Um dos marcos estratégicos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) é adicionar na Agenda 2030 sistemas agroalimentarios mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis, a fim de garantir melhor produção e nutrição, além de um meio ambiente e uma vida melhor para todos. No entanto, a FAO estima que em 2050 o planeta terá 9,1 bilhões de habitantes, ou seja, 1,3 bilhões a mais de bocas para alimentar do que hoje, entretanto com a mesma área cultivável atual. Então, como será possível atingir as metas globais e garantir a segurança alimentar e a boa nutrição de toda a população mundial?
A história dos superalimentos
Estima-se que a biotecnologia surgiu com o início da agricultura, há mais de 12 mil anos. Observamos a biotecnologia em exemplos muito antigos, como na fermentação de pães, bebidas, queijos e derivados. A fermentação é o processo em que microrganismos agem em determinados alimentos, transformando-os em um produto final diferente. Hoje, a biotecnologia na alimentação, além de um produto final, pode produzir mais e melhor quando combinada com toda a tecnologia disponível. O aperfeiçoamento dos produtos alimentícios biotecnológicos pode torná-los mais resistentes, reduzindo perdas e aumentando a produção, aumentar a qualidade nutricional e garantir a saúde da população, proporcionando benefícios aos seres humanos e ao meio ambiente.
Nesse contexto, frequentemente nos deparamos com novidades no mercado. Um termo que tem sido bastante comentado na indústria alimentícia é superfoods ou superalimentos. O termo superalimentos não tem uma definição científica e legal, mas é usado informalmente para definir alimentos reconhecidos por suas composições químicas benéficas e altas concentrações de nutrientes, como vitaminas, minerais e antioxidantes, com efeitos positivos na saúde e na prevenção de doenças. São comparáveis aos alimentos funcionais ou aos nutracêuticos. No entanto, alguns pesquisadores enfatizam que os superalimentos têm elevada concentração de nutrientes de forma natural, e não enriquecida como ocorre com a maioria dos alimentos funcionais.
Por incrível que pareça, o termo superalimento surgiu em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial. E você sabe qual foi o primeiro superalimento? A banana! Isso mesmo. Devido a sua versatilidade, nutrição, facilidade de digestão e embalagem natural conveniente, a banana se tornou alimento básico na dieta de adultos e crianças até hoje. O mirtilo, rei dos antioxidantes, só surgiu como o segundo superalimento 73 anos depois. A partir daí, surgiram vários outros nomes, alguns mais raros e outros diariamente consumidos dependendo da região do planeta.
Quem são os superalimentos?
A partir das pesquisas, a biotecnologia tem descoberto a importância desses alimentos nutritivos e presentes na natureza para a nossa alimentação.
A ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), é uma espécie de planta encontrada na Mata Atlântica brasileira e é altamente nutritiva, rica em vitamina C, ácido fólico, com antioxidantes que ajudam a evitar o envelhecimento precoce da pele e das células, fibras que mantém o bom funcionamento do intestino, além de ajudar na manutenção e ganho de massa magra.
As frutas “berries“ (conhecidas como frutos silvestres ou frutos vermelhos) também são exemplos de superalimentos. Entre elas estão a raspberry (framboesa), gooseberry (groselha), blueberry (mirtilo) e strawberry (morango). As frutas berries exibem capacidade antioxidante até 4 vezes maior do que frutas “não-berry”, 10 vezes maior que vegetais e 40 vezes maior que os cereais. Além disso, possuem altos teores de vitaminas A, C e E e níveis muito elevados de compostos fenólicos. Dessa forma, o consumo regular destas frutas ajuda na prevenção e combate de doenças cardiovasculares, de alguns tipos de câncer, da degeneração neuronal, além de combater infecções e melhorar a visão.
As microalgas, como a do gênero Spirulina, apresentam mais de 60% de proteínas em sua composição total, com teor de antioxidantes 31 vezes maior que do mirtilo, 60 vezes maior que do espinafre e 700 vezes maior que o da maçã. Ademais, elas têm 180% mais cálcio do que o leite e apresentam quantidades significativas de betacaroteno, que é convertido em vitamina A e ajuda na produção e manutenção dos fios de cabelo, dentes, gengiva, glândulas, membranas, mucosas, olhos e pele.
Superalimentos e fome: uma solução?
Milhões de toneladas de superalimentos que são desperdiçadas poderiam suprir necessidades de uma parcela da população que sofre com a falta de comida e desnutrição. Muitas dessas plantas que crescem espontaneamente com as condições climáticas existentes na região são consideradas ervas daninhas e removidas com herbicidas para a plantação de espécies exóticas. Isso ocorre porque a sociedade moderna não conhece a origem e as propriedades do alimento e se importa apenas com o valor comercial.
Algumas espécies deixaram as prateleiras do supermercado e passaram a ser utilizadas apenas na produção de cosméticos e materiais de limpeza. A castanha do babaçu, uma espécie de palmeira nativa do nordeste e do estado de Mato Grosso, é rica em ácido láurico, presente também no óleo de coco e azeite de dendê, esteve no mercado por muitos anos. Porém, seu consumo despencou desde 1990 devido à expansão da pecuária sobre as plantações de babaçus e o preço competivivo do óleo de soja.
Essa e muitas outras espécies ricas em nutrientes, que deixaram de ser consumidas e têm ido para o lixo, se cultivadas de maneira correta em regiões onde são nativas, poderiam alimentar milhares de famílias no Brasil e no mundo, com redução de custos de produção.
Tendências de consumo
Um estudo recente indicou que os principais consumidores de superalimentos são mulheres, interessados nos benefícios que eles podem trazer para a saúde e aqueles que gostam de cozinhar, buscando ingredientes naturais. Quem compra esses produtos diz que não se importa em comer refeições “não-familiares” e de difícil acesso. Os consumidores interessados em superalimentos são aqueles que acreditam em seus benefícios para a saúde, que gostam de ser criativos ao cozinhar e de escolher refeições que resultem em emoções positivas. Esses consumidores buscam alimentos que contenham ingredientes naturais, pois sabem do valor nutricional desses produtos, aliado ainda ao cuidado em relação ao meio ambiente.
A tendência é que o mercado nesse ramo cresça 4,5% ao ano em um momento em que os produtores buscam aumentar os lucros com suas terras, e por isso investem em novas plantações. O Brasil, por sua diversidade e pela alta mecanização da agricultura, pode figurar como um dos maiores fornecedores mundiais de superalimentos.
Como a Biotec pode atuar nesse mercado
Redução de perdas, produção de alimentos atrativos e saudáveis, desenvolvimento de superalimentos, são algumas das vantagens que a biotecnologia proporciona para a indústria alimentícia, beneficiando desde produtores até os consumidores finais, incluindo o meio ambiente.
A modificação genética de micro-organismos que atuam na produção de alimentos, a incrementação de nutrientes como ferro e zinco em grãos, de compostos bioativos como flavonóides e vitamina E em vegetais, são realizadas por técnicas comuns do dia-a-dia de um biotecnologista.
Com o avanço das tecnologias e pesquisas inovadoras, a biotecnologia ainda tem muito a descobrir sobre como mudar o panorama alimentício mundial, mas já está tornando os alimentos mais saborosos e nutritivos, além de estar disponível a todos.
A biotecnologia é considerada uma profissão com potencial de crescimento no setor alimentício, com perspectiva de alta remuneração. Na indústria brasileira isso pode ser notável devido a potência da agroindústria do país.
Cite este artigo:
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