O papel da Biotecnologia está cada vez mais claro, desde as atividades mais corriqueiras até aquelas essenciais à humanidade. Nós podemos encontrá-la no pãozinho do nosso café da manhã, no iogurte que comemos depois do almoço, na vacina que tomamos anualmente, no melhoramento genético das safras dos grãos e vegetais que nos alimentam, nos combustíveis que abastecem os transportes que utilizamos, e nos mais variados insumos que nos são tão necessários no dia a dia.
O que talvez você não saiba é que a Biotecnologia também pode ser encontrada mais além da nossa rotina. Bem mais para lá do nosso estado, país… planeta. Os conhecimentos biotecnológicos têm sim, grande valor para a Ciência Espacial. No decorrer do texto, explicaremos alguns pontos relevantes nesse sentido.
Astrobiologia – Nós como partes do cosmos?
Como diria uma professora muito querida que tive na faculdade: “Somos todos poeira cósmica!”. Para entender essa frase, precisamos primeiro falar da Astrobiologia. Essa é uma ciência multidisciplinar, que emprega conhecimentos da química, física, biologia, astronomia, geografia, entre outras ciências. A astrobiologia estuda a origem, evolução e o futuro da vida dentro e fora do nosso planeta e até do nosso sistema solar.
E é por isso que há vertentes de estudos sobre a evolução dos seres vivos que buscam respostas fora da Terra. O próprio estudo de microrganismos extremófilos (ou seja, aqueles que são capazes de viver em condições extremas de temperatura, pressão e radiação, por exemplo) entra nesse contexto. Isso porque imaginamos que com essa capacidade de habitar lugares inóspitos, eles possam ter sido ou serem próximos dos primeiros seres vivos! Você pode ler mais sobre isso nesse texto do Profissão Biotec.
Além disso, nós mesmos (seres humanos) carregamos um pouquinho do universo conosco. Com o acontecimento de supernovas (que é basicamente a explosão de estrelas), houve o surgimento de elementos químicos que hoje conhecemos muito bem e que nos compõem, como o carbono, o nitrogênio, o oxigênio, entre outros. Esses eventos de explosões causam a morte das estrelas e são considerados essenciais para transformações cósmicas, exatamente pela emanação de gás e poeira rica em (potenciais) elementos químicos. Ademais, alguns meteoritos também apresentam características químicas relevantes nesse sentido.
Vamos ser amigos dos marcianos?
Com certeza você já ouviu falar sobre estudos visando mais do que uma simples ida a outro planeta. Isso mesmo, estamos falando sobre as projeções de habitação humana em ambientes extraterrestres! Assim, busca-se entender não só quais moléculas orgânicas são encontradas, mas também o comportamento do organismo no planeta em questão, sendo que o planeta que desperta mais interesse é Marte.
Em 2015, foi realizada uma experiência com dois astronautas norte-americanos que são gêmeos idênticos. Um dos gêmeos permaneceu na Terra, enquanto o outro ficou a bordo da Estação Espacial Internacional (sigla em inglês ISS; um tipo de laboratório que orbita nosso planeta) por aproximadamente 1 ano.
Foi observado através dos telômeros dos irmãos que o gêmeo em missão espacial estaria mais novo, o que se normalizou depois de certo tempo na Terra novamente. Vale lembrar que os telômeros são regiões repetitivas nas extremidades dos cromossomos e estão relacionados com o relógio biológico quando se trata de envelhecimento. Para entender melhor essa e outras experiências sobre o comportamento celular em condições extraterrestres, acesse esse texto do Profissão Biotec.
Por outro lado, temos também as expedições espaciais que investigam as características do planeta vermelho. Por meio da sonda Curiosity, muitas informações sobre as características de Marte foram reveladas. Entre elas, podemos citar a descoberta de indícios de que um dia houve vida nesse planeta.
Em primeiro lugar, falamos novamente das moléculas orgânicas e elementos químicos. O mais interessante é que não só foram encontradas moléculas essenciais à vida (oxigênio, carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre), como também um metabólito celular, o tiofeno. Como essa molécula orgânica inclusive pode ser gerada abioticamente (por exemplo, pelo impactos de meteoros), os cientistas devem fazer investigações mais profundas.
Outra questão muito relevante é a presença/ausência de água (principalmente em estado líquido). A sonda Curiosity registrou em Marte o que teriam sido, um dia, leitos aquáticos. Acredita-se que rios e lagos podem ter existido por milhões de anos nesse planeta.
A sonda Curiosity será precedida pela sonda Perseverance, que tem previsão de lançamento para julho de 2020 e, de aterrissagem em Marte em fevereiro de 2021. Nesse link você pode acessar resultados de missões em Marte utilizando a sonda Curiosity.
E, pasmem: A NASA já está encomendando projetos de casas extraterrestres na Lua e em Marte. Mas calma, o objetivo não é (ainda?) a habitação desses planetas, e sim ter espaços inteligentes que auxiliem as missões aeroespaciais, estando preparados para acolher as expedições. Cada uma das duas instituições de pesquisa tecnológica selecionada para contribuir com o projeto, receberá a bagatela de 15 milhões de dólares ao longo de 5 anos para construir as casas extraterrestres. E sabe o que é mais legal? Atuarão em conjunto com esses institutos centros criados pela NASA de biotecnologia e materiais ultraleves e resistentes.
E isso nos leva à pergunta que não quer calar:
Por que precisamos da Biotecnologia para chegar a Marte?
Bom, claro que para que nós, humanos, possamos estabelecer uma vida em outro planeta, precisamos levar alguns conhecimentos imprescindíveis da Terra. Dentre eles, nosso conhecimentos sobre as áreas de saúde, agricultura, biomateriais e até mesmo reciclagem. E não é que a Biotecnologia tem tudo a ver com isso?!
Inicialmente, as iniciativas visam entender o efeito do ambiente marciano sobre as células humanas e oferecer melhores condições de sobrevivência aos astronautas que irão a Marte em expedições espaciais. Afinal, eles precisarão de suprimento constante de oxigênio, água, comida e insumos médicos. Segue abaixo uma lista de contribuições biotecnológicas (muitas ainda em desenvolvimento) para essas missões espaciais:
- Produção de nutrientes através de microrganismos, a fim de suprir a necessidade de vegetais. O sistema de produção foi chamado de BioNutrients e um exemplo de microrganismo utilizado é a levedura Saccharomyces cerevisiae;
- Desenvolvimento, a base de células placentárias, de um tratamento para condições médicas provocadas pela viagem espacial, especialmente da gravidade reduzida, que pode levar a danos musculares e ósseos;
- Desenvolvimento de tecidos vascularizados em laboratório por meio de bioengenharia, como uma alternativa para a medicina regenerativa no espaço;
- Ensaios de plantio de vegetais em missões espaciais, a fim de estudar o comportamento das plantas sob as condições de estresse a que serão submetidas. Um caminho que vem sendo tomado nesse sentido é de utilizar engenharia genética para modificar genes relacionados à resistência ao calor e a água;
- Busca por novas modificações genéticas que possam auxiliar as plantas a se tornarem resistentes a características importantes no ambiente extraterrestre, como salinidade e seca;
- Ainda sobre as plantas, iniciativas relacionadas à saúde buscam transformá-las em “mini-fábricas” de medicamentos. Um tipo de alface, por exemplo, vem sendo modificado a fim de produzir hormônios tireoidianos;
- Produção de carne “não-animal”, a famosa carne de laboratório, e compreensão do comportamento das células em zero gravidade (o Profissão Biotec já falou um pouco sobre carne de laboratório nesse texto e carne vegetal nesse outro texto);
- Entre os biomateriais, há um grande interesse nos tijolos feitos de micélios (filamentos microscópicos presentes nos fungos), que são leves, mas, ao mesmo tempo, muito resistentes (aliás, o Profissão Biotec já falou desse biomaterial aqui);
- Desenvolvimento de uma aquaporina, a fim de contar com um melhor método de purificação da água;
- Quando se trata de reciclagem, ela seria principalmente voltada para a degradação dos resíduos gerados em missões (incluindo fezes). A solução possível para o problema é a aplicação de microrganismos capazes de digerir esses resíduos – e ainda gerar bioprodutos úteis!
E aí, ficou surpreso com mais essa contribuição da biotecnologia? Mais um motivo para admirar as estrelas e pensar em quão grandiosa é nossa existência!