Alimentos do futuro (Parte 1): 13 empresas pioneiras no desenvolvimento das comidas biotecnológicas

Já pensou em comer uma carne produzida em laboratório? Um leite sintetizado por fungos? Ou um queijo impresso em impressora 3D?
planta mãos

Já pensou em comer uma carne produzida em laboratório? Um leite sintetizado por fungos? Ou um queijo impresso em impressora 3D? As comidas do futuro são uma alternativa à produção de alimentos atual, que tem como consequência a geração de gases do efeito estufa (pelo uso de fertilizantes, onde bactérias do solo liberam óxido nitroso; pela derrubada de árvores, o que reduz a retirada de CO2 pelas plantas; e a queima de resíduos e combustíveis, o que também emite gases poluentes), a disseminação de novas doenças (pela destruição das florestas e maior contato com patógenos antes desconhecidos ao nosso organismo) e a desnutrição (graças a má distribuição de nutrientes), gerando ⅓ do total de emissões de poluentes mundiais. 

Venha conhecer as novas propostas de alimentos, mais sustentáveis e mais saudáveis que as atuais. Neste primeiro texto, iremos abordar a produção de alimentos por vias não convencionais, especificamente a produção de alimentos a partir de células, em laboratório, a partir da impressão 3D e por meioda utilização de Inteligência Artificial para a elaboração de receitas.

A questão alimentar

É inegável que estamos enfrentando alterações climáticas em nosso planeta. O aumento da temperatura global, do volume de chuvas, de novas doenças, da poluição e da perda de ecossistemas ocorrem em associação a um intenso crescimento populacional. A ausência de um planejamento para o aumento populacional leva a condições como a fome e a desnutrição, devido a má distribuição de alimentos. Em paralelo, as terras sofrem com o plantio de monoculturas e o uso de agrotóxicos, enquanto os animais padecem em condições inadequadas e violentas, além de contribuírem com a produção de gases do efeito estufa.

Salada
A produção sustentável de alimentos, assim como uma distribuição igualitária dos mesmos, é essencial para um futuro melhor. #ParaTodosVerem: Observa-se um prato e mesa repletos de vegetais, legumes e frutas. Fonte: Unsplash.

Atualmente, existem mais de 8 bilhões de pessoas no mundo. E, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), cresceremos para 9,7 bilhões de pessoas em 2050. Para que esse aumento ocorra de forma sustentável, é preciso começar a utilizar os recursos naturais de forma racional, redistribuir a renda e, em especial, os alimentos. Além disso, precisamos buscar alimentos mais sustentáveis, com menos necessidade de pastos, água, cereais e energia.

Outras razões para essa nascente de alimentos alternativos (ou ‘artificiais’) se deu pelo próprio avanço da ciência. As descobertas envolvendo a manipulação e multiplicação de células auxiliaram na produção de alimentos a partir de células animais e vegetais, com o uso de biorreatores. Esses biorreatores utilizam células, enzimas ou microorganismos para a aceleração de processos aeróbicos ou anaeróbicos, através da fermentação. Além disso, a biotecnologia possibilita a manipulação genética desses organismos, ampliando a gama de sínteses possíveis.

Por outro lado, outra vertente mais antiga no mercado são as comidas plant-based (ou a base de plantas). Utilizando vegetais e cereais, como batatas e soja, esses alimentos, em sua totalidade ou parcialmente (utilizando apenas algumas moléculas ou substâncias derivadas) são processados através de técnicas como extrusão (cozimento a altas temperaturas e pressão), banhos em água gelada, adição de temperos e conservantes, a fim de se tornarem algo próximo do alimento a base de animais original. 

Em outra frente, as biotintas permitem a impressão 3D de alimentos.. Estas tintas são produzidas a partir de produtos como células, biomateriais e vegetais. Desta forma, podemos produzir alimentos de forma mais sustentável, utilizando menos recursos animais e vegetais e produzindo volumes iguais ou maiores de alimentos em comparação à produção tradicional. Neste texto abordaremos os produtos mais populares no mercado de alimentos alternativos/vegetarianos/veganos, como carnes, laticínios e ovos, que utilizam a agricultura celular, a impressão 3D ou as comidas plant-based para sua produção. 

13 alimentos do futuro

Empresas que produzem alimentos cárneos e seus produtos: 

Mosa Meat: utiliza células derivadas de músculo bovino de vacas Limousin para crescimento de carnes em laboratório. A partir de um pequeno grupo de células, é capaz de diferenciá-las em músculo ou gordura, conseguindo produzir mais de 80 mil hambúrgueres com o mesmo backgroung genético encontrado nas vacas.

Beyond Meat: utiliza produtos vegetais como soja e cenouras que, através de extrusão (cozimento a altas temperaturas e pressão, de forma a moldar a forma e textura do alimento), produzem carne. Promete ser sem colesterol ou glúten. Contém como principais ingredientes proteína de ervilha, óleo de canola, coco e proteína de arroz. Apesar de natural, o número de ingredientes e processos ainda o enquadram como alimento ultraprocessado.

Impossible Foods: produz carnes e salsichas a partir da fermentação de fungos geneticamente modificados para a produção da proteína heme (que dá a cor avermelhada à carne). Realiza parceria com o Burger King em suas versões veganas. Promete possuir mais proteína e menos gordura e colesterol que uma carne tradicional. 

Carne moída
Carnes podem ser produzidas em laboratório ou impressas a partir de células animais ou vegetais, ou por meio de bases vegetais, como sementes e legumes. #ParaTodosVerem: Carne em vasilha é disposta ao redor de frutas, legumes e vegetais. Fonte: Unsplash.

Marfrig: apesar de ser uma empresa de pecuária tradicional, comercializando peixes, frangos e vegetais, a segunda maior  companhia brasileira na área alimentícia também possui uma linha de carnes à base de vegetais. 

Bioedtech: empresa brasileira de biotecnologia que utiliza a bioimpressão 3D e o cultivo tridimensional de células animais para a produção de alimentos. Além disso, também produzem impressoras 3D, promovem cursos online sobre a área e investem em pesquisa sobre o tema. 

Fazenda Futuro: tendo como garota-propaganda a cantora Anitta, essa empresa brasileira produz diferentes formatos de carne (moída, almôndegas, linguiça e frango) a partir de produtos vegetais como soja, ervilha, grão de bico e beterraba, utilizando diferentes técnicas para a sua produção.

Behind The Foods: através de estudos sobre anatomia animal, fisico-química das carnes e engenharia alimentar, a startup brasileira pretende produzir carnes à base de plantas, como batata, soja, coco e beterraba. Promete replicar a textura dos tecidos muscular, adiposo e fibroso.

Empresas que produzem leite e derivados:

Perfect day: utiliza fungos e bactérias geneticamente modificados para produção de proteínas presentes no leite de vacas. Desta forma, conseguem sintetizar leite, queijo e sorvetes sem utilização animal.

TurtleTree Labs: utiliza células-tronco de mamíferos para produção de leite, em biorreatores, através da fermentação,  evitando o uso de antibióticos e hormônios normalmente utilizados nas vacas.

New Culture: produz queijos, como mussarela, a partir da proteína caseína, produzida por microrganismos a partir de fermentação.

Jarra de leite
Leite e derivados também podem ser produzidos em laboratório ou impressos. #ParaTodosVerem: Frasco de leite é derramado em copo de vidro. Fonte: Unsplash.

The Not Company: a Inteligência Artificial (IA) chamada Giuseppe vasculha constantemente a internet em busca de  espécies de plantas, que são analisadas a nível molecular. Desta forma, a própria IA escreve receitas a partir destas informações que não utilizam carne, ovos ou leite. Em seguida, chefs de cozinha dão feedbacks a ela, de forma que ela possa aprender e melhorar nas próximas receitas. A empresa produz maionese, além de leite, com ingredientes como abacaxi, ervilha e coco.

Grupo Mantiqueira: N.ovo, o ovo produzido a partir da proteína de ervilhas e linhaça, encontra-se na sua forma liofilizada (em pó) e pode ser utilizado em diversas receitas.

Open Meals:  Startup japonesa que produz sushis pixelados (em formato de pixels), mas que possui (segundo a empresa) potencial de imprimir qualquer tipo de comida. A partir de uma base (um tipo de proteína de planta, além de temperos, enzimas e fibras), a empresa imprime alimentos em 3D de acordo com a receita desejada. Essa pode ser repetida ao comando de alguns botões.o futuro, possuem a intenção de abrir um restaurante em Tokyo.

Prós e contras dos alimentos do futuro

É de se pensar que toda essa maquinaria para a produção de alimentos “artificiais” seja cara. Em 2015, a produção de um hambúrguer a partir de células-tronco bovinas poderia chegar a mais de 300 mil dólares, valor que atualmente foi reduzido para cerca de 10 mil dólares. Esse alto custo leva a uma demora para que esse tipo de produto possa se tornar acessível ao público comum. Porém, atualmente algumas empresas já conseguiram baratear os produtos a base de plantas a preços que chegam a 20 reais. No quesito tempo, sua produção é muito mais rápida que a tradicional. Enquanto a primeira (a base de células) gira em torno de 3 semanas, a tradicional (que utiliza a criação e o abate) leva cerca de 52 semanas. 

Bioimpressão 3D
 Os alimentos do futuro são produzidos em laboratório ou impressos. #ParaTodosVerem: Bioimpressora é vista imprimindo um objeto. Fonte: Unsplash.

A biotecnologia presente na produção desses produtos exige profissionais mais qualificados, o que favorece a empregabilidade de pessoas mais especializadas, como biotecnólogos. Porém, isso também gera mais custos para as empresas (algo que as companhias sempre levam em conta). Outro fator importante a ser considerado são os padrões alimentares (de qualidade e nutricionais) que precisam ser atingidos para a aprovação das agências reguladoras, além da necessidade do aumento de escala de produção e da redução de custos associados à tecnologia. Ainda, outra dificuldade de se fazer carne em laboratório é a complexidade do tecido, que não é homogêneo, é composto por uma mistura de gorduras, fibras e outros compostos.

Outra questão importante é a taxa de aceitação do público e de profissionais da área de nutrição em relação a esses alimentos, devido ao preconceito geral em relação a esses produtos, frente a tecnologias novas, e seus possíveis riscos. Mesmo conhecendo os benefícios, a maior parte das pessoas tende a preferir os alimentos ‘autênticos’, aos ‘não naturais’. Alguns nutricionistas ainda argumentam que a bioimpressão e o cozimento podem alterar os aspectos nutricionais iniciais das matérias-primas.

Os riscos do consumo dos alimentos produzidos em laboratório (sejam a base de células ou plant-based) ou bioimpressos se baseiam no controle de qualidade dos mesmos. Em especial, o tempo de validade que, em alguns casos, pode ser de duas horas. Além das alterações no cozimento, a produção dos alimentos pode gerar reações químicas que alteraram o produto final, além de gerar um maior índice glicêmico e menor saciamento. O resfriamento e reaquecimento também podem favorecer o crescimento de bactérias.  

Porém, a produção de comidas por bioimpressão 3D também possui vantagens, como a possibilidade de customizar o formato e conteúdo do alimento, promovendo a utilização de certos alimentos frente a outros. As comidas impressas também auxiliam no menor desperdício de comida, além da redução da emissão de gases do efeito estufa.  Ao mesmo tempo, a impressão de alimentos pode ter um fim nutricional, já que cada alimento poderia ser produzido de maneira personalizada, de modo que indivíduos com dificuldades sensoriais, de cor, cheiro, mastigação ou deglutição, como pessoas autistas ou pacientes oncológicos, possam se beneficiar.

Podemos ver que as comidas tecnológicas ainda têm um longo caminho a ser traçado, tanto em termos de escala de produção e controle de qualidade como de aceitação do público. Ainda, se é muito discutido até que ponto esses alimentos são sustentáveis para o meio ambiente e saudáveis para os seres humanos, já que utilizam vários subprocessamentos e adições que às vezes os tornam alimentos ultraprocessados. Como a indústria irá superar esses desafios com certeza influenciará na aceitação dos consumidores e substituição de outros produtos pelas comidas biotecnológicas.

Perfil de Bianca Frade
Texto revisado por Natália Lopes e Ísis V. Biembengut

Cite este artigo:
FRADE, Bianca B. Alimentos do futuro: 13 empresas pioneiras no desenvolvimento das comidas tecnológicas. Revista Blog do Profissão Biotec, V. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/alimentos-futuro-13-empresas-pioneiras-desenvolvimento-comidas-biotecnologicas>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

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Fonte da imagem destacada: Unsplacsh.

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