Conheça o ODS 9 e entenda como a biotecnologia pode auxiliar na geração de tecnologias sustentáveis até mesmo na construção civil.

Quando falamos em biotecnologia é normal já pensarmos nos benefícios e inovações que ela pode trazer. Com a pandemia, ficou ainda mais clara a necessidade de investimento em inovações biotecnológicas, seja no desenvolvimento de vacinas, no diagnóstico e no aprimoramento do agronegócio a fim de termos uma ampla distribuição alimentar e energética independente, entre outros fatores.

A importância do investimento em inovação está diretamente relacionada ao desenvolvimento sustentável de um país. Contudo, o Brasil vem decaindo neste aspecto perante os outros países do mundo. Segundo o Índice Global de Inovação (IGI), publicado anualmente desde 2011, o Brasil passou da 47º para a 62º posição entre 2011 e 2020. Hoje o Brasil é superado por países desenvolvidos e emergentes como África do Sul e Índia, além dos nossos vizinhos latinos como Chile, México e Costa Rica (Figura 01).

Gráfico Ranking do Índice Global de Inovação 2020
Figura 01: Ranking do Índice Global de Inovação 2020. Fonte: IEDI.ORG #paratodosverem Gráfico demonstra os 10 primeiros colocados no ranking do IGI 2020 com a Suíça em 1º lugar e pontuação de 66,08 (as 10 primeiras barras do gráfico são na cor azul e o restante das barras na cor amarela). Enquanto que o Brasil está em 62º lugar com a pontuação de 31,94. A Coréia do Sul aparece em 10º lugar com pontuação de 56,11, demonstrando a grande diferença entre os países mais inovadores e o Brasil. 

Este contraponto nos indica uma evidente dificuldade em relação a Agenda 2030, em especial ao ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura. Contudo, o Brasil possui uma série de ações que visam auxiliar o alcance desta meta, indicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como: 

  • Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2016–2022, que estabelece diretrizes para investimentos e formação de profissionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e visa aumentar o número de técnicos e pesquisadores desse segmento nas empresas brasileiras; 
  • Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); 
  • Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; 
  • Implementação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados; 
  • Lei Geral das Telecomunicações, em tramitação no Congresso Nacional.

MAS AFINAL, QUE É O ODS 9?

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura – que traz metas visando a construção de estruturas resilientes e modernas, focado no fortalecimento da indústria de qualidade, confiável e sustentável, passando pelo fomento da inovação, com valorização da micro e pequena empresa e inclusão dos mais vulneráveis aos sistemas financeiros e produtivos (Figura 02). 

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 9 - Indústria, inovação e infraestruturas.
Figura 02: Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 9 – Indústria, inovação e infraestruturas. Fonte: BCSD. #paratodosverem Imagem destaca o principal objetivo da ODS 9 – construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação, descrito em letras na cor laranja com fundo branco.  Ao lado, está a imagem de 3 cubos brancos em um fundo na cor laranja, e o título “Indústria, inovação e infraestruturas”.

QUAIS METAS ESTÃO DIRETAMENTE RELACIONADAS COM A BIOTECNOLOGIA?

As metas envolvem a melhora nos transportes com foco em sustentabilidade e segurança, geração de empregos voltados à inovação, pesquisa e desenvolvimento, além de apoiar o desenvolvimento tecnológico. Podemos destacar entre elas:

  • Apoiar o desenvolvimento tecnológico, a pesquisa e a inovação nacionais nos países em desenvolvimento, inclusive garantindo um ambiente político propício para, entre outras coisas, diversificação industrial e agregação de valor às commodities.  Indicador: Proporção do valor adicionado nas indústrias de média e alta intensidade tecnológica no valor adicionado total;
  • Até 2030, modernizar a infraestrutura e reabilitar as indústrias para torná-las sustentáveis, com eficiência aumentada no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente adequados; com todos os países atuando de acordo com suas respectivas capacidades. Indicador: Emissão de CO2 pelo PIB;
  • Fortalecer a pesquisa científica, melhorar as capacidades tecnológicas de setores industriais em todos os países, particularmente nos países em desenvolvimento, inclusive até 2030; Incentivar a inovação e aumentar substancialmente o número de trabalhadores de pesquisa e desenvolvimento por milhão de pessoas e os gastos, público e privado, em pesquisa e desenvolvimento. Indicador: Pesquisadores (em equivalência de tempo integral) por milhão de habitantes.

Essa última meta está diretamente relacionada à formação de recursos humanos e sua adesão na sociedade. Segundo a UNESCO, em 2011 o Brasil possuía cerca de 700 pesquisadores por milhão de habitantes. Os dados mais atuais do Banco Mundial indicam que o Brasil possui cerca de 880 pesquisadores por milhão de habitantes, enquanto a média mundial é de 1.368 (BBC Brasil). A meta brasileira é aumentar para 3.000 o número de trabalhadores de pesquisa e desenvolvimento por milhão de habitantes e também aumentar para 2% os gastos público e privado em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB (que hoje não chega a 1%).

O surgimento de startups (empresas de base tecnológica com grande potencial de escalonamento) são uma alternativa forte para o cumprimento dessa meta, que além de contribuírem com a inovação no país, geram o engajamento dos recursos para a geração de empregos especializados e uma nova forma de economia e relação com empregos no país. Uma vez que o cenário atual indica uma forte fuga de pesquisadores em busca de melhores oportunidades em países com a pesquisa mais desenvolvida, as startups podem ser uma boa solução para manter os pesquisadores no Brasil. Reforçando esse contexto, no MAPA BIOTEC foram mapeadas cerca de 155 startups de biotecnologia no Brasil em 2021. 

Agora, que tal conhecer algumas inovações biotecnológicas que estão trazendo uma nova forma de pensar em indústria e construção?

3 FORMAS DA BIOTECNOLOGIA CONTRIBUIR COM A INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA

  1. Biofixação de CO2

A mitigação de emissão de CO2 é um objetivo comum e extremamente relevante no mundo todo. Com isso, a biotecnologia não poderia ficar de forae vem trazendo muitas inovações. E as startups são as grandes promessas para tornar esses inventos em tecnologias reais. 

No Brasil, a ALGAE BIOTECNOLOGIA em parceria com a InterCement possui o Projeto Biofixação de CO2 com o uso de microalgas para a minimização das emissões de gases causado por indústrias cimentícias. A tecnologia consiste na criação de fotobiorreatores em tanques contendo microrganismos (microalgas e cianobactérias), que possuem a habilidade de utilizar o CO2 disponível no ar para seu desenvolvimento e metabolismo. Com isso, os microrganismos são capazes de diminuir os gases nocivos encontrados no ar próximo às indústrias de cimentos. 

Esquema de fotobiorreatores para biofixação de CO2 produzidos pela indústria
Figura 03: Esquema de fotobiorreatores para biofixação de CO2 produzidos pela indústria. Fonte: ALGAE TECNOLOGIA. #paratodosverem Imagem ilustra uma fábrica de cimento (em tons de cinza e roxo, principalmente) e ao lado os fotobiorreatores (em tons pastéis) para captação e biofixação do CO2 produzido pela fábrica. O sistema possui patente requerida.

Além disso, a biomassa gerada (acúmulo de microrganismos) é uma fonte de recursos que podem ser aplicados em diferentes áreas, como a geração de biodiesel, uma vez que a biomassa de microalgas é rica em lipídeos que são a fonte para a geração do biocombustível. Mais recentemente, a biomassa também foi aplicada para o desenvolvimento de fertilizantes, com ganhos de cerca de 20% na produtividade de cultivos agrícolas.

  1. Purificação de ar em ambientes residenciais

Ainda no contexto de captura de CO2, foi criado o primeiro playground com ar purificado por microalgas, o AirBubble, pela empresa inglesa ecoLogicStudio. Fundada em 2005, a empresa atua na arquitetura e inovação em design especializada em biotecnologia para o ambiente construído.

AirBubble primeiro playground com purificação de ar por microalgas.
Figura 04: AirBubble primeiro playground com purificação de ar por microalgas. Fonte: ecoLogicStudio. #paratodosverem fotografia com duas crianças (um menino e uma menina) brincando em bolhas elásticas, verdes e cinzas, presas ao chão; Ao seu redor, na parte superior das entradas, há as estruturas com biorreatores de microalgas.

A AirBubble cria um microclima purificado para as crianças brincarem, uma verdadeira bolha de ar puro no centro de Varsóvia (Polônia). O projeto está localizado dentro de um espaço público fora do Centro de Ciência Copernicus (Centrum Nauki Kopernik), um local que também hospedará uma exposição sobre a inovação do design por trás da invenção do AirBubble. O playground integra a tecnologia Photo.Synthetica para a integração avançada da fotossíntese no ambiente.

Há um valor inexplorado em trazer a bio-inteligência dos sistemas naturais para as cidades, transformando edifícios em máquinas vivas que produzem energia, armazenam CO2 e limpam o ar. Para conseguir isso, precisamos pensar no mundo vivo como parte da atual revolução digital: a natureza se torna parte de uma nova infraestrutura bio-inteligente” – afirma Marco Poletto, co-fundador da ecoLogicStudio no site da empresa.

A estrutura armazena 52 biorreatores contendo 520 litros de cultivo da microalga Chlorella sp. que podem filtrar 200 litros/minutos de ar poluído. Pelos monitoramentos da empresa há uma taxa de redução de poluição de até 83% no local. 

  1. Enzimas para produção de etanol de segunda geração

O etanol de segunda geração é dito como alternativa para o consumo de combustíveis fósseis, utilizando biomassa vegetal e enzimas oriundas principalmente de microrganismos. Sendo apresentado como uma forte alternativa para redução de emissão de gases provindos da queima de combustíveis fósseis.

Ciclo do carbono neutro do biocombustível. Da captação do CO₂ na produção da planta à emissão pelo biocombustível.
Figura 5: Ciclo do carbono neutro do biocombustível. Da captação do CO₂ na produção da planta à emissão pelo biocombustível. Fonte: Andressa de Souza – Profissão Biotec.  #paratodosverem na fotossíntese a planta capta o  CO₂ e libera O₂, representado por uma imagem de sol amarelo, uma gota d´água azul e uma pequena planta verde ; ocorre o processamento da biomassa para produção de biocombustíveis, representado por um caminhão verde , uma fábrica na cor laranja e uma bomba de combustível na cor verde;  esse biocombustível quando utilizado libera CO₂ que é novamente captado pelas plantas, tornando um ciclo de liberação carbono neutro.

Ainda, levando em consideração que o Brasil é um dos maiores produtores de biomassa, nada mais justo que aproveitar essa oportunidade para o desenvolvimento de combustíveis de fonte renovável.  Atualmente, segundo o Ministério de Minas e Energia, no Brasil 20% do combustível consumido no setor de transporte é oriundo de combustíveis renováveis. 

Contudo, a tecnologia enzimática utilizada para a conversão da biomassa em biocombustível não é brasileira. 

Em entrevista à FAPESP a professora do Instituto de Biologia da Unicamp, a pesquisadora Anete Pereira de Souza, ressalta que “a prospecção de enzimas da biodiversidade nacional traz inúmeras vantagens, não só pela redução dos custos como também em ganhos de eficiência na produção de etanol. É mais provável que um fungo da Amazônia esteja mais adaptado para degradar celulose de biomassa em um contexto como o nosso.”

Neste contexto, o grupo de pesquisa da UNICAMP liderado pela professora Anete estuda fungos amazônicos para a produção de enzimas para a produção de etanol de segunda geração de alta eficiência. Recentemente, a descoberta de uma nova enzima produzida pelo fungo Trichoderma harzianum  foi publicada pela revista Scientific Reports

Segundo a Maria Lorenza Leal Motta, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG-Unicamp) e primeira autora do artigo, a enzima é capaz de quebrar em diferentes açúcares a biomassa, demonstrando grande versatilidade e podendo ser aplicado em outros setores como em alimentos e cosméticos.

Ainda neste contexto, além do desenvolvimento de pesquisa em universidades, algumas startups brasileiras vêm buscando disponibilizar o desenvolvimento de enzimas para aplicação em diferentes setores oriundas da biodiversidade nativa de diferentes biomas, como: Amazonzyme (biodiversidade amazônica), Regenera Moléculas do Mar (biodiversidade marinha) e Fungine (biodiversidade do nordeste). 

INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SÃO O FUTURO E PRESENTE!

O investimento em inovação é crucial para um futuro mais sustentável e a diminuição do CO₂ na atmosfera deve ser tratada como foco mundial. Nas palavras de Bill Gates descarbonização da economia global é a maior oportunidade de inovação já vista no mundo. O Brasil é berço de uma biodiversidade ímpar e pode despontar como pioneiro no avanço tecnológico, mas isso depende de iniciativas públicas e privadas para acontecer, o que estamos cansados de saber. Mas e você, o que pode fazer para contribuir? Que tal participar dessa revolução?

Texto revisado por Sofia Hohmann e Bruna Lopes

Cite este artigo: SCHERER, J. ODS 9: a biotecnologia na indústria, inovação e infraestrutura. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível: <https://profissaobiotec.com.br/biotecnologia-na-industria-inovacao-infraestrutura/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

REFERÊNCIAS:

Brasil. Brasil avança  no setor de biocombustíveis. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2021/07/brasil-avanca-no-setor-de-biocombustiveis>. Acesso em: 20/09/2021.
Centro  brasileiro  de  análise  e  planejamento  (cebrap).  Associação Brasileira de Biotecnologia (brbiotec). Brazil Biotech Map 2011. São Paulo. 2011. Disponível em: <https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Brazil-Biotec-Map-2011.pdf/>. Acesso em: 28/08/2021.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Investimentos em infraestrutura e tecnologia são foco do ODS 9. 2021. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34929>, Acesso em: 05/09/2021.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Agenda 2030 ODS Metas Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, 2018. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8636/1/Agenda%202030%20ODS%20Metas%20Nac%20dos%20Obj%20de%20Desenv%20Susten%202018.pdf >. Acesso em: 12/09/2021.
Profissão Biotec. Mapa de empresas de Biotecnologia, 2021. Plataforma interativa com informações analisadas sobre as empresas de Biotecnologia com atuação no Brasil. Disponível em:<https://www.mapa.profissaobiotec.com.br/>. Acesso em: 29/08/2021.
Righetti S. Brasil tem pior nota em inovação em dez anos e perde destaque entre emergentes. FOLHA DE SÃO PAULO. 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2021/03/brasil-tem-pior-nota-em-inovacao-em-dez-anos-e-perde-destaque-entre-emergentes.shtml>. Acesso em: 06/09/2021
Fonte da imagem destacada: International Science Council

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