen Willadsen. O pesquisador fundiu o núcleo de uma célula embrionária (que estava no estágio de oito células) a um óvulo anucleado. Assim, não se sabia quais características o animal clonado iria assumir.
Já a clonagem com células somáticas utiliza o núcleo celular de um animal adulto já conhecido, sendo o clone a sua cópia exata! Dessa forma, é possível selecionar quais características serão “copiadas”. Vamos, a seguir, entender como funciona essa técnica por meio das etapas realizadas para a Dolly.
Em uma primeira fase, foram isoladas uma célula da glândula mamária da ovelha Finn Dorset e um óvulo não fecundado da ovelha Blackface escocesa, cujo núcleo foi removido.
Por meio do processo de eletrofusão, ambas as células foram submetidas a estímulos elétricos, que abriram os poros das membranas celulares e levaram à fusão celular. Assim, formou-se uma nova célula composta pelo citoplasma da ovelha Blackface escocesa e pelo núcleo da Finn Dorset.
Após essa nova célula se multiplicar e chegar à fase embrionária de blastocisto, o embrião foi implantado no útero de uma outra ovelha da raça Blackface escocesa, que serviu como “barriga de aluguel”. No final da gestação, nasceu um clone da ovelha Finn Dorset, a famosa Dolly!
Como é possível observar na imagem, Dolly nasceu idêntica à ovelha Finn Dorset. Isso aconteceu pois ela foi gerada a partir do núcleo da célula da glândula mamária dessa ovelha. Ou seja, como o material genético é o que define as características de um organismo e ele é encontrado no núcleo, o resultado da clonagem é uma cópia idêntica ao animal que teve seu núcleo transplantado.
E quais são os reflexos desse experimento atualmente?
Embora tenha acontecido há 25 anos, você sabia que o processo de clonagem de células somáticas ainda influencia muitas pesquisas ao redor do mundo? Vamos ver alguns exemplos. A descoberta de células pluripotentes induzidas (iPS, do inglês induced pluripotent stem) foi fruto do experimento da Dolly. Neste procedimento, células adultas passam por reprogramação genética em laboratório e se tornam pluripotentes, podendo se diferenciar em diversos tipos celulares, assim como em células embrionárias.
Essa técnica vem sendo utilizada para estudar novos tratamentos para doenças. Por exemplo, temos a medicina regenerativa, método em que se substitui células danificadas ou doentes, conseguindo até mesmo regenerá-las, por meio do uso de células-tronco.
Após a morte de Dolly, Sir Ian Wilmut fundou o Centro de Medicina Regenerativa, em 2008, onde até hoje cientistas usam o procedimento de clonagem somática para descobrirem mais sobre células-tronco e como empregá-las da melhor forma nesta área da saúde.
Além disso, a SCNT também é uma tecnologia empregada na pecuária, e permite multiplicar o número de animais com material genético de alto valor a partir de um animal adulto selecionado. Assim, é possível ter uma melhora na produção de carnes, pois são criados vários clones a partir de um animal adulto ideal.
Em 2008, a Food and Drug Administration (FDA) permitiu o consumo de carne de animais clonados nos Estados Unidos. No Brasil, a equipe de reprodução animal da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia trabalha com essa técnica, produzindo, em 2001, o primeiro bovino clonado na América Latina. Dessa forma, conseguimos perceber por meio de alguns exemplos que o processo de clonagem da ovelha Dolly não é apenas algo que vemos no colégio, quando estudamos Biologia. Avanços das pesquisas na área da saúde e pecuária continuam buscando o aperfeiçoamento dessa técnica, e ainda há muito mais a se descobrir.
Cite este artigo:
SANTOS, D. M. Ovelha Dolly: há 25 anos seu nascimento revolucionava a ciência. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível:<https://profissaobiotec.com.br/ovelha-dolly-ha-25-anos-nascimento-revolucionava-ciencia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
REFERÊNCIAS
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Fonte da imagem destacada: Wikimedia.