A biotecnologia é uma ferramenta importante para conservação da nossa biodiversidade, preservando o conhecimento dos povos indígenas.

A preservação da biodiversidade é um fator fundamental para a manutenção da vida no planeta. E, sem dúvida, os povos indígenas são aqueles que possuem maior conhecimento e capacidade para proteger a nossa biodiversidade. Mas sabemos também que a ciência, aliada principalmente à biotecnologia, possui ferramentas que podem contribuir para essa conservação.

Então, por que não unir a tradição dos povos indígenas e a inovação da biotecnologia para preservar a vida? A seguir, vamos conhecer algumas iniciativas que exemplificam como a parceria entre povos indígenas e a biotecnologia é importante para  entendermos e preservarmos nosso maior patrimônio.

Modificação de sementes

Uma iniciativa da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia está devolvendo aos povos indígenas do Xingu as sementes tradicionais de milho, que haviam sido perdidas ao longo do tempo devido a mudanças culturais ou ao manejo das roças. A recuperação das variedades tradicionais de milho incluiu a coleta das sementes e a realização de ciclos de multiplicação em laboratório, que posteriormente foram devolvidos aos indígenas. 

Outra iniciativa, também desenvolvida pela Embrapa, devolveu aos indígenas do Amapá vários lotes de manivas-sementes com alto padrão de qualidade fitossanitária, garantindo a segurança alimentar dessa população. Essa estratégia foi importante, uma vez que as plantações de mandioca desses indígenas haviam sido atacadas por fungos e bactérias. Ao todo, 37 aldeias já foram beneficiadas pelo projeto, garantindo a conservação das sementes e a segurança alimentar dos indígenas.

O banco genético de sementes da Embrapa (Banco de Germoplasma) tem sido responsável por recuperar espécies desaparecidas. A partir de um convênio entre Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Embrapa, será possível aproveitar o material genético presente em terras indígenas, classificando e armazenando as espécies em risco de extinção, além de promover o melhoramento genético quando necessário. Essa iniciativa preserva a qualidade das sementes antigas que possuem as características necessárias para o cultivo em terras indígenas, e resgata os cultivos tradicionais em aldeias.

Recuperação de sementes
Recuperação de sementes: O milho foi uma das sementes recuperadas por meio da biotecnologia. #ParaTodosVerem: Sementes de milho, de coloração amarelada. Fonte: Pexels

Desvendando a genética das populações

A história demonstrou que após a chegada dos europeus na América do Sul, ocorreu um verdadeiro extermínio dos povos indígenas. Um estudo genético indica que a maior redução populacional aconteceu entre os povos Tupis (-98.99%), os Andinos (-95.6%) e os Jês (-83,1%).

A pesquisa permitiu identificar a herança genética deixada pelos povos indígenas para a população atual, por meio da análise de sequências idênticas presentes no genoma de indivíduos de uma mesma população. Os resultados deste estudo também permitem estimar o tamanho da população indígena no período em que os europeus chegaram à América do Sul. É a biotecnologia nos auxiliando a compreender o impacto de um processo histórico na genética das populações atuais.

Proteção do conhecimento e práticas tradicionais

Sabemos que os povos originários possuem diversos conhecimentos e práticas usadas para as mais diversas finalidades (rituais espirituais, tratamento de doenças, etc.), e que precisam ter sua utilização e exploração protegida. Um dos exemplos clássicos é a Ayahuasca, uma planta medicinal tradicionalmente usada em rituais espirituais indígenas. A Ayahuasca foi patenteada por um norte-americano, o que conferiu a ele o monopólio sobre a sua utilização, produção e comercialização. Posteriormente essa patente foi anulada, mas isso acendeu um sinal de alerta para a proteção dos diversos conhecimentos e práticas tradicionais indígenas que despertam interesses econômicos. 

Essa discussão é relevante, uma vez que as plantas medicinais usadas pelos indígenas podem ter seus princípios ativos sintetizados em laboratório e patenteados. Ou seja, o conhecimento tradicional não deve ser comercializado sem reconhecer os direitos indígenas.

Atualmente no Brasil temos a Lei da Biodiversidade, que regula o acesso à biodiversidade, aos conhecimentos tradicionais e aos benefícios associados a ela. De acordo com essa lei, os pesquisadores de outros países precisam de autorização do Estado Brasileiro para terem acesso ao nosso patrimônio genético ou material biológico. Mas o cumprimento dessa lei é um grande desafio, pois não envolve somente interesses ambientais, mas também interesses econômicos e políticos.

Proteger o conhecimento tradicional dos povos indígenas é um ponto decisivo para a preservação e manutenção da nossa biodiversidade, para garantir, a longo prazo, a utilização sustentável de nossos recursos naturais. Nesse contexto, a biotecnologia, por meio de suas técnicas e metodologias, pode contribuir para a proteção do conhecimento tradicional indígena ao identificar e caracterizar toda essa biodiversidade. Afinal, só é possível preservar aquilo que conhecemos!

A biotecnologia pode auxiliar na preservação da floresta e sua biodiversidade
A biotecnologia pode auxiliar na preservação da floresta e sua biodiversidade. #ParaTodosVerem: Floresta vista do alto, com árvores verdes, um rio entre as árvores  e ao fundo o horizonte alaranjado. Fonte: Pexels

Os exemplos citados ao longo deste artigo demonstram que a biotecnologia pode ser uma importante ferramenta para proteção da biodiversidade em diferentes aspectos. A conservação de sementes, a compreensão da genética de nossa população e a proteção legal de todo o conhecimento e práticas indígenas são ações fundamentais para preservarmos o passado de nossa biodiversidade e também para garantir um futuro desse nosso patrimônio.

Perfil de Bruna Lopes
Texto revisado por Sthefany Lacerda

Referências:

Castro e Silva,M.A et al. Population Histories and Genomic Diversity of South American Natives. Molecular Biology and Evolution, 2022. Disponível em <https://academic.oup.com/mbe/article/39/1/msab339/6448769?login=false> Acesso em 13 de abril de 2024.
Ferreira, I. Genética ajuda a demonstrar colapso populacional de povos indígenas no Brasil após chegada de europeus. Jornal da USP, 2021. Disponível em <https://jornal.usp.br/ciencias/genetica-ajuda-a-demonstrar-colapso-populacional-de-povos-indigenas-no-brasil-apos-chegada-de-europeus/> Acesso em 13 de abril de 2024. 
Teixeira, F.F. et al. Diversidade genética entre acessos do Banco de Germoplasma de Milho de origem indígena. Embrapa Milho e Sorgo, 2021. Disponível em <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/222833/1/Doc-259-1.pdf> Acesso em 13 de abril de 2024. 

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