Em 2020, a União Européia (UE) estava discutindo a criação de novas orientações de Boas Práticas de Fabricação. Um dos tópicos da atualização era quais os métodos de limpeza deveriam ser empregados em ambientes controlados como instalações estéreis de hospitais. Essa é uma discussão relevante já que sabemos que esses ambientes podem abrigar mais microorganismos resistentes a antibióticos do que outros locais.
Existem evidências sustentando que a forma como esses ambientes são limpos pode ser uma das causas do desenvolvimento dessa resistência e saber disso pode ajudar a evitar graves problemas de saúde pública.
Resistência a antibióticos
As bactérias são organismos fascinantes com inúmeras capacidades impressionantes, uma delas é a de adquirir resistência a substâncias químicas que poderiam matá-las. Essa resistência pode ser advinda de uma mutação no material genético da bactéria, ou mesmo, adquirida de outras bactérias (através de conjugação, plasmídeos ou transposição), de bactériófagos ou do ambiente.
Quando uma cepa bacteriana adquire resistência a múltiplos antibióticos ela passa a ser chamada de superbactéria por causar infecções muito mais difíceis de tratar.
De acordo com a teoria da seleção natural as pressões do ambiente sobre uma população de organismos vãocausar a sobrevivência diferencial desses organismos. Aqueles que forem capazes de sobreviver e se reproduzir, apesar das condições ambientais, irão passar os seus genes aos descendentes e colonizar o ambiente.
O ambiente das salas limpas e unidades de terapia intensiva (UTIs) de hospitais é bastante hostil ao crescimento de microrganismos, uma vez que, em geral, os métodos de limpeza empregados são capazes de eliminar a maioria dos organismos patogênicos. No entanto, como sempre existem variações nos indivíduos de uma população, pode ser que existam algumas poucas bactérias que não morram com os desinfetantes usados. Então será que a saída seria usar produtos cada vez mais fortes? Como discutiremos mais adiante, não exatamente.
Como os desinfetantes fortes causam resistência
Métodos de limpeza muito rigorosos já foram correlacionados com um aumento da resistência bacteriana a antibióticos. Ainda não se sabe exatamente como isso acontece, mas existem algumas hipóteses.
Por exemplo, o cloreto benzalcônico é uma substância presente em alguns saneantes utilizados em hospitais, conhecido como um potente bactericida. No entanto, já se sabe que ele pode contribuir para que bactérias lancem no ambiente genes de resistência a antibióticos.
Já o triclosan, que é um bacteriostático utilizado como conservante em produtos como cosméticos, medicamentos, sabonetes e desodorantes, é capaz de estimular algumas bactérias a absorver DNA disponível no ambiente que poderia ser, por exemplo, um DNA com genes de resistência a antibióticos.
A combinação dos dois compostos em um mesmo ambiente pode promover a transformação de bactérias que antes não eram resistentes a antibióticos.
Outros aspectos que podem contribuir para o aparecimento de microrganismos resistentes nas salas limpas são a baixa diversidade microbiana presente e a presença de pessoas doentes que trazem consigo uma microbiota diferente da saudável.
Os microrganismos vivem em comunidade e competem por recursos como espaço e alimento. Além disso, sabe-se que alguns microrganismos são capazes de produzir substâncias antibióticas, ou seja, que irão inibir o crescimento de outros microrganismos. Quando há uma baixa diversidade de microrganismos para competir pelos recursos do local, alguns poucos se multiplicam facilmente e é provável que sejam aqueles que possuem resistência aos desinfetantes usados nesse local.
Medidas adotadas para evitar o problema
Algumas medidas de boas práticas são recomendadas pela UE para evitar a proliferação de microrganismos resistentes em hospitais. São elas:
(i) O processo deve conter 3 etapas: limpeza, desinfecção e limpeza. A limpeza deve ser realizada no início para remover sujidades e microrganismos mortos, expondo os possíveis microrganismos vivos para entrarem em contato com os desinfetantes aplicados na etapa de desinfecção. Já a limpeza após a desinfecção é realizada para remover os microrganismos que morreram na desinfecção e também o excesso de desinfetante que não deve ficar no ambiente.
(ii) Deve ser feito rodízio no uso de desinfetantes. Utilizando-se desinfetantes com tipos de ação diferentes, com pelo menos dois deles sendo usados rotineiramente;
(iii) Deve-se adotar o uso periódico de esporicidas, ou seja, produtos capazes de eliminar esporos do ambiente;
(iv) Outros ambientes do hospital, como escritórios, devem ser limpos apenas com água e sabão, pois evitará a desinfecção excessiva nesses locais e o desenvolvimento de microrganismos resistentes. Alvejantes e álcool possuem ação semelhante à do sabão e detergentes (afetam a integridade da parede celular e membrana das bactérias) e também podem ser usados nesses locais;
(v) O uso de desinfetantes agressivos em locais em que seu uso não é necessário pode ser proibido ou regulado através de impostos;
Além disso, já existem no mercado limpadores probióticos, compostos por microrganismos benéficos que irão inibir a proliferação dos microrganismos patogênicos ao colonizar as superfícies, mas eles ainda precisam ser devidamente testados.
Os hospitais são locais críticos para o aparecimento de bactérias resistentes a antibióticos, isso porque são visitados por pessoas com as mais diversas doenças e, todos os dias, aplicam grande quantidade de antibióticos nos pacientes. Além disso, requerem processos de limpeza mais detalhados e agressivos. Essa limpeza, no entanto, deve ser realizada por pessoal treinado utilizando os métodos e produtos químicos adequados. Esses cuidados devem ser tomados a fim de se evitar que microrganismos resistentes proliferem nesses locais, o que geraria graves problemas de saúde pública.
Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. Como os hospitais devem ser limpos? Métodos de limpeza e a resistência a antibióticos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/como-hospitais-devem-ser-limpos-metodos-limpeza-resistencia-antibioticos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
MAHNERT, A. et al. Man-made microbial resistances in built environments. Nature Communications, v. 10, n. 968, 2019. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41467-019-08864-0>. Acesso em: 04 Jul. 2022.
OBERMEIER, M. M. Why Biotech Must Change its Cleaning and Disinfection Strategy. Labiotech, 2020. Disponível em: <https://www.labiotech.eu/expert-advice/cleaning-disinfection-biotech-industry/>. Acesso em: 04 Jul. 2022.
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