Biotecnologia e hidromel, o que é que tem a ver? Descubra como a fermentação alcoólica do mel pode produzir uma delicada e complexa bebida.

Bebidas alcoólicas e biotecnologia tem tudo a ver! A fermentação dos mais variados tipos de açúcares para produção de álcool acompanha a humanidade há séculos, arrisco dizer milênios… Embora os processos fermentativos só tenham sido elucidados no século XIX, um dos proeminentes casos de fermentação alcoólica ao longo da antiguidade e idade média foi a produção de hidromel. Uma bebida muito popular na literatura medieval e em obras de fantasia como Harry Potter e Senhor dos Anéis. Trata-se de um fermentado à base de mel, ou seja, da fermentação alcoólica dos açúcares presentes no mel (frutose e glicose, principalmente).

Um pouco de história

Os microrganismos não conseguem fermentar o mel puro pois ele apresenta baixo teor de água disponível, menos de 20%. Desta maneira, o mel precisa primeiro ser diluído para fermentar, por isso o nome hidromel. O que muitos não sabem, e que de certa maneira é uma das coisas mais interessantes desta iguaria, é que o hidromel é a bebida alcoólica mais antiga conhecida. A explicação para isso é que apicultura (domesticação de abelhas) foi uma das primeiras técnicas desenvolvidas pela espécie humana. Registros fósseis na Europa e África sugerem que esta atividade surgiu aproximadamente há 10.000 anos atrás. Ou seja, de maneira bem rudimentar, a biotecnologia já estava presente na vida de nossos ancestrais. 

O hidromel já teve prestígio na sociedade europeia. Foi consumido por gregos e romanos na antiguidade, está presente na obra de literatura escandinava “Beowulf” e para quem conhece a lenda de Robin Hood, lembra-se do simpático Frei Tuck! O que faz uma referência indireta na importância da apicultura no desenvolvimento da Igreja católica e da nobreza europeia. A cera de abelha era matéria prima para as velas. Dessa forma, era comum os mosteiros terem seus próprios apiários para produção de mel, cera e hidromel. 

O hidromel na atualidade   

Atualmente essa bebida está ressurgindo, especialmente por causa do crescimento das cervejas artesanais. Pequenos produtores surgiram fortemente nos Estados Unidos, Europa e também no Brasil. Para se ter uma ideia, hoje existem mais de 20 empresas devidamente registradas em nosso país e inúmeros entusiastas espalhados por todas as regiões brasileiras. Mesmo nas Universidades encontramos grupos que estudam o fermentado do mel e instituições como a EMBRAPA já produziram algum material a respeito. 

A produção de hidromel no contexto brasileiro se mostra bem relevante do ponto de vista econômico e biotecnológico. Somos um dos maiores produtores de mel no mundo e a qualidade do nosso mel é internacionalmente reconhecida. Portanto, há uma oportunidade de desenvolvermos um produto a partir do mel que hoje acaba sendo vendido como “commodity”. Do ponto de vista biotecnológico, podemos ser uma das nações pioneiras nesse “novo” mercado. 

Existe a possibilidade de desenvolvimento de novas técnicas, receitas e processos. Podemos explorar uma enorme gama de microrganismos dedicados a fermentação do mel otimizando a produção ou gerando produtos secundários na fermentação. Dessa forma, garantimos complexidade à bebida. Além disso, méis exóticos podem contribuir para o desenvolvimento de bebidas até então desconhecidas e com características exclusivas das regiões onde foram produzidos. 

Outra vantagem que essa bebida pode trazer é no aumento das populações de abelhas. Nos últimos anos são extremamente comuns casos de mortandade destes organismos, sobretudo pela ação antrópica. Esses insetos são fundamentais para a polinização de muitas plantas, inclusive, de várias espécies de interesse econômico como o café, o girassol e a melancia. O aumento do consumo de hidromel promove, indiretamente, o crescimento e manutenção das populações de abelhas.  

Classificações e estilos

Como o hidromel tem uma rica história, é natural que tenham surgido vários estilos por onde ele foi produzido. A denominação usada nos vinhos em relação ao dulçor da bebida é mantida no hidromel. Ou seja, eles podem ser suaves, com uma presente evidência do sabor doce. Secos, sem nenhum traço de dulçor. Ou Demi Sec, que é o estado intermediário. A legislação brasileira só reconhece os estilos suave e seco. Qualquer hidromel que tenha teor de açúcar superior a 3 gramas por litro é considerado suave no Brasil. 

Em competições pela BJCP (Beer Judge Certification Program), hidroméis secos podem ter até 15 gramas de açúcar por litro e os demi sec entre 15 a 38 gramas por litro. Acima disso, são considerados suaves ou de sobremesa.  Além da classificação pelo dulçor, os hidroméis também são divididos por estilos. Esses estilos são reconhecidos com base nos ingredientes utilizados nas receita da bebida. Atualmente são reconhecidos pela BJCP os seguintes estilos:

  • Tradicional: é o hidromel que leva somente mel, água e levedura em sua formulação. Também conhecido como Show Mead.
  • Melomel: hidromel que usa frutas ou sumo de frutas durante a fermentação ou maturação.
  • Cyser: melomel feito de maçãs 
  • Pyment: melomel que utiliza uvas ou fermentado de uvas adoçado com mel
  • Hippocras: um pyment que foi adicionado pimentas.
  • Metheglin: hidromel que leva ervas ou especiarias na receita
  • Braggot: hidromel que usou malte durante a fermentação. 
  • Rhodomel: hidromel maturado com pétalas de rosas
  • Morat: melomel de amoras 

A legislação brasileira não reconhece nenhum estilo que leve fruta ou especiarias. Tais bebidas aqui são tratadas como mistas. 

A redescoberta de uma bebida antiga a luz de nosso conhecimento atual, utilizando mel brasileiro certamente é uma inovação muito promissora. Acreditar que podemos desenvolver um novo produto  por meio da biotecnologia com nossos recursos naturais é uma iniciativa fantástica! Promove o avanço tecnológico, crescimento econômico, manutenção das populações de abelhas e prevenção de áreas verdes utilizadas na polinização.  Portanto, convido a todos a degustar um delicioso gole de hidromel. Sinta um pouco como foi a vida de nossos antepassados ao mesmo tempo que prova como a biotecnologia é interessante e presente em nossas vidas.

Texto revisado por Isis Venturi e Natália Videira
Referências: 
ARRIBAS, M.V.M; POLO, M.C. Wine Chemistry and Biochemistry.Instituto de FermentacionesIndustriales (CSIC), Madrid Spain. 2009

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 34, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2012

MUNIEWEG, F.G; NETO, L.T; GAVIÃO, E.R; MACIEL, J.S; PINHEIRO, F.C; NESPOLO, C.R. PRODUÇÃO ARTESANAL DE HIDROMEL COMO DIVERSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO APÍCOLA NAFRONTEIRA OESTE, RS. 24 a 27 de Outubro de 2016. FAUGRS. Gramado. RS.

SCHRAMM, K. The Compleat Meadmaker. Brewers Publications, Boulders USA, 2003

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