Você sabe por que algumas doenças são mais frequentes em idosos do que nos jovens? Ou, ainda, porque o tempo de recuperação dos idosos geralmente é maior? Já parou para pensar por que as vacinas apresentam menor eficiência nos idosos? Todas essas mudanças podem ser explicadas pelo envelhecimento do sistema imunológico, um fenômeno também chamado de imunossenescência.
A imunossenescência é definida como “O funcionamento inadequado do sistema imunológico, com redução na resposta celular e humoral, devido às alterações celulares e moleculares que ocorrem ao longo do envelhecimento”. Isso torna o idoso mais suscetível às infecções, fenômenos autoimunes, neoplásicos e degenerativos.
Envelhecer é um processo fisiológico e natural!
O envelhecimento biológico é um processo fisiológico e natural, que ocorre em todos os indivíduos com o passar dos anos, e é caracterizado pelo declínio do organismo devido a perdas orgânicas e funcionais. E com o crescimento da população idosa em todo o mundo, os estudos sobre as causas e consequências do envelhecimento tornaram-se fundamentais para ampliar a expectativa e a qualidade de vida da população.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são considerados idosos aqueles que possuem mais de 60 anos, nos países em desenvolvimento, ou aqueles a partir dos 65 anos, nos países desenvolvidos. Ainda de acordo com a OMS, em 2020 já haviam mais idosos do que crianças e jovens de até 15 anos. E a expectativa é que em 2050, o mundo já possua 2 bilhões de idosos. O Brasil segue essa tendência e, nos últimos 10 anos, apresentou um crescimento de 55% da sua população acima de 60 anos.
As principais características da imunossenescência
Durante a imunossenescência os elementos (como células e moléculas) continuam presentes, mas suas funções imunológicas encontram-se em declínio. E dentre todas as alterações que ocorrem no sistema imunológico dos idosos, as mais estudadas são: o Inflammaging, a involução tímica e o declínio da função humoral.
Inflammaging: a inflamação sistêmica do idoso
O Inflammaging consiste no aumento sistêmico de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-6, IL-1, entre outras) ocasionando uma inflamação sistêmica crônica. Esse é um perfil frequentemente observado em pessoas acima dos 60 anos, e os cientistas juntaram as palavras inflammation (inflamação) e aging (envelhecimento) para nomear o fenômeno.
Diferentes fatores contribuem para essa inflamação sistêmica no idoso. Uma delas seria o acúmulo de tecido adiposo, tecido que tende a acumular nas pessoas mais velhas e que, conhecidamente, produz citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α.
Acompanhando o inflammaging, ocorrem também alterações dos leucócitos que contribuem para o prejuízo da resposta imunológica. Uma dessas alterações observadas nos idosos é a perda da função das células Natural Killer (NK). Essas células são importantes para a remoção de patógenos, células neoplásicas ou infectadas por vírus. Mas no idoso, embora haja um aumento do número de células NK, estas não apresentam a mesma citotoxicidade observada em indivíduos jovens. Isso poderia justificar porque a incidência de neoplasias é maior nos idosos ou ainda porque eles possuem mais dificuldade de combater doenças virais.
Estudos também indicam que os neutrófilos (células que realizam fagocitose de patógenos) perdem sua função ao longo do envelhecimento. Com sua função comprometida, os neutrófilos levam mais tempo para chegar ao local da infecção, o que facilita a proliferação bacteriana e permite que a infecção se torne mais persistente. Isso pode contribuir para um maior tempo de recuperação, maior chance de internação, tratamentos adicionais ou doses maiores dos medicamentos.
Involução tímica: a regressão de um órgão fundamental
O timo é um órgão fundamental para o sistema imunológico, envolvido na maturação dos linfócitos T, uma das células mais importantes do nosso sistema de defesa contra patógenos. Contudo, ao longo dos anos, o timo involui e vai sendo gradativamente substituído por tecido adiposo.
Esse tecido adiposo, além de acumular lipídios, produz citocinas pró-inflamatórias que geram estresse oxidativo e alteram o microambiente do timo, reduzindo o número de timócitos (células do timo).
Dessa forma, o timo sofre alterações de tamanho, morfologia e composição celular que resultam também na redução do número de linfócitos T. E essa redução prejudica os mecanismos de citotoxicidade, apoptose, produção de citocinas, ativação de macrófagos e resposta inflamatória dos idosos.
Declínio humoral: quando os anticorpos não funcionam adequadamente
A imunidade humoral corresponde a resposta mediada por anticorpos. Os anticorpos (ou imunoglobulinas) são proteínas que impedem a ligação do patógeno às células alvo ou sinalizam a destruição desse patógeno. Os anticorpos são produzidos por linfócitos B e possuem alta especificidade para reconhecimento do patógeno alvo.
Mas todo esse mecanismo de reconhecimento e defesa é comprometido pela imunossenescência. Estudos indicam que, nos idosos, ocorrem alterações na medula óssea (local de origem dos linfócitos B) como o acúmulo de tecido adiposo, o aumento de espécie reativa de oxigênio e a redução da citocina IL-7. Essas alterações prejudicam o funcionamento da medula óssea, resultando em menor produção de linfócitos B e anticorpos, além da redução da especificidade desses anticorpos.
Isso justificaria, por exemplo, a redução da eficácia de vacinas em idosos. Sabe-se que a maioria das vacinas induz uma produção de anticorpos menor no idoso, comparado ao indivíduo jovem, e esse perfil estaria relacionado ao comprometimento da medula óssea observada nas pessoas mais velhas. É por isso que, em muitos casos, a dose de reforço das vacinas é recomendada para os idosos, na tentativa de estimular ainda mais essa produção de linfócitos B e anticorpos, que se encontra prejudicada.
#PraTodosVerem: Idosa, de cabelos curtos e usando máscara azul e camisa branca,é vacinada por um profissional de saúde que veste jaleco, luvas, máscara e protetor facial. Fonte: Pexels
É possível reverter ou retardar a imunossenescência?
Diante de todas as alterações imunológicas observadas durante o envelhecimento, a ciência logo questionou se seria possível reverter ou retardar esse processo. E as pesquisas indicam que isso é possível!
Nossa primeira aliada seria a atividade física. Diversos estudos já demonstraram que diferentes tipos de atividade física (principalmente as atividades aeróbicas) reduzem a circulação de citocinas inflamatórias, aumentam a proliferação de linfócitos T, reduzem o acúmulo de gordura na medula óssea e melhoram a resposta às vacinas nos idosos.
Outro fator determinante é a dieta. Estudos realizados em animais indicam que a restrição de calorias da dieta impede a involução do timo. Além disso, a suplementação alimentar com alguns nutrientes ou compostos (como o zinco e o resveratrol) pode aumentar a citotoxicidade das células NK e a produção de anticorpos após a imunização.
Todas essas pesquisas indicam que os processos de inflammaging, involução tímica e declínio da função humoral podem ser amenizados (ou em alguns casos até retardados) em resposta a atividade física e dieta adequadas. Ou seja, apesar da imunossencescência ser um processo natural e fisiológico, a ciência pode nos ajudar a envelhecer de forma mais saudável e com mais qualidade.
Cite este artigo:
LOPES, B. Imunossenescência: como o nosso sistema imunológico envelhece? Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/imunossenescencia-como-nosso-sistema-imunologico-envelhece/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
Abbas, AK & Lichtman,AH. Cellular and Molecular Immunology. 5°edição. Saunders, 2005.
Aw, D. et al. Immunosenescence: emerging challenges for an ageing population. Immunology, 2007. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17313487/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
DiazGranados , CA. et al . High-dose trivalent influenza vaccine compared to standard dose vaccine in elderly adults: Safety, immunogenicity and relative efficacy during the 2009–2010 season. Vaccine, 2013. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23261045/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Hazeldine, J. et al. Reduced release and binding of perforin at the immunological synapse underlies the age-related decline in natural killer cell cytotoxicity. Aging Cell, 2012. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22642232/> Acesso em: 01 de mar de 2022.
Kaml, M et al. Booster vaccination in the elderly: Their success depends on the vaccine type applied earlier in life as well as on pre-vaccination antibody titers. Vaccine, 2006. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16872725/ >Acesso em: 01 de mar de 2022.
Mello-Coelho, V. et al. Fat-Storing Multilocular Cells Expressing CCR5 Increase in the Thymus with Advancing Age: Potential Role for CCR5 Ligands on the Differentiation and Migration of Preadipocytes. International Journal of Medical Sciences, 2010. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20046229/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Muller, L & Pawelec, G. Aging and immunity – impact of behavioral intervention. Brain Behav Immun, 2014. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24315935/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Murray, MA &. Chotirmall, SH. The Impact of Immunosenescence on Pulmonary Disease. Mediators of Inflammation, 2015. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26199462/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Weinberger , B. et al. Biology of Immune Responses to Vaccines in Elderly Persons. Vaccines,2008. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18444828/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Weiskopf, D. et al. The aging of the immune system. Transplant International, 2009. Disponível em < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19624493/ > Acesso em: 01 de mar de 2022.
Fonte da imagem destacada: Pixabay.