Doenças raras apresentam baixa prevalência e difícil diagnóstico. Por isso, o desenvolvimento de novas formas de diagnóstico, como a avaliação da metilação do DNA, é necessário.

Doenças raras são condições que afetam uma pequena parte da população, com taxa de até 1,3 acometidos a cada 2000 pessoas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Atualmente, o Banco de Dados de Doenças Raras (do inglês, Rare Diseases Database) possui mais de 1200 doenças catalogadas, que atingem mais de 30 milhões de pessoas. Porém, estima-se que o número total de doenças raras gire em torno de 6 a 8 mil tipos.

As doenças raras se caracterizam pela dificuldade de diagnóstico e tratamento. Cerca de 80% delas têm o fator genético como principal causador. Isso quer dizer que, na maioria dos  indivíduos acometidos, ocorre uma mudança na sequência típica de uma molécula de DNA, representada por um ou mais genes. Os casos remanescentes são gerados por vias ambientais (por meio de contaminantes), imunológicas (alérgicas ou autoimunes) ou infecciosas. Essas características podem levar à deterioração física, afetando aspectos sociais e psicológicos dos acometidos. 

A busca por curas e/ou novas drogas para o tratamento de doenças raras é uma questão recorrente e estima-se que apenas 10% delas sejam tratadas corretamente. O diagnóstico preciso e o tratamento precoce são essenciais para a melhor resposta terapêutica. 

Principais tratamentos para doenças raras

Terapia gênica

A terapia gênica visa a inserção de genes saudáveis em células defeituosas. A mais utilizada é a que utiliza um vetor (ou transportador) viral. A maior parte das doenças raras têm origem genética, ou seja, são ocasionadas por mutações em genes. No geral, elas ocorrem em apenas um gene, que produzirão proteínas defeituosas e pode ser herdado pela prole. Neste caso, o uso de vetores virais são opções viáveis. A Atrofia Muscular Espinhal é uma das doenças beneficiadas por essa terapia. Além disso, algumas condições como a  Fibrose Cística e a Anemia Falciforme possuem estudos em andamento.

Terapia com células-tronco

Células-tronco hematopoiéticas são células imaturas que apresentam a capacidade de se diferenciar em diversos tipos de células sanguíneas. O transplante destes tipos celulares auxilia na resposta imunológica e na entrega de moléculas que estimulam o crescimento e a diferenciação celular por meio da substituição de células disfuncionais. Além disso, sua capacidade de diferenciação pode ser favorável para determinados tecidos, como os que compõem os sistemas cardiovascular e nervoso. Doenças como Fibrose Cística e Anemia Falciforme já possuem intervenções que envolvem a inoculação de células-tronco.

Terapia com anticorpos

O tratamento com anticorpos auxilia na regulação da transdução de sinais, direcionando células e proteínas para regiões específicas e liberando fatores citotóxicos ou neutralizantes. Estas moléculas podem se ligar tanto a receptores específicos como aos seus ligantes, impedindo a ativação de células-alvo. Em terapias contra células cancerígenas, por exemplo, os anticorpos podem se ligar a receptores específicos nestas células e levar à morte celular por mecanismos de citotoxicidade. Já contra patógenos, essas moléculas podem se ligar neles e impedir a entrada em células do hospedeiro, como em casos de infecções virais. Pessoas com Hemofilia A e Leucemia Linfoblástica Aguda podem se beneficiar com o uso de anticorpos específicos.

Terapia de reposição enzimática

Para doenças que afetam a atividade de enzimas presentes em lisossomos, a terapia de reposição enzimática pode ser indicada. Os lisossomos são responsáveis pela eliminação de substâncias indesejáveis por meio da digestão de macromoléculas e da reciclagem de compostos celulares ou oriundos de patógenos, como bactérias e vírus. Portanto, essa deficiência leva ao acúmulo de substâncias nocivas no organismo. O método utilizado nesse tipo de terapia depende de cada caso, mas pode ser realizado a partir da reposição da enzima deficiente por meio de infusão intravenosa de enzimas recombinantes, a partir de terapias gênicas que promovam a expressão do gene responsável, pelo transplante de células-tronco hematopoiéticas, entre outros. Doenças como a de Fabri, a doença de Pompe e a deficiência de Lipase Ácida Lisossomal possuem tratamento com reposição enzimática.

um médico oferecendo um medicamento em cada mão estendida

Existem diferentes formas de tratamento para doenças raras: terapia gênica, com o uso de células-tronco, com anticorpos e por reposição enzimática. Fonte: Pixabay. #ParaTodosVerem: fotografia de um médico vestindo macacão e estetoscópio e oferecendo um medicamento em cada mão estendida.

Métodos para detecção de doenças raras

O principal método diagnóstico de doenças raras é o sequenciamento de alta performance. Com ele, o DNA ou RNA, estruturas que contêm as informações para a construção de um organismo, têm sua composição decifrada. Esse sequenciamento se baseia na detecção de variantes alélicas, ou seja, diferentes versões do mesmo gene, e é aplicado tanto a genes reconhecidamente causadores de doenças como genes novos, descobertos a partir da identificação de alterações genéticas. 

O sequenciamento de exomas, regiões codificantes de proteínas, é o principal método de diagnóstico, com taxa de acertos entre 30 e 50% para a detecção de doenças raras. Para doenças exoma-negativas, ou seja, aquelas nas quais não são detectadas alterações nas sequências de éxons, o diagnóstico é ainda difícil. A não detecção dessas alterações pode ocorrer nas seguintes situações: caso se encontre na região codificante, mas não seja detectável, selecionada ou relevante; se dois ou mais genes são responsáveis pela doença; ou se é formada por uma mudança estrutural não detectável. Esses casos ocorrem em uma condição conhecida como mosaico somático, quando o organismo apresenta células geneticamente distintas em diferentes partes do corpo.

Avaliação da metilação

Atualmente, existe um método desenvolvido como alternativa para casos em que a detecção pelo sequenciamento do exoma não funciona. A abordagem se baseia na análise do perfil de metilação, ou seja, o perfil de grupamentos metil ligados à molécula de DNA, especificamente nas citocinas. 

A metilação pode ser realizada por histona-metilases durante a replicação do DNA, de forma a auxiliar na descompactação da estrutura e permitir a leitura da sequência. No entanto, outra função importante da metilação é o controle da expressão gênica. A desregulação desta função pode estar associada com a ocorrência de condições ou doenças. Em alguns tipos de câncer, por exemplo, pode ocorrer a hipermetilação dos promotores de genes supressores, levando à inativação deles, ou a metilação de genes do ciclo celular, ocasionando a expansão descontrolada de células tumorais. No caso das doenças raras, a metilação pode afetar genes envolvidos com o desenvolvimento do indivíduo, resultando em desordens  neurológicas ou metabólicas, por exemplo.  

O exame desenvolvido pela farmacêutica Dasa utiliza inteligência artificial (IA) para detecção de alterações em nível de metilação no DNA. A partir de uma pequena amostra de sangue, o DNA do indivíduo é extraído e analisado quanto aos mais de 850 mil sítios de metilação espalhados por todo genoma. Os dados gerados são avaliados por um algoritmo de inteligência artificial desenvolvido pela companhia. A partir disso, regiões metiladas são comparadas a bancos de dados preexistentes para identificar se os perfis encontrados coincidem com aqueles estabelecidos até o momento para determinadas doenças raras.

Atualmente, o exame custa mais de R$ 13.000 e há fatores limitantes para o seu uso, como o fato do paciente ter recebido transplante de medula óssea, devido aos componentes que contêm leucócitos provenientes dos doadores. O desejo é que este exame tenha seu preço reduzido e, até mesmo, possa ser financiado pelo Sistema Único de Saúde ( SUS). 

Já havia pensado em como uma doença rara é detectada ou tratada? Conte para nós nos comentários o que achou!

Perfil de Bianca Frade

Texto revisado por Natália Lopes e Elaine Latocheski

Cite este artigo:
FRADE, B. B. O estado-da-arte das doenças raras: tratamentos e diagnósticos.  Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/o-estado-da-arte-das-doencas-raras-tratamentos-e-diagnosticos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

SANITÁRIA, Agência Nacional de. Medicamentos destinados a Doenças raras. Gov.  Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/setorregulado/regularizacao/medicamentos/doencas-raras/medicamentos-registrados-para-doencas-raras>. Acesso em: 31/03/2024.
DISEASES, Rare. Rare Disease Database. Rare Diseases. Disponível em <https://rarediseases.org/rare-diseases/>. Acesso em: 31/03/2024.
FRÈSARD, Laure; MONTGOMERY, Stephen. Diagnosing rare diseases after the exome. Cold Spring Harbor Molecular Case Studies. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6318767/>. Acesso em: 31/03/2024.
LOPES, Bruna Pereira. Sequenciamento do exoma: a biotecnologia e o diagnóstico de doenças genéticas. Profissão Biotec. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/sequenciamento-exoma-biotecnologia-no-diagnostico/>. Acesso em: 31/03/2024.
LOPES, Marcos Thomazin et al.. Difficulties in the diagnosis and treatment of rare diseases according to the perceptions of patients, relatives and health care professionals. Clinics. Disponível em:  <https://www.scielo.br/j/clin/a/PmSSCnDZLJG3NKtSsDjvxZz/?lang=en>. Acesso em: 31/03/2024.
MARACCINI, Gabriela. Doenças raras: novo exame usa inteligência artificial para acelerar diagnóstico. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/doencas-raras-novo-exame-usa-inteligencia-artificial-para-acelerar-diagnostico/>. Acesso em: 31/03/2024.
HAN, Qiaoqiao et al. Research advances in treatment methods and drug development for rare diseases. Frontiers in Pharmacology. Disponível em:  <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9597619/>. Acesso em: 31/03/2024.
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