Um olhar para as microalgas como ferramentas biotecnológicas que prometem melhorar diversos setores da nossa vida
microalgas

 As microalgas têm sido alvo de interesse dos cientistas nos últimos anos por apresentarem uma enorme versatilidade para serem utilizadas nos setores de energias renováveis, indústria alimentícia, tratamento de efluentes, e saúde animal e humana. Além disso, já é possível o uso de técnicas de engenharia genética para modificar o material genético das microalgas, possibilitando uma maior eficiência na obtenção de bioprodutos.

Quem são as microalgas?

As microalgas são algas unicelulares, podendo ser procarióticas ou eucarióticas, e são ricas em fontes de carbono. Apresentam uma enorme biodiversidade e já foram identificadas substâncias de interesse biotecnológico produzidas por diferentes espécies.

 Por apresentarem um crescimento rápido em diferentes ambientes aquáticos e se multiplicarem de forma exponencial (uma única microalga dá origem a duas), seu cultivo em laboratório é relativamente fácil e muito eficiente para obter grandes quantidades de substâncias que são extraídas da sua biomassa.

Diversidade de microalgas, Microscopia em fase de contraste
Diversidade de microalgas. Microscopia em fase de contraste. Fonte: Andrei Savitsky
Microscopia da microalga Pvlova sp
Microscopia da microalga Pvlova sp. Fonte: CSIRO

As microalgas apresentam alto conteúdo de proteínas, lipídeos e carboidratos que podem ser utilizados na produção de biocombustíveis e alimentos, além de outras substâncias que podem ser aplicadas na indústria farmacêutica e na composição de biofertilizantes

Em relação ao cultivo em larga escala, pode ser realizado em tanques ou  fotobiorreatores. A perspectiva é que, futuramente, o uso de microalgas em bioprocessos de larga escala atinja um custo baixo de produção, contemplando questões econômicas e ambientais.

Fotobiorreator tubular de vidro  para cultivo de microalgas em sistema fechado
Fotobiorreator tubular de vidro  para cultivo de microalgas em sistema fechado. Fonte: IGV Biotech 

Aplicações das microalgas na produção de biocombustíveis

Na produção de biocombustíveis, as microalgas são consideradas ecológicas, não tóxicas e uma fonte renovável. As microalgas conseguem gerar uma biomassa com diversos carboidratos (glicogênio, amido, celulose e ágar) que podem ser convertidos em açúcares fermentáveis para a produção de etanol, e elevado conteúdo de lipídios (entre 50-70%), sendo favoráveis para a produção do biodiesel. Outras vantagens em relação à produção de biocombustível a partir de plantas, é que as microalgas   não requerem o uso de terras cultiváveis e podem  crescer  em águas do mar, residuárias ou proveniente de outros processos de produção (indústria, agricultura, etc).

Apesar dos biocombustíveis produzidos por microalgas ainda não serem considerados economicamente viáveis, existem muitas empresas em nível mundial que os estão produzindo em escala comercial. Algumas delas, como a Algenol, Saphire Energy e Seambiotic prometem uma produção de 1 bilhão de galões/ano de bioetanol a partir das microalgas a um custo de 0,85 centavos/litro. 

No Brasil, as microalgas são estudadas para a produção em escala comercial de biodiesel e de bioquerosene de aviação (BioQAV), respectivamente, por pesquisadores do Centro de Pesquisas  da Petrobrás (Cenpe) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Petrobrás.

Cultivo de microalgas em biorreatores abertos do tipo “raceway ponds”
Cultivo de microalgas em biorreatores abertos do tipo “raceway ponds” como alternativa para a produção de biocombustíveis. Fonte: Courtesy of Pacific Northwest National Laboratory

Aplicações das microalgas na indústria alimentícia

Quem nunca se deparou com balas de agar-ágar à base de microalgas em farmácias e até supermercados? Formulações comerciais direcionadas para nutrição podem conter produtos produzidos por ou contendo microalgas em barras, gomas, pasta e até bebidas, uma vez que estes microrganismos apresentam um alto conteúdo de proteínas e pigmentos. A própria comida dos astronautas da Nasa contém em sua formulação a microalga da espécie Chlorella vulgaris, a qual apresenta um alto teor de proteínas, ácidos graxos e vitaminas. 

Em relação à produção de cerveja, as microalgas podem auxiliar na redução da emissão de gás carbônico gerado pelo processo fermentativo das leveduras, como proposto pela empresa australiana Young Henrys.  A tática é cultivar as microalgas em biorreatores ligados por tubulações ao fermentador, de forma que o gás carbônico gerado pelas leveduras seja levado ao biorreator onde as microalgas o convertem em oxigênio. 

Outra aplicação na indústria alimentícia é na extração de Ômega 3, para fins nutricionais e como antioxidante, diretamente do cultivo de microalgas, pois são a fonte natural desse ácido graxo. Esse é um projeto da empresa espanhola Neoalgae. Nos peixes, as concentrações de Ômega 3 são menores, justamente por eles o obterem pela ingestão das próprias microalgas e outras algas marinhas. A obtenção direta das microalgas também permite uma produção muito mais sustentável, natural, e como alternativa para os veganos.

Aplicações das microalgas para geração de bioprodutos As microalgas também são utilizadas para a obtenção de  bioprodutos que são utilizados como antibióticos, antioxidantes e em cosméticos. Várias espécies produzem pigmentos importantes comercialmente, como beta-caroteno, ficobiliproteínas e astaxantinas, os quais podem auxiliar no  tratamento de tumores e desordens neurológicas. Até mesmo os ácidos graxos produzidos pelas microalgas apresentam efeitos terapêuticos para asma, doenças cardíacas e artrite. 

Diversos bioprodutos são obtidos por empresas a partir das microalgas com potencial de uso terapêutico e dentre eles podemos citar:

  • Astaxantina, a partir do gênero Haematococcus, pelas empresas Cyanotech (EUA) e Mera (EUA) para tratamentos anti inflamatórios e da Síndrome do Túnel de Carpo, respectivamente;
  • Vitamina B12, a partir do gênero Spirulina, pela empresa Panmol/Madaus (Áustria) para a melhora da resposta imunológica;
  • DHA (ácido docosa-hexaenóico), a partir do gênero Ulkenia, pela empresa Nutrinova/Celanese (Alemanha) para tratamento de doenças cerebrais e cardíacas.
Micrografia da alga Haematococcus pluvialis, em estado de dormência, produzindo o carotenóide astaxantina (que dá a cor avermelhada à célula) para se proteger contra a oxidação e radiação ultravioleta. Esse carotenóide é um poderoso antioxidante utilizado na medicina e em cosméticos. Fonte: Nogile

Aplicações das microalgas na biorremediação de efluentes

As microalgas podem ser utilizadas para biorremediação, sendo aplicados em sistemas de tratamento de água, descontaminação de metais pesados e remoção de gás carbônico atmosférico.

Os processos de biorremediação de efluentes visam, principalmente, a remoção de nitrogênio e fósforo, que são fontes de nutrientes para as microalgas, e de metais pesados como o cobre, cádmio e chumbo. As espécies mais comumente estudadas para tais fins são as microalgas do gênero Chlorella.

O processo de remoção dos metais pesados do ambiente aquático acontece em duas etapas:

  • Biossorção:  os metais pesados se ligam às proteínas, lipídeos e polissacarídeos da superfície celular das microalgas;
  • Bioacumulação: Difusão dos metais pesados para o interior da célula, onde eles formam complexos organometálicos com proteínas e podem ser sequestrados em vacúolos no citoplasma. Dessa forma, a microalga consegue regular a concentração dos metais pesados na célula e mitigar seus efeitos tóxicos.
Esquema de Biorremediação de água contaminada com metais
Biorremediação de água contaminada com metais pesados através da biossorção realizada por microalgas. O biorreator contém microalgas imobilizadas em esferas que são restritas a dois compartimentos. A água contaminada passa por esses dois compartimentos para que os metais pesados sejam removidos pelas microalgas, culminando na água tratada. Figura adaptada do artigo científico “Towards sustainable development of microalgal biosorption for treating effluents containing heavy metals”, Salam, K. A. (2019).

Dependendo da concentração, os metais pesados podem ser tóxicos para as microalgas, ou, no caso das espécies que apresentam resistência, podem induzir um maior acúmulo e mudança na composição de ácidos graxos (lipídeos) pelas microalgas, devido ao estresse desencadeado no interior da célula. Futuramente, isso pode ser explorado no setor de produção de biocombustíveis com propriedades mais desejáveis e uma maior qualidade.

As microalgas também apresentam um potencial de aplicação na remoção de compostos orgânicos presentes em efluentes como corantes, pesticidas, óleo cru, xenobióticos, dentre outros. Nesse contexto, a premissa é que elas possam biotransformar esses poluentes em substâncias não tóxicas ou produtos que sirvam como fonte nutricional.

Engenharia genética em microalgas

     Atualmente, já é possível utilizar a engenharia genética para modificar o  material genético dos cloroplastos, organelas responsáveis pela fotossíntese nas microalgas. A vantagem de se introduzir genes de interesse no material genético dessa organela e não no DNA nuclear se deve ao fato de uma única célula ter vários cloroplastos. Dessa maneira, há o aumento significativo da produção da molécula de interesse no interior desse organismo unicelular. 

Diversos estudos já conseguiram introduzir genes de interesse nos cloroplastos de microalgas para fins específicos. Dentre os genes introduzidos podemos citar: 

  • Gene para produção de um anticorpo monoclonal específico contra o vírus da hepatite B pela microalga da espécie Phaeodactylum tricornutum, que pode ser utilizado em terapia médica, diagnóstico e pesquisa 
  • Gene AtWRI1 da planta Arabidopsis para aumentar a produção de biocombustível pela microalga da espécie Nannochloropsis salina.
  • Gene E7GGG do vírus do papiloma humano para desenvolver uma vacina
  • Gene sintético NCQ para produzir uma proteína bioativa (quimérica) que tem peptídeos com atividade antimicrobiana, antihipertensiva, hipocolesterolêmica e opióide.

Em destaque, podemos citar também um estudo que introduziu genes Cry do Bacillus thuringiensis da subespécie israelensis (Bti) nos cloroplastos da microalga Chlamydomonas reinhardtii para a produção de toxinas contra larvas dos mosquitos que transmitem a dengue (Aedes aegypti) e filariose (Culex quinquefaciatus). A ideia é possibilitar uma maior produção dessa substância tóxica para a elaboração de biopesticidas e até utilizar essas microalgas no biocontrole desses mosquitos, considerando que elas habitam ambientes aquáticos e podem servir como fonte de alimento para as larvas. 

Cultivo de microalgas em erlenmeyer
Cultivo de microalgas em laboratório. Fonte: Linda Polik/Flickr

A biodiversidade das microalgas é imensa e grande parte ainda desconhecida,  acredita-se que podem haver de 200 mil a milhões de espécies neste grupo. Pensar nisso, nos dá a perspectiva de que podemos identificar uma variedade de novas substâncias que podem ser utilizadas de forma ecológica e sustentável em diversos setores.  O futuro parece promissor para fazermos grandes parcerias com essas criaturinhas amigáveis e versáteis. E o sucesso depende de uma grande aliada, a Biotecnologia

Perfil Fabiano
Texto revisado por Natalia Videira e Bianca Chaves

Cite este artigo:
ABREU, F. C. P. A versatilidade das microalgas nas aplicações biotecnológicas. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/a-versatilidade-das-microalgas-nas-aplicacoes-biotecnologicas/> Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:
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SIDDIQUI, Ayesha et al. Engineering microalgae through chloroplast transformation to produce high‐value industrial products. Biotechnology and applied biochemistry, v. 67, n. 1, p. 30-40, 2020.
DERNER, Roberto Bianchini et al. Microalgas, produtos e aplicações. Ciência Rural, v. 36, p. 1959-1967, 2006.
KANG, Seongjoon et al. Toward mosquito control with a green alga: Expression of Cry toxins of Bacillus thuringiensis subsp. israelensis (Bti) in the chloroplast of Chlamydomonas. Journal of applied phycology, v. 29, n. 3, p. 1377-1389, 2017.
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GHASEMI, Younes; RASOUL‐AMINI, Sara; FOTOOH‐ABADI, Elham. The biotransformation, biodegradation, and bioremediation of organic compounds by microalgae 1. Journal of phycology, v. 47, n. 5, p. 969-980, 2011.
SALAM, Kamoru A. Towards sustainable development of microalgal biosorption for treating effluents containing heavy metals. Biofuel Research Journal, v. 6, n. 2, p. 948, 2019.
Fonte da imagem destacada: Wikimedia.

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