Uma cervejaria australiana chamada Young Henrys anunciou sua contribuição para a diminuição do aquecimento global. Como? Incorporando algas no processo de fabricação de seus produtos! E se você está se perguntando “que na produção de cervejas utilizam-se leveduras, eu já sabia. Mas algas?” Calma! Segue o texto!
Não é só a cintura que aumenta com o consumo elevado de cervejas…
Já explicamos aqui todo o processo de fabricação da cerveja. Mas, vamos relembrar: a cerveja é obtida por meio de um processo fermentativo. As leveduras utilizam o açúcar disponível no malte (que é o produto da germinação da cevada) para produzir energia. Como consequência do seu metabolismo, elas convertem a glicose em etanol (C2H5OH) e gás carbônico (CO2), conforme a equação abaixo:
C6H12O6 → 2C2H5OH + 2CO2 + calor
As cervejas podem variar bastante em seus ingredientes e nas embalagens utilizadas, e de acordo com essas variações, a emissão de gás carbônico também flutua. Porém, de maneira geral, a natureza leva um total de três dias para absorver todo o carbono que é emitido na etapa da fermentação para a produção de seis unidades de cerveja, por meio do processo de fotossíntese (que consiste em utilizar o gás carbônico para a produção de glicose). Vale ressaltar, no entanto, que apesar desta etapa contribuir de forma significativa para a emissão de CO2, a embalagem é o componente da cerveja que mais gera impactos ambientais – para esse problema a melhor solução ainda é a reciclagem.
O objetivo da cervejaria, que se uniu com o Grupo de Mudanças Climáticas da Universidade de Tecnologia de Sydney, é fazer da fabricação de cervejas um processo mais neutro em termos de emissão de carbono – ou seja, diminuir a sua pegada de carbono (que é a quantidade desse gás proveniente da produção, uso e fim da vida útil de um produto). A ideia é instalar um biorreator para o cultivo de algas e conectá-lo ao fermentador. À medida em que o CO2 é liberado no processo fermentativo, ele é transportado por meio de tubulações para o biorreator e assimilado pelas algas, que consomem esse CO2.
Para testar a efetividade do sistema, a cervejaria realiza de maneira rotineira um teste utilizando dois biorreatores contendo a cultura de algas. O primeiro – o controle – contém CO2, oxigênio e as células das algas; o segundo, o teste, contém estes mesmos três componentes, porém o biorreator fica conectado a um tanque de fermentação, o que confere uma quantidade extra de CO2. De acordo com Oscar McMahon, co-fundador da cervejaria e um dos líderes do projeto, ao final de cada dia, o biorreator teste contém consistentemente 50% a mais de algas. Este teste mostra a efetividade da absorção do aporte extra de CO2 pelas algas para o seu crescimento.
O porquê da ideia ter tanto potencial
“Alga” é um termo geral para um grupo bastante diverso de organismos fotossintéticos que vivem em ambientes marinhos, embora também possam ser encontradas em ambientes terrestres como solos úmidos, troncos e folhas. São seres vivos eucariontes que possuem cloroplasto e, portanto, capacidade de realizar a fotossíntese (reação bioquímica na qual o gás carbônico presente na atmosfera é fixado em moléculas orgânicas).
De maneira específica, as algas utilizadas no projeto da cervejaria são as microalgas, organismos unicelulares encontrados tanto em sistemas marinhos como em água doce, e que podem viver tanto individualmente como em cadeias ou em grupos. Para se ter uma ideia da importância desses micro-organismos para a vida na Terra, estima-se que eles são responsáveis pela produção de mais da metade de todo o oxigênio atmosférico!
É justamente na reação da fotossíntese que ocorre a absorção do gás carbônico oriundo da fermentação: por serem organismos autotróficos, as algas verdes são capazes de produzir os nutrientes necessários para o seu crescimento a partir do CO2, na presença da luz solar. A reação da fotossíntese está descrita abaixo:
6CO2 + 6H2O + luz solar → C6H12O6 + 6O2
Você percebeu que, ao passo em que na reação da fermentação o gás carbônico é o produto da reação, na reação de fotossíntese ele é o reagente e, portanto, é consumido? É por isso que acoplar o tanque de fermentação da cerveja ao biorreator é uma ideia promissora: as duas reações se “compensam”, e o que é produzido em uma é consumido na outra.
Além da assimilação do gás carbônico, há uma segunda vantagem, que é a produção de gás oxigênio. O biorreator da Young Henrys, por exemplo, que tem 400 litros de capacidade e aproximadamente 2400 trilhões de células de algas, produz tanto oxigênio quanto um hectare de uma floresta australiana durante um ciclo do processo de fotossíntese!
O próximo passo do projeto é escalonar o processo, ou seja, aumentar a capacidade de produção do mesmo. Para isso, o time da cervejaria já está em contato com uma equipe de engenheiros e outros profissionais da área para tornar o projeto viável. Os cientistas estão confiantes de que tanto as micro-cervejarias quanto as cervejarias nacionais conseguirão facilmente se adaptar à estrutura necessária para a incorporação desta nova tecnologia.
E então, mais uma inovação da biotecnologia para tornar o mundo um lugar melhor! Essa merece até um brinde, não é mesmo?
Referências:
MindFood. Smart Thinker: Dr Alexandra Thomson, renowned marine ecologist. Disponível em <https://www.mindfood.com/article/smart-thinker-dr-alexandra-thomson-superstar-marine-ecologist/>.
Josh Bonifield por FoodTank. Australian Brewery Incorporates Algae into Beer Production. Disponível em <https://foodtank.com/news/2020/06/australian-brewery-incorporates-algae-into-beer-production/>.
Younghenrys. Young Henrys & UTS: The Algae Project. Disponível em <https://younghenrys.com/algae>.