A HBO Max estreou a série televisiva “The Last Of Us”, baseada na aclamada franquia de jogos, da qual recebeu o nome. A série se tornou um sucesso no mundo inteiro devido a incrível adaptação do jogo à série.Na trama, os seres humanos vivem num mundo apocalíptico provocado pela disseminação de fungos que transformam as pessoas em zumbis. Mas, será que isso é possível? Existe mesmo um fungo zumbi? Acompanhe o texto e entenda o que é realidade e o que é ficção em The Last Of Us.
O Que São Fungos?
Para diferenciarmos a ficção científica da realidade dos fungos, precisamos entender, primeiramente, o que eles são e como vivem.
Os fungos são organismos que compõem o reino Fungi. Podendo ser macroscópicos ou microscópicos, os fungos são seres eucariontes de uma ou mais células, sendo uni ou multicelulares, respectivamente. Os fungos não produzem o seu próprio alimento e, por isso, são classificados como seres heterótrofos. Sua alimentação é baseada em matéria orgânica, viva ou morta. Eles podem ser encontrados, preferencialmente, em lugares úmidos com presença de matéria orgânica, como o solo, vegetação, alimentos e até mesmo em animais e seres humanos.
Qual é a importância dos fungos?
Os fungos são muito importantes para a indústria farmacêutica e também alimentícia. Na produção de medicamentos podemos destacar a descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928, quando Alexander estudava espécies de estafilococos e algumas de suas amostras tinham sido contaminadas com um tipo de fungo – o “Penicillium”. Não demorou muito para que mais estudos fossem desenvolvidos e a penicilina se tornasse um importante antibiótico para tratar várias infecções bacterianas, se tornando essencial em muitos tratamentos.
Mas além de produzir medicamentos, os fungos também podem ajudar na produção de:
- álcool e combustíveis;
- fabricação de detergentes biodegradáveis;
- produção de madeiras e papéis;
- estudos genéticos;
- produção de vitaminas;
- alimentos.
Na alimentação, existem espécies de cogumelos que são comestíveis e fazem parte da culinária de vários países da europa, da ásia e até mesmo no Brasil, como é o caso do Cogumelo Paris (Champignon).
No entanto, alguns fungos podem causar doenças ao organismo humano, mas nem todos eles são letais.
Dentre algumas doenças causadas por fungos temos: a Candidíase causada na maioria das vezes pela espécie Candida albicans, presente naturalmente no organismo, mas que pode gerar diversos tipos de infecção a região íntima e a mucosa bucal, e a Histoplasmose causada pelo fungo Histoplasma capsulatum, através da absorção dos esporos do fungo pelas via aéreas que estão presentes na natureza. A infecção costuma ocorrer em pacientes com baixa imunidade, como pacientes com doenças imunológicas, desnutridas ou com AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
É importante mencionar algumas doenças fúngicas como por exemplo a Onicomicose, onde os fungos consomem a queratina presente nas unhas, podem ser apresentados de maneira assintomática. Outras doenças fúngicas que também podem se apresentar dessa forma podem se tornar resistentes dificultando o processo de produção de medicamentos para combater tais infecções.
Mas e o fungo da série? Existe mesmo? Ele realmente nos deixa doente?
O Fungo da série existe, mesmo!
Agora, entrando de cabeça na nossa análise do seriado, podemos afirmar que, sim, existe um fungo zumbi, o chamado Ophiocordyceps unilateralis. No entanto, ele é um pouco diferente do que o seriado apresenta. Na série, os fungos atingem os seres humanos, mas, na vida real, ele só atinge os insetos, principalmente as formigas.
O Ophiocordyceps unilateralis, também conhecido popularmente como o “fungo zumbi”, é uma espécie de fungo que parasita as formigas e as controlam para drenar seus nutrientes, além de aumentar sua proliferação para outras formigas.
Como o fungo controla as formigas?
Durante o processo de contaminação, o fungo se desenvolve dentro da formiga, alimentando-se das estruturas musculares das formigas. Ao atingirem o Sistema Nervoso, a formiga inicia um comportamento desordenado e desequilibrado, caindo de suas escaladas em arbustos e apresentando uma movimentação trêmulo. Posteriormente quando o fungo se desenvolve por completo, ele elimina várias células vitais presentes no seu hospedeiro, matando a formiga no processo.
Após serem contaminadas pelo fungo, as formigas saem do ninho e vagam de forma desordenada para lugares altos que possuem temperatura e umidade adequada para que o fungo possa ser disperso no ambiente. Ao chegar a um lugar alto, com uma folha “suculenta” para a formiga, o fungo provoca a formiga a morder a folha e se fixar no local, onde essa formiga permanece dessa maneira até morrer. Posteriormente o fungo mata a formiga.
Nesse local, o inseto morto é recoberto por hifas (células fúngicas), que atuam protegendo o corpo da formiga contra outros microrganismos invasores que podem competir o espaço com o fungo. Após alguns dias, cresce uma haste na cabeça da formiga contendo células especializadas, chamadas de esporos que, quando liberadas no ambiente, podem infectar outras formigas.
O fungo pode contaminar humanos?
O Ophiocordyceps unilateralis ainda não pode infectar os humanos dessa maneira, pois precisaria suportar as altas temperaturas que existem dentro do corpo humano. De milhões de espécies de fungos, apenas algumas centenas de espécies fúngicas podem causar algum dano aos seres humanos.
Sendo assim, o fungo precisaria encontrar um meio de se adaptar ao organismo humano para se desenvolver. É interessante que The Last of Us apresenta uma possível solução para a contaminação do fungo em humanos logo no primeiro episódio da série. A argumentação utilizada é que se o planeta se tornasse mais quente os fungos poderiam encontrar uma forma de se adaptar a temperaturas mais altas, facilitando assim a sua contaminação em humanos.
De fato o planeta tem ficado mais quente ao longo dos anos, e o aquecimento do planeta pode tornar fungos que não eram patogênicos aos humanos, causadores de doenças desconhecidas, que poderão ser até difíceis de lidar. Mas, os fungos ainda não evoluíram ao ponto de controlar o cérebro humano como eles fazem com os neurônios das formigas. Ou seja, isso significa que fungos não poderiam infectar humanos e controlá-los, os transformando em zumbi.
Isso é o que afirma o entomologista David Hughes, que faz parte do departamento de entomologia do College of Agricultural Sciences da University Park nos Estados Unidos. Segundo Hughes, não é provável que fungos controlem cérebros humanos pois eles evoluíram precisamente para controlar o sistema de neurônios motores de formigas.
Cientistas acreditam que esse processo evolutivo dos fungos para sobreviver a altas temperaturas tenha ocorrido com a espécie Candida auris em decorrência do aquecimento global, que forçou a espécie a se adaptar a ambientes mais quentes. Por conta disso os índices de contaminação do Candida auris subiram nos últimos anos em vários países. Isso é o que aponta um estudo publicado na revista científica mBio, da Sociedade Americana de Microbiologia. (Environmental Candida auris and the Global Warming Emergence Hypothesis)
No entanto, para o Ophiocordyceps o processo evolutivo precisaria não só tornar o fungo capaz de sobreviver em organismos humanos, como também evoluir ao ponto de torná-lo capaz de controlar os neurônios motores do corpo humano, que fazem parte de um sistema nervoso muito mais complexos do que o de formigas.
Por fim, o que podemos esperar?
Especialistas dizem que, embora uma pandemia zumbi seja possível, isso é um pouco improvável agora. O fato de vários fungos ainda não terem se adaptado à temperatura corporal dos seres humanos é um dos grandes fatores que limita um panorama pandêmico de fungos.
Em um cenário de pandemia fúngica, a transmissão de um fungo seria bem diferente do que retratado na série ficcional. Na série, os infectados transmitem a doença a pessoas sadias através da mordida, enquanto na vida real fungos podem ser transmitidos de maneira muito mais fácil, bastando o simples contato com qualquer superfície em que o fungo esteja ou a inalação dos esporos do liberados pelo patógeno.
O tratamento de doenças fúngicas pode se demonstrar muito mais complexo do que o tratamento realizado por doenças de origem viral ou bacterianas. Alguns antifúngicos podem até causar danos a células saudáveis do organismo no combate ao patógeno. Em um cenário de pandemia fúngica, infecções fúngicas se tornaram mais graves do que já são em um cenário normal.
Ainda não existe nenhuma vacina contra infecções de fungos. Existem poucos fármacos que possam tratar infecções fúngicas. No entanto, já existem estudos para desenvolvimento de uma vacina fúngica por parte de cientistas da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, contra algumas espécies de fungos.
Com cada vez mais avanços científicos surgindo na área da biotecnologia e da medicina é questão de tempo até que a ciência dê resultados mais positivos contra infecções e doenças fúngicas. Enquanto isso, podemos dormir tranquilos com certeza que nenhum fungo zumbi vai causar um apocalipse como o fungo de The Last of Us.
Cite este artigo:
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Fonte da imagem destacada: Cartaz da série “The Last of Us” — Foto: Divulgação.