A diabetes é uma doença metabólica derivada da autoimunidade, na qual as células do sistema imunológico matam as células produtoras de insulina (diabetes tipo I); ou adquirida com o tempo, na qual a produção de insulina é reduzida ou não consegue ser metabolizada corretamente pelas células (diabetes do tipo II). O medicamento Ozempic (Semaglutida) pode ser indicado como ferramenta terapêutica para o último caso, a diabetes do tipo II. Porém, muitas pessoas o vêm utilizando de forma off label (fora das recomendações da bula). O que você acha disso? Certo ou errado? Venha conferir um pouco mais sobre aqui!
O que é a Diabetes?
A diabetes mellitus é uma síndrome metabólica (parte das reações químicas que geram energia para as células, de forma a manter suas funções), que ocorre devido à falta de insulina. Esse hormônio é responsável pela entrada da glicose (a principal fonte de energia das nossas células) nas células, reduzindo a glicemia (nível de açúcar no sangue).
A obtenção de energia para os organismos começa a partir da ingestão de alimentos. Esses carboidratos, proteínas e gorduras são convertidos em glicose (os famosos açúcares!). Enquanto isso, no pâncreas, mais especificamente nas ilhotas de Langerhans, é produzida a insulina. Esse hormônio sinaliza às células que a glicose está a caminho, garantindo sua entrada a partir de proteínas na membrana celular.
A insulina é secretada de forma basal (contínua) ou prandial (em picos, de acordo com os picos de glicemia). Quando este hormônio é sintetizado em níveis baixos ou é ausente, a glicose permanece na corrente sanguínea, gerando graves consequências como alterações cardíacas, visuais, renais e nervosas.
Tipos de Diabetes
A diabetes do tipo I acontece quando as células do sistema imunológico eliminam as células produtoras de insulina no pâncreas. Desta forma, a glicose permanece no sangue e não é utilizada pelas células. Este tipo de doença autoimune compreende de 5-10% dos casos de diabetes e normalmente começa durante a infância.
A diabetes do tipo II ocorre quando a insulina é produzida, mas não consegue ser metabolizada ou sua produção é baixa. Acontece em cerca de 90% dos casos e, em geral, em adultos. Os fatores de risco para seu desenvolvimento são a obesidade, sedentarismo, hipertensão e histórico familiar.
A diabetes também pode ocorrer durante a gestação, devido às mudanças hormonais sofridas pela mulher. Isso porque durante a gestação, há uma redução na ação da insulina a fim de aumentar a disponibilidade de nutrientes para o feto. Com isso a gestante produz níveis maiores de insulina de forma a compensar e regular os níveis de glicose no sangue. Mas no caso da diabetes gestacional, essa regulação não ocorre, e mesmo com o aumento dos níveis de insulina a glicemia da gestante permanece alta, ocasionando a doença.
Tratamentos para a diabetes
Os pacientes com a diabetes tipo 1 precisam administrar insulina diariamente, além de aferir sua glicose com regularidade através de equipamentos portáteis. Essa insulina comercial pode ser humana (de DNA recombinante) ou análogas. Já a diabetes do tipo II, em geral, possui três abordagens terapêuticas:
- Fármacos inibidores de glicosidase: impedem a absorção intestinal de açúcares;
- O uso das sulfonilureias ou das glinidas: estimulam a produção de insulina pelo pâncreas.
Normalmente pacientes que apresentam essa doença também possuem outras comorbidades, como obesidade e hipertensão. O Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe de seis medicamentos gratuitos para o tratamento dessa condição, além de várias outras doenças associadas. Realizar um planejamento alimentar e atividades físicas também é essencial para o tratamento.
O que é o Ozempic?
O Ozempic é um medicamento utilizado para tratar a diabetes do tipo II, através da segunda via terapêutica (estímulo da produção de insulina). Ele possui como princípio ativo a Semaglutida, proteína sintética que mimetiza o hormônio GLP-1 (peptídeo 1 semelhante a glucagon), agonista (ou seja, que se liga no mesmo receptor) de uma pequena proteína similar ao glucagon no intestino. Em outras palavras, o medicamento é um “falso glucagon”, estimulando a produção de glicose pelo fígado, aumentando a captação de insulina para dentro das células, além de retardar a saída do alimento pelo estômago e impedir o fígado de liberar glicose. Portanto, esse medicamento tem como resultado a redução do apetite, tendo como consequência secundária a perda de peso.
Por ser uma proteína artificial, a Semaglutida conta com o auxílio de ferramentas biotecnológicas para a sua produção. O Ozempic é produzido com o auxílio de bactérias ou leveduras geneticamente modificadas. Pra isso, um vetor (fragmento de DNA contendo o gene de interesse) é inserido em uma célula (como a de Saccharomyces cerevisiae). Em seguida, esse peptídeo produzido é isolado e clonado (ou seja, multiplicado). Para a produção em massa dessa proteína, esses organismos são cultivados em biorreatores, através da fermentação e com condições de cultura (pH, temperatura e nutrientes) rigorosamente mantidas. Por fim, essas células são degradadas e o produto (a proteína de interesse) é separada da biomassa, através de filtração e cromatografia.
Por que é utilizado para o emagrecimento?
O uso off label (fora das indicações da bula) do Ozempic é permitido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) no Brasil, desde que possua indicação médica. Porém, a Nova Nordisk (fabricante do medicamento) emitiu uma nota condenando o seu uso fora das indicações para o tratamento. O uso indiscriminado do Ozempic para o emagrecimento tem causado a falta deste medicamento nas prateleiras para as pessoas que realmente sofrem com a diabetes. Já a Anvisa não aprova o Ozempic e, sim, seu similar, o Wegogy, que também contém a Semaglutida como princípio ativo e cujouso foi aprovado para a perda de peso.
Por regular o apetite, além de dar maior saciedade e manter o alimento mais tempo no estômago, diversas celebridades (de forma declarada ou não) abordaram o uso do medicamento com a finalidade de emagrecer. Elon Musk, Amy Shumer e Jojo Todynho são alguns dos adeptos, além de suspeitar-se que as Kardashians também fizeram uso deste fármaco para a perda de peso. Nos Estados Unidos, a utilização para perda de peso é aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), especialmente para o controle da obesidade, em casos extremos. Assim como no Brasil, o uso do Ozempic para perda de peso não é aprovado, apenas o uso do Wegovy.
E quais as consequências do seu uso sem prescrição?
Como todo medicamento, o Ozempic possui efeitos colaterais. Dentre eles, náuseas, vômitos, dor abdominal, fadiga, tontura, desnutrição, desidratação e até ideação suicida. Outro efeito negativo derivado do uso do Ozempic é o efeito rebote, ou seja, o peso perdido durante o tratamento retorna (às vezes em níveis maiores do que foi perdido) após o final do tratamento. Logo, para evitar esta consequência, a interrupção deve ser feita de forma gradual e acompanhada por mudanças na dieta e exercícios. Uma demonstração prática do uso indiscriminado do Ozempic foi uma jovem que, recentemente, foi internada por insuficiência hepática devido a utilização sem recomendação do medicamento.
Infelizmente, o uso indiscriminado e estético leva a falta do medicamento para os diabéticos, esvaziando os estoques. Vale ressaltar que os valores do produto giram em torno de R$ 900-1100 cada caneta aplicadora, que contém até oito doses, dependendo do uso. Portanto, além de ser um tratamento caro, seu uso sem prescrição é utilizado por um grupo bem seleto de pessoas mais abastadas.
O medicamento de mesmo princípio ativo, aprovado pela Anvisa, para o emagrecimento em casos de obesidade, é o Wegovy, também produzido pela Nova Nordisk. Porém, precisa de indicação e acompanhamento médico.
* O texto aborda os efeitos da substância Semaglutida, vendido comercialmente como Ozempic, Wegovy ou Rybelsus. No texto, optamos pelo uso do termo Ozempic devido a sua maior popularidade.
Cite este artigo:
FRADE, B. B. A era do Ozempic: como medicamento para a diabetes vem sendo usado para o emagrecimento. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/a-era-do-ozempic-como-medicamento-para-a-diabetes-vem-sendo-usado-para-o-emagrecimento>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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Fonte da imagem destacada: Pixabay.
Olá, muito bom texto! Bastante interessante, parabéns!
Eu fiquei com uma dúvida na explicação sobre o funcionamento do medicamento. Ele estimula a produção de glicose? Para aumentar a captação de insulina pelas células? Pelo o que estava entendendo, seria o contrário.