O mercado de beleza sempre foi gigantesco no Brasil, sendo o país o quarto maior consumidor de produtos de beleza e higiene pessoal do mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). Esse mercado movimenta, em média, 23.738 bilhões de dólares (em 2020), atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão. Na América Latina, o Brasil representa metade do setor e, de acordo com a Goldstein Research, em 2030 a taxa composta anual de crescimento será de aproximadamente 4,76%.
O mercado da beleza cresce não somente em número de consumidores, mas também em desenvolvimento tecnológico. Os novos produtos estão cada vez mais alinhados aos avanços científicos em cosmetologia, bem como ao novo perfil de consumidores que têm emergido nos últimos anos – mais conscientes da composição dos produtos, bem como de seu impacto ambiental.
Consciência em consumo de cosméticos
Em poucos cliques o consumidor tem acesso a informações como a formulação do produto, efeito e ação de cada composto, para que é indicado, se pode ser comedogênico (produtos que podem causar obstrução dos poros), entre outras. Desse modo, cada vez mais os consumidores se tornam mais conscientes e exigentes, priorizando produtos verdadeiramente eficazes e sem aditivos prejudiciais.
Também é inegável o destaque da mídia na temática “skincare”, ou de cuidados com a pele. Segundo a ABIHPEC, houve aumento de 22% nas vendas nesse setor, com destaque para máscaras faciais e esfoliantes corporais, que tiveram aumento nas vendas de 91% e 153%, respectivamente, em comparação com 2019.
A “Clean Beauty”, ou “beleza limpa”, propõe a utilização de produtos que não contenham princípios ativos que possam causar malefícios ao consumidor. Nos malefícios estão englobados desde alterações hormonais, irritações cutâneas, desequilíbrios orgânicos ou até desencadeamento de doenças. Produtos como parabenos, ftalatos, conservantes, sulfatos e fragrâncias sintéticas não são indicados.
É importante frisar que o conceito de “Clean Beauty” não está atrelado à utilização de compostos unicamente naturais e sim a produtos cujo consumo seja considerado seguro baseado em avaliações criteriosas de estudo científicos.
Mas não somente na preocupação do impacto ao consumidor que o conceito de “beleza limpa” se pauta. Outro pilar é a responsabilidade ecológica da produção e consumo de cosméticos com menor impacto ambiental.
Tendo em vista que o setor de beleza utiliza mais de 10 mil Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), que são substâncias muito resistentes à degradação, permanecendo no ambiente ou se acumulando no organismo humano, gerando impactos negativos na saúde humana e no meio ambiente. Dessa forma, é vital entender a integração do conceito de beleza limpa e responsabilidade ambiental, e o consumidor brasileiro tem demonstrado crescente interesse nessa temática. Segundo uma pesquisa da GfK, mais da metade dos brasileiros considera o impacto ambiental dos cosméticos na escolha de um produto, sendo o maior percentual entre os países analisados.
Uso de ácidos de origem biotecnológica na cosmetologia
A produção de compostos de interesse por fermentação é bem conhecida, afinal todos os dias estamos em contato com o vinagre, o etanol, queijos e outros. O que muitos podem desconhecer é o potencial dos microrganismos de produzir compostos de interesse no setor de cosméticos, sobretudo ácidos orgânicos.
Esses processos fermentativos utilizam espécies que são capazes de metabolizar, de forma aeróbia ou anaeróbia, diferentes substratos e acumular ácidos orgânicos como metabólitos. Aqui no Profissão Biotec esse tema já foi abordado no texto: Biotecnologia na produção de ácidos orgânicos, leia e saiba mais!
Cabe destacar que a produção industrial de ácidos orgânicos pela via microbiológica data de séculos atrás, entretanto essa rota foi deixada em segundo plano. Até pouco tempo atrás, a maior parte da produção de ácidos de uso industrial era feita por meio da conversão de petróleo devido ao maior rendimento econômico. Com a alta do petróleo nos últimos anos e as novas preocupações acerca do uso dos seus derivados, há o crescente interesse no uso da biotecnologia para a produção de ácidos orgânicos de interesse comercial, em diversos setores como alimentício, farmacêutico e de produção de cosméticos.
Diversos ácidos são utilizados na indústria de cosméticos como, por exemplo, os ácidos glicólico, retinóico, lático e mandélico. Vale ressaltar que o uso de ácidos orgânicos não deve ser realizado sem orientação especializada.
O potencial clareador é um dos principais objetivos na busca do uso de ácidos no skin care, e para essa finalidade, o ácido kójico é amplamente utilizado (em concentrações de 1,0 a 5,0%). Esse ácido apresenta ação despigmentante porque inibe a atividade da enzima tirosinase por meio da quelação do cobre presente na pele humana, o que diminui a formação de melanina. A produção desse ácido é geralmente feita por fermentação de arroz pelo fungo Aspergillus oryzae.
Outro ácido de interesse é o hialurônico, que é produzido naturalmente pelo organismo de mamíferos e, basicamente, exerce a função de preencher os espaços entre as células. Dessa forma, é amplamente utilizado em cosméticos pelo potencial de favorecer a hidratação e a elasticidade da pele. Foi obtido inicialmente de olho de bovinos e até hoje é extraído de animais a partir da crista do galo. No entanto, é possível a obtenção por meio de rotas biotecnológicas alternativas, como a fermentação bacteriana utilizando substratos residuais vegetais (bagaço de cana, farelo de trigo, mosto cervejeiro e etc.). Em condições de limitação de nutrientes, espécies como as do gênero Streptococcus. sintetizam esse ácido como parte de seu metabolismo secundário, e o produto é considerado mais puro e eficaz que o de origem animal, sendo preferido pela indústria farmacêutica.
Vale ressaltar que, em grande parte dos processos, o substrato para a fermentação pode ser oriundo de resíduos industriais (que são fonte de nutrientes para os microrganismos), o que minimiza o custo da produção e está totalmente alinhado com o conceito de “beleza limpa”, que prioriza produtos eficazes, sem efeitos adversos e associados à menor impacto ambiental.
O mundo do autocuidado sustentável e tecnológico tem crescido significativamente nos últimos anos e vai além dos cosméticos naturais e veganos. A biotecnologia nos proporciona cada vez mais ferramentas para alinhar os avanços tecnológicos às novas demandas do mercado. A aposta agora é nos produtos biotecnológicos, que proporcionam efeitos benéficos dos ingredientes naturais, “limpos”, de maneira sustentável e altamente eficaz e a biotecnologia tem todas as ferramentas necessárias para que esse segmento cresça ainda mais.
Cite este artigo:
LEAL, G. C. Clean beauty e a biotecnologia do skincare. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/clean-beauty-e-a-biotecnologia-do-skincare/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
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