A atenção voltada para as Olimpíadas coloca em foco o corpo dos atletas. Potencializada pelas redes sociais, a cobrança por um corpo dentro dos padrões tomou como referência aqueles dos jogos no Japão este ano. E como seria possível aliviar a tensão das comparações? A via de saída pode ser metabólica.
A fagulha das redes sociais
Frases como “vou fazer vôlei para ter essa barriga chapada!”, “se eu começar a nadar agora será que fico com os braços dele?” ou até “nossa, queria um corpo assim…” se tornaram comuns durante a transmissão das Olimpíadas. Os atletas são fonte de inspiração e orgulho para todos os cidadãos dos países que representam, mas também podem ser alvo de muitas comparações corporais estimuladas, principalmente, por comentários no Instagram e Facebook.
Especialistas em cultura digital, médicos e cientistas alertam que as redes sociais agravam doenças ligadas à autoestima, potencializadas pelo seu foco em imagens. “As redes sociais são tão viciantes quanto álcool e cigarro e, entre elas, o Instagram foi avaliado como a mais nociva à saúde mental dos jovens”, afirma um estudo da entidade britânica The Royal Society for Public Health.
O problema é sistêmico e estrutural da sociedade. Isso significa que criticar um atleta por ter seu corpo exposto na verdade só alimenta ainda mais o ciclo vicioso da comparação. Afinal, eles levaram o corpo até o Japão para competir, e não para vencer as expectativas dos outros sobre a forma de seus braços, barriga e pernas.
Mudanças nem tão atuais
Para os gregos antigos, fundadores das Olimpíadas, o corpo perfeito refletia uma mente perfeita. Por isso muitas representações de corpos na Antiguidade seguiam um padrão de simetria e equilíbrio, buscando a perfeição. Mas isso não quer dizer que corpos diferentes não existiram, só mostra que a marginalização deles é mais antiga do que o Instagram. Apesar do culto ao corpo ter sido uma das principais características dos Jogos Olímpicos na Grécia antiga, é possível dizer que muitas coisas mudaram desde então.
Atualmente, os atletas usam roupas e mulheres também podem competir, então porquê continuar com hábitos tão arcaicos quanto estabelecer apenas um corpo como o ideal? Principalmente quando esse corpo atlético, masculino e caucasiano não reflete a real diversidade. Com a quantidade de biotipos diferentes que vemos nas Olimpíadas, cada um moldado pelas particularidades de cada esporte, chega a ser desonesto exigir que um corredor tenha a mesma medida de braço de um levantador de peso.
Outra forma de atenuar a pressão social sob os corpos é entender como a biologia deles funciona. Fica mais fácil gostar do seu corpo quando você entende o que ele faz por você. Fica mais difícil se achar feia quando você entende que o formato do seu corpo não foi selecionado naturalmente para que pudesse ficar bonito em uma foto. Afinal, nenhum corpo nasce com a premissa de ser aceito para ser válido.
A biotecnologia acelerando revoluções culturais
Mudanças corporais são naturais, mas elas também podem não ser. O doping é um tema muito discutido nas Olimpíadas, e uma das formas de aumentar a performance dos atletas sem o uso de substâncias proibidas é através da biotecnologia! O uso de suplementação alimentar, por exemplo, é um meio de potencialização de resultados permitido durante os Jogos e muito utilizado fora deles também. Afinal, as shakeiras nunca estiveram tão populares!
Outra contribuição da biotecnologia está na síntese de hormônios. Essas substâncias produzidas pelo sistema endócrino estão envolvidas em praticamente tudo o que acontece com nosso metabolismo. Apesar de seu uso suplementar ser proibido nas competições, estimular a produção natural de alguns hormônios específicos contribui muito para a performance atlética. E como todos nós, atletas ou não, produzimos hormônios, entender seu mecanismo de ação é entender as mudanças em nossos corpos.
A testosterona, apesar de conhecida como o hormônio masculino, também é produzida em menor quantidade pelas mulheres. A substância é responsável pela disposição física, aumento da massa muscular e construção de massa óssea. Ao ter sua produção estimulada, várias mudanças corporais ocorrem, como a maior produção de pelos e alterações na voz e órgãos sexuais. E essas alterações não ocorrem apenas na puberdade, podendo ser desencadeadas mais tardiamente na vida por causas naturais ou escolhas conscientes.
O uso de testosterona é muito comum em pessoas transexuais que estão passando por uma masculinização de seus corpos. Essa edição das Olimpíadas contou com a participação da primeira mulher trans (Laurel Hubbard). Além de toda a polêmica sobre a sua perfomance, ela sofreu violentos ataques de ódio simplesmente pela existência de seu corpo como ele é. Mesmo com a atual existência de (bio)tecnologias que permitem a escolha por essas mudanças, o preconceito ainda é um retrocesso.
A biologia entre expectativas e realidades corporais
Aceitar desvios do padrão em nosso próprio corpo também pode ser uma tarefa difícil. A existência de espinhas, com milímetros de comprimento, pode ser a causa de várias sessões de terapia. A função da pele é ser uma grande “capa de proteção” contra invasores externos, como bactérias, fungos, produtos químicos e fatores ambientais como o sol. A regulação da temperatura e a excreção de toxinas também estão na sua lista de tarefas diárias. Se ela tivesse que se preocupar com as espinhas, talvez ela de fato falhasse no que precisa fazer.
Dando foco para o que não conseguimos enxergar, também temos muitos exemplos de trabalhos realizados incansavelmente pelas células. As de gordura, tão intensamente atacadas, são fonte de reserva energética, isolantes térmicas, protetores contra choques físicos nos órgãos, além de ter funções endócrinas. Os adipócitos são capazes de liberar até duas vezes mais energia que os carboidratos, sendo usados em longos períodos de atividades físicas. Ter gordura no seu corpo significa ser capaz de ir mais longe.
E falando em energia, a fonte para sua geração rápida são os carboidratos. A metabolização deles é tão complexa que pode até ser dividida em três partes: glicólise, ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. A glicose é a única molécula energética aceita pelo cérebro, então deixar de consumi-la tem um efeito muito nocivo para todo o corpo. Que tal antes de cortar o açúcar da dieta sem prescrição médica, conhecer o caminho que ele percorre para se transformar no seu combustível diário?
Padrões reais
O estudo do metabolismo é um dos temas da Bioquímica, matéria bastante assustadora para alunos de ciências biológicas devido à sua grande complexidade. São milhares de moléculas se transformando em outras a cada segundo para tornar possível a sua existência. É simplista demais categorizar o resultado disso como feio ou bonito para ser verdade. Existem muitos padrões bem definidos no metabolismo, mas nenhum deles tem conotação estética.
Enquadrar corpos dentro de um padrão de beleza não tem ética em nenhuma área da biologia. O sistema é limitante e desonesto, mas existem sim meios de combatê-lo! Se emocionar com cada medalha durante as Olimpíadas é muito válido, mas fora dos Jogos Olímpicos, nenhum corpo de fato merece alguma medalha, porque nenhuma competição comparativa deveria ser estimulada.
Cite este artigo:
CORTES, D. A. A competição dos corpos fora das Olimpíadas. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/a-competicao-dos-corpos-fora-das-olimpidas/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Que texto!!!
sua mensagem vai além da biotecnologia.
Acalenta nossa ansiedade pelo corpo perfeito, estereotipado pela mídia social!
Parabéns por essa mensagem, filha!
Muito libertador, esse texto!