Se você teve acesso à rede de televisão aberta nos anos 2000, certamente teve um contato prematuro com a biotecnologia médica, ou pelo menos algo parecido com ela.
Após o Boom causado pela clonagem da ovelha Dolly, divulgada em 1997, nós, brasileiros, tivemos a própria interpretação do futuro da biotecnologia médica apresentada em O clone escrita por Glória Perez e exibida pela Rede Globo em horário nobre.
Na novela, o personagem Diogo (irmão gêmeo de Lucas) morre em um acidente, logo nos primeiros capítulos. Numa tentativa de resgatar a imagem do afilhado morto, o cientista Albieri realiza o primeiro processo de clonagem humana utilizando as células do irmão gêmeo.
Toda a ficção e a falta de bioética envolvidas na novela causaram grande alvoroço na população não-especializada; mas também trouxeram à tona uma das grandes tendências da comunidade científica: o uso da biologia molecular na área médica. Coincidentemente, nesta mesma época o número de artigos científicos publicados sobre o tema começava a ser expressivo – não por conta da novela, é claro – mas pela evolução das técnicas de biologia molecular e, principalmente, pelo mapeamento do DNA humano no Human Genome Project, finalizado em 2001.
Desde então, a biotecnologia médica tornou-se uma tendência nos grupos de pesquisa e diversas áreas começaram a se interessar pelas novas técnicas. Com isso, grandes avanços foram possíveis em diferentes segmentos, como o diagnóstico de doenças genéticas, testes de paternidade, predição de terapias mais eficientes no tratamento de doenças, impressão de órgãos 3D, entre outras aplicações.
Alguns desses estudos podem até parecer ficção científica – porém, muitos deles já estão em desenvolvimento ou estão sendo utilizados na prática, e não é de agora. Segundo estudos do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), existiam no Brasil em 2011 cerca de 237 empresas que declaradamente empregavam técnicas de biotecnologia, sendo 39,7 % destas empresas relacionadas à saúde humana (um número bem expressivo para um país com tantas dificuldades na produção de conhecimento científico).
O interesse do brasileiro pela biotecnologia acompanha a média global?
Vendo estes números e a aplicação da biotecnologia em serviços voltados para a população, espera-se que mesmo o público leigo estivesse cada vez mais interessado e informado a respeito do assunto, mas não é isso que tem sido visto ultimamente…
Essa “falta de interesse” da população pode ser vista em dados concretos. Um exemplo: Quando consultamos na plataforma Google Trends o número de pesquisas utilizando os termos “medical biotechnology”, no contexto mundial, e “biotecnologia médica”, no contexto nacional, vemos um cenário bem desanimador. Apesar de picos eventuais, a busca pelos termos segue baixas expectativas.
BIOTECNOLOGIA À MESA DO CONSUMIDOR
Se o conhecimento científico na biotecnologia médica vem crescendo e isso afeta de forma direta ou indireta a população, por quê o cliente final parece ainda não ter conhecimento sobre o assunto? Como as empresas pretendem vender um serviço ou um produto se o cliente interessado mal sabe que ele existe?
Talvez o maior desafio do mercado da biotecnologia médica e das demais áreas da biotecnologia é justamente esse: visibilidade e informação. E isso impacta muito mais a sua vida do que você imagina.
Assim como a economia em geral, a biotecnologia médica está sujeita às “leis do mercado”, e isso implica, é claro, em oferta e demanda. Quanto maior a demanda de determinado produto, serviço ou bem de consumo em geral, maior o interesse pela sua disponibilidade. Isso implica em maior produção, maior investimento e maior incentivo.
Um exemplo: se você é a única pessoa que quer um carro voador, terá que pagar muito caro para que ele seja desenvolvido. Porém, se outras milhões de pessoas tiverem esse interesse, o valor de investimento pode ser dividido. Eventualmente, as empresas podem identificar uma oportunidade de mercado e conduzir estudos para o desenvolvimento do produto e venda aos consumidores interessados.
O mesmo acontece, por exemplo, com a cura de doenças, tratamentos disponíveis e acessibilidade a diagnósticos caros. Todos esses bens e serviços, que seriam utilizados pela população graças à biotecnologia médica, podem estar retidos pela desinformação de possíveis clientes. Quanto mais pessoas conhecerem estes tratamentos, maior será a demanda da população, mais empresas vão se interessar em oferecer os produtos, o que gera concorrência, e consequentemente preços mais acessíveis.
É certo que o sensacionalismo da mídia é uma das formas mais fáceis de divulgação nos dias de hoje. Personalidades, eventos e principalmente o marketing publicitário têm usado essa estratégia há anos para o aumento da visibilidade aos olhos do público geral. Mas até onde esta estratégia é benéfica? Seriam “O clone” e filmes de ficção científica a chave para uma forma concreta de divulgação? Será que isso compromete a imagem da pesquisa científica ou ajuda o tópico a se destacar?
Assim como na novela, estamos ansiosos pelos próximos capítulos… Afinal, a vida seria muito simples se fosse feita apenas ATGC.