Você pode não enxergar a olho nu, mas eles estão presentes em todos os lugares. Os microrganismos apresentam a capacidade de colonizar os mais distintos ambientes, como o intestino humano, o solo e até mesmo as nuvens. Neste texto, vamos explorar a presença de microrganismos no solo, no entanto, de um ponto de vista diferente: entendendo o que acontece com esses seres microscópicos após um incêndio florestal.
O microbioma faz parte do solo
Indispensável para a manutenção da vida, ao contrário do que muitos pensam, o solo é um sistema dinâmico. A interação entre propriedades físicas (relacionadas com a sua textura e estrutura), químicas (englobando o pH, minerais e moléculas orgânicas) e uma porção biológica (com elevada diversidade de seres vivos, como minhocas, pequenos artrópodes e microrganismos) é responsável pela formação dos mais variados tipos de solo encontrados no Brasil e no mundo.
Assim, o conjunto de microrganismos que habitam um determinado hospedeiro, ou que ocupam conjuntamente um ambiente, é chamado de microbioma. No solo, em meio a tantos componentes, o microbioma é composto principalmente por fungos e bactérias, apresentando uma relação de causa e consequência. Entenda:
A disponibilidade de nutrientes, água, aeração e a possibilidade de aderência são as CAUSAS do solo ser atrativo para a colonização de microrganismos, permitindo o desenvolvimento de seres com as mais variadas habilidades metabólicas. Como CONSEQUÊNCIA, a presença de microrganismos no solo transforma esse ambiente, uma vez que são responsáveis por produzir substâncias bioquímicas que influenciam propriedades nutricionais, físicas e biológicas, como, por exemplo, por meio da decomposição da matéria orgânica.
É também no solo que algumas das principais interações entre microrganismos e vegetais acontecem, como a fixação biológica do nitrogênio e a promoção da imunidade em plantas. Porém, esses organismos, tão pequenos e importantes, são sensíveis às alterações como a falta de nutrientes, água e mudanças na temperatura.
Incêndios a partir de um olhar microscópico
Você já parou para pensar se os microrganismos presentes nas regiões queimadas também são afetados?
Após o fogo, os prejuízos são quase incontáveis, a vegetação nativa é comprometida, a saúde das pessoas é afetada pela inalação de fumaça, rios são atingidos por poluentes, a vida silvestre raramente é salva e até mesmo no solo ocorre a perda de recursos extremamente importantes.
Portanto, quando acontece um incêndio, no solo, é possível observar alterações em aspectos como o pH, permeabilidade da água e a composição de nutrientes. Com isso, condições antes existentes e favoráveis à vida são prejudicadas, interferindo na interação biológica daquele ambiente, modificando a relação de competição entre os microrganismos e também podendo eliminar grande parte do microbioma pela ação da alta temperatura, “esterilizando” o local.
A partir disso, estudos apontam que o microbioma do solo sofre mais com a ação do fogo em regiões que não possuem recorrência natural de incêndios, ou seja, é possível que microrganismos se adaptem quando é comum em seu “habitat” o fenômeno de queimadas naturais. Entretanto, quando a floresta não apresenta esse comportamento naturalmente, os danos podem demorar décadas para serem reparados, comprometendo o equilíbrio de todo o ecossistema.
É pensando nisso que ações como o Projeto Brasileiro de Microbiomas e o Earth Microbiome Project atuam, respectivamente, para caracterizar a diversidade microbiológica de biomas no Brasil e no mundo, desenvolvendo um banco de dados genético. As pesquisas a respeito de microbiomas nos mais variados tipos de solo e a interpretação de como o fogo os afeta são importantes para compreender como futuras mudanças globais podem interferir na vegetação e para realizar o manejo do solo a fim de acelerar a sua restauração.
ONU faz alerta sobre incêndios florestais
Agora que você sabe mais sobre quais são as perdas enfrentadas após incêndios florestais, infelizmente os números sobre esse cenário são alarmantes. Em fevereiro deste ano, cientistas realizaram um alerta, por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), indicando que até 2030 poderemos observar, de forma global, o aumento de 14% nos incêndios florestais considerados extremos, principalmente devido ao aquecimento global e ações do homem, como o desmatamento.
Tendo em vista a relevância da manutenção do microbioma e a projeção da ONU sobre o aumento nos casos de incêndio, é de extrema importância a conscientização da população a respeito dos prejuízos causados por queimadas ilegais, o combate ao desmatamento e o fomento de pesquisas científicas voltadas para a conservação do solo e exploração dos microrganismos presentes na natureza, como o Projeto Brasileiro de Microbiomas citado acima.
Cite este artigo:
LACERDA, S. Como incêndios florestais influenciam o microbioma do solo. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/como-incendios-florestais-influenciam-microbioma-solo/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
CARDOSO, Elke Jurandy Bran Nogueira; ANDREOTE, Fernando Dini. Microbiologia do Solo. 2. ed. Piracicaba: Esalq, 2016. 225 p. Disponível em: https://www.esalq.usp.br/biblioteca/sites/default/files/Microbiologia_solo.pdf. Acesso em: 15 set. 2022.
DOVE, Nicholas C.; TAŞ, Neslihan; HART, Stephen C. Respostas ecológicas e genômicas de microbiomas do solo a incêndios florestais de alta gravidade: ligando a montagem da comunidade ao potencial funcional. A Revista ISME, p. 1-11, 2022.
SILVA, Cássia; PORTELLA, Augustus Caeser Frank; GIONGO, Marcos. Meta-análise de estudos sobre o efeito do fogo nos biomas florestais em relação aos microrganismos fúngicos. Advances in Forestry Science, v. 7, n. 1, p. 931-938, 2020.
WHITMAN, Thea et al. Resposta bacteriana e fúngica do solo a incêndios florestais na floresta boreal canadense em um gradiente de gravidade de queima. Soil Biology and Biochemistry , v. 138, p. 107-121, 2019.
Fonte da imagem destacada: Pixabay.