O avanço da nanotecnologia permitiu que fabricássemos materiais em tamanho de um bilionésimo do metro. Esses materiais possuem características extraordinárias como condutividade, termo atividade, flexibilidade, fluorescência, grande área superficial, reatividade, poder de oxidação, dentre muitas outras. Mas para que esses materiais sejam devidamente produzidos e manejados há necessidade de equipamentos cada vez mais sofisticados que sejam capazes de caracterizá-los de acordo com cada um de seus atributos diferenciados.
Essa série de textos vai abordar alguns dos equipamentos de laboratório que são utilizados na caracterização de materiais e nanomateriais, além de organismos muito pequenos, como microcrustáceos e até mesmo células. Hoje vamos falar do microscópio hiperespectral de campo escuro – Cytoviva.
A microscopia de campo escuro
Para explicar como funciona a microscopia de campo escuro, podemos compará-la com a microscopia de campo claro, que é a mais convencional. Se você já utilizou um microscópio alguma vez, provavelmente era um de campo claro.
O microscópio é composto por algumas partes que são responsáveis pelo direcionamento da luz e formação da imagem, são elas: (i) fonte de luz, (ii) condensador, (iii) amostra, (iv) lentes objetivas e oculares.
Em microscópios convencionais a luz faz um caminho praticamente em linha reta. A luz sai da fonte de luz e passa pelo condensador que irá direcioná-la para a amostra localizada em uma lâmina de vidro transparente. A luz então é refratada e difratada pela amostra e viaja até às lentes objetivas e oculares onde a imagem irá sofrer dois aumentos diferentes e poderá ser observada.
Já no microscópio de campo escuro, o caminho da luz é um pouco diferente. Nessa microscopia, também existem os mesmos componentes. Primeiramente, a luz sai da fonte de luz e vai em direção ao condensador. No entanto, entre a fonte de luz e o condensador existe um aparato de bloqueio central que faz com a luz não chegue de forma direta no condensador e na amostra, mas passe apenas pelas laterais do aparador. Dessa maneira a amostra é iluminada por ângulos oblíquos e essa luz então é refletida, refratada e difratada. Um grande contraste é gerado já que a imagem é formada sobre um fundo escuro devido ao aparador e a amostra torna-se brilhante, iluminada por feixes de luz que a incidem na diagonal (a imagem destacada mostra uma Daphnia similis vista em um microscópio de campo escuro).
Imagens hiperespectrais
As imagens que são geradas na maioria dos microscópios e por câmeras em geral são chamadas de multiespectrais. Ou seja, elas são formadas pelas 3 cores básicas: vermelho, azul e verde e a mistura de cada uma delas gera todas as outras cores. No entanto, nos últimos 20 anos tem-se utilizado também uma segunda técnica que gera imagens hiperespectrais.
Uma imagem hiperespectral pode ser considerada uma imagem 3D da amostra, isso porque ela faz uma varredura na amostra e gera uma imagem que pode ser analisada pixel a pixel com informações formadas pela localização da amostra (x,y), comprimento de onda (𝝺) e a intensidade da luz naquela posição.
Essa técnica permite analisar a amostra de maneira muito mais detalhada e identificar qual a sua composição química e a distribuição de seus componentes, de acordo com seu espectro. Devido à imagem hiperespectral ser complexa e gerar muitos dados, há necessidade de ser tratada com análises matemáticas a fim de que esses dados possam ser compreendidos, analisados e comparados.
Aplicações do CytoViva
As aplicações das imagens hiperespectrais são inúmeras e nas mais diversas áreas, como por exemplo, indústria de alimentos, cosmética, ciências forenses, área farmacêutica e médica, sensoriamento remoto, monitoramento ambiental:
Indústria cosmética
Uma aplicação interessante na indústria cosmética é o uso da câmera hiperespectral para estudo da eficácia de cosméticos na pele. Nekengne, et al. utilizou análises de câmeras hiperespectrais para avaliar o teor de melanina, hemoglobina e a saturação de oxigênio na superfície da pele dos olhos. Esse estudo pode por exemplo auxiliar na avaliação da eficácia de cosméticos anti-olheiras, pois a câmara hiperespectral se mostrou uma técnica rápida, confiável e sensível o suficiente para detectar o efeito do produto cosmético sobre a pele.
Indústria de alimentos
Na indústria de alimentos, as imagens hiperespectrais podem ser usadas, por exemplo, para análise de grãos de café. Caporaso, et al. puderam realizar o estudo de grãos de café com base em seu teor de sacarose, cafeína e trigonelina, em mais de 250 amostras de café oriundas de 12 países diferentes. As imagens se mostraram eficazes na análise dos constituintes intra-grão do café, o que se mostra prático para realizar a triagem dos grãos na indústria alimentícia bem como para monitorar programas de melhoramento de grãos.
Monitoramento ambiental
Jacon, et al. utilizaram imagens hiperespectrais para monitorar, caracterizar e discriminar fisionomias de savana no Brasil em estações diferentes. Através das imagens foi possível avaliar altura da árvore, área basal, densidade e biomassa das árvores, bem como a cobertura do dossel. Foi possível observar diferenças significativas do espectro das imagens em estações chuvosas e secas. As imagens também possibilitam melhorar na classificação entre cerrado aberto, cerrado arbustivo e cerrado arborizado.
Caracterização de biossensores
A união da microscopia de campo escuro e das câmeras que geram imagens hiperespectrais forma um microscópio com capacidade de analisar amostras vivas, sem que precisem ser cortadas, fixadas ou coloridas, pois a microscopia de campo escuro possibilita a visualização dessas imagens que se tornam brilhantes sobre um fundo preto. E a câmera hiperespectral possibilita a identificação de materiais extremamente pequenos como os nanomateriais.
Em um trabalho de Castro, et al. foi analisada a modificação de uma nanopartícula de ouro (AuNP) com peptídeos com objetivo de produzir biossensores para detecção de Covid-19. As imagens geraram espectros com comprimento de onda de 400 a 1000 nm e a comparação entre as amostras de AuNP livre e AuNP com peptídeos demonstrou modificação na superfície da AuNP. Além disso, foi possível observar a interação entre o biossensor de AuNP/peptídeo e a amostra controle e o soro positivo para Covid-19. As imagens com o soro positivo são visivelmente diferentes da amostra controle, com maior formação de agregados entre o sensor e a amostra.
Trouxemos aqui algumas das aplicações das imagens hiperespectrais e da microscopia de campo escuro. Essas são apenas duas técnicas utilizadas para caracterizar as mais diversas amostras em um laboratório e até mesmo na indústria e fora dela. Fique de olho pois vamos falar de outras técnicas em breve.
*este texto tem como objetivo informar sobre a técnica de microscopia de campo escuro e imagens hiperespectrais e não se trata de publicidade.
Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. Como enxergar coisas muito pequenas: microscopia de campo escuro e imagens hiperespectrais. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/como-enxergar-coisas-pequenas-microscopia-campo-escuro-imagens-hiperespectrais/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
CASTRO, A. C. H. et al. Modular Label-Free Electrochemical Biosensor Loading Nature-Inspired Peptide toward the Widespread Use of COVID-19 Antibody Tests. ACS nano, v. 16, n. 9, 2022, pp. 14239-14253. Disponível em: <https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsnano.2c04364>. Acesso em: 24 abr. 2023.
CYTOVIVA. CytoViva Hyperspectral Microscope. Disponível em: <https://www.cytoviva.com/cytoviva-hyperspectral-microscope>. Acesso em: 24 abr. 2023.
EVYDENT. O que é microscopia de campo escuro? Discovery Blog. Disponível em: <https://www.olympus-lifescience.com/pt/discovery/what-is-darkfield-microscopy/>. Acesso em: 24 abr. 2023.
JACON, A. D. et al. Seasonal characterization and discrimination of savannah physiognomies in Brazil using hyperspectral metrics from Hyperion/EO-1. International Journal of Remote Sensing, v. 38, n. 15, 2017, pp.4494-4516. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01431161.2017.1320443?journalCode=tres20>. Acesso em: 24 abr. 2023.
NKENGNE, A. et al. SpectraCam® : A new polarized hyperspectral imaging system for repeatable and reproducible in vivo skin quantification of melanin, total hemoglobin, and oxygen saturation. Skin res technol, v. 24, n. 1, 2018, pp. 99-107. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28771832/>. Acesso em: 24 abr. 2023.