O Casgevy é um tratamento inovador, único e intravenoso que surge para o tratamento de duas doenças: a anemia falciforme e a β-talassemia.

A anemia falciforme é uma doença de origem genética que afeta o formato das hemácias, enquanto que a β-talassemia, também genética e hereditária, afeta a capacidade do indivíduo de produzir as células do sangue. Ambas ocasionam problemas no carregamento do oxigênio pelas hemácias, podendo levar a anemia. As terapias gênicas se baseiam na edição de DNA para a remoção de um gene defeituoso e a inserção de um saudável. O Casgevy é um tratamento inovador, único e intravenoso, desenvolvido por duas empresas, para o tratamento dessas doenças. Quer conhecer um pouco mais sobre? Venha ler aqui! 

Para o que serve essa terapia?

As terapias gênicas vêm sendo utilizadas para o tratamento de diversas doenças, como o câncer (por meio  das células CAR-T) e a hemofilia (por meio da utilização de vírus). As primeiras terapias gênicas remetem aos anos 90, com o uso de vírus para inserção de genes nas células do sistema imunológico de um paciente imunodeficiente. No Brasil, a primeira terapia gênica aprovada foi feita em 2020, para a distrofia de retina.

O Casgevy (do inglês, exagamglogene autotemcel ou exa-cel) é o primeiro tratamento direcionado para as duas doenças hematológicas: anemia falciforme e β-talassemia. A terapia foi  aprovada de forma condicional (ou seja, ainda requer alguns testes) em novembro de 2023 pela Agência Regulatória de Produtos de Saúde e de Medicina (do inglês, U.K. Medicines and Healthcare products Regulatory Agency, MHRA), no Reino Unido. O Casgevy é direcionado para pessoas a partir dos 12 anos, que sejam elegíveis para terapia com células-tronco (ou seja, pessoas que possuemos requisitos para receberem células saudáveis derivadas de doadores). 

O que são essas doenças hematológicas?

A anemia falciforme é uma doença de origem genética (proveniente de ambos os pais) que afeta o formato das hemácias (as células do sangue, que normalmente são arredondadas), deixando-as em formato de foice. Essa mudança de conformação favorece o rompimento da membrana destas células, alterando a sua capacidade de carregar oxigênio, causando anemia. Os sintomas são dor intensa, em especial nos ossos, articulações, mãos e pés; e propensão a infecções e úlceras. No Brasil, o diagnóstico precoce é dado pelo teste do pezinho e o tratamento é feito através de medicamentos e transfusões de sangue.

A β-talassemia afeta a capacidade do indivíduo de produzir as células sanguíneas. A doença pode ser classificada como talassemia beta ou alfa, onde o Cagesvy atua apenas no tratamento do tipo beta. Esta variação é derivada de uma mutação no cromossomo 11, o que leva a uma alteração no formato das hemácias. Isso as deixa mais opacas e sem forma definida. A forma mais leve da doençase apresenta como uma anemia leve e a mais grave, exige tratamento específico. O diagnóstico também é feito na fase neonatal e o tratamento é baseado em transfusões sanguíneas.

Uma alternativa às intervenções convencionais para essas doenças (que normalmente se baseiam em medicamentos e na transfusão sanguínea) é o tratamento com quimioterápicos. Essa terapia elimina as células defeituosas (levando junto algumas saudáveis também, por isso é considerada mais agressiva), possibilitando a transplante de medula óssea derivada de doadores. Para isso, porém, os pacientes precisam ser compatíveis com os doadores.

Como funciona a edição gênica por CRISPR?

Considerando que essas doenças têm um fundo genético, a terapia gênica surge, então, como uma alternativa para uma intervenção direta no DNA do paciente. Essa terapia tem como vantagem a identificação de genes causadores de doenças, mesmo antes delas se iniciarem, e a modificação desses genes para outros saudáveis, de forma a evitar, retardar ou reverter certas condições clínicas. Ela pode ser feita através da coleta de células-tronco do paciente, que sofrem a alteração in vitro (em laboratório) ou ex vivo (fora do corpo) e reintroduzidas no paciente. Ou também pode ser realizada inserindo o gene saudável em um vetor (um transportador), seja ele viral, plasmídico (porção circular de DNA derivado de vírus) ou baseado em polímeros (moléculas artificiais) e recolocado no paciente.

Moléculas de DNAs são cortadas por tesoura.
Fonte: Pixabay. O CRISPR permite o isolamento de um gene, in vivo, e a adição de outro em seu lugar. #ParaTodosVerem: Moléculas de DNAs são cortadas por tesoura.

O Cagesvy é um tratamento único intravenoso ex vivo, desenvolvido pela farmacêutica Vertex (Boston, EUA) e pela empresa de biotecnologia CRISPR Therapeutics (Suíça). Ele é baseado na técnica de CRISPR, que atua na  região regulatória das células-tronco do paciente, responsável pela inibição da produção da hemoglobina fetal (produzida apenas durante a gestação), que possui uma maior eficiência no carregamento de oxigênio.. Essa técnica tem como vantagem uma menor modificação no genoma, quando comparado com outras terapias gênicas mais invasivas, que inserem um gene inteiro no DNA.

Esquema demonstra o passo a passo da metodologia Cavesgy
Fonte: Biorender. O Cagesvy atua a partir de células-tronco derivadas da medula do paciente, que são editadas de forma a expressarem um gene de interesse, que ‘corrigirá’ o gene defeituoso. #ParaTodosVerem: Esquema demonstra o passo a passo da metodologia Cavesgy.

A técnica CRISPR foi inspirada em um mecanismo de defesa encontrado em bactérias e desenvolvida pelas pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, agraciando a francesa e americana com o Nobel de Química em 2020.

A sua metodologia é baseada na capacidade da proteína Cas9, associada a um RNA-guia (sequência de aminoácidos específica para determinada região do DNA), que busca no genoma sua sequência complementar. Quando a encontra, se encaixa na região e cliva as duas fitas de DNA, que serão apresentadas a uma sequência complementar, totalmente artificial, com a região de interesse (gene novo). Essa região será reparada, que permitirá a construção de uma nova sequência, complementar a do gene de interesse. 

Após a edição, as células são devolvidas ao paciente por via intravenosa. Dos 71 pacientes acompanhados durante um ano após o tratamento, 67 puderam parar o tratamento para Talassemia ou não sofreram mais comepisódios de dor nos casos da anemia falciforme. Não foram observadosefeitos colaterais graves ou rejeições.

O uso do Cagesvy

Como para todo medicamento ou terapia, existem os prós e contras no uso do Casgevy. Uma das consequências negativas observadas nos pacientes tratados foi o acúmulo de mutações em suas células-tronco, levando a alterações nas células sanguíneas. Porém, essas alterações não seriam uma resposta direta à terapia e, sim, a todo o processo de coleta, edição e retomada ao organismo dessas células. Em alguns pacientes também foi observado  que as suas células extraídas já carregavam mutações que, após a edição gênica e reinserção, aumentavam a probabilidade dessas células se tornarem malignas.

Apesar de aprovada nas Ilhas Britânicas, a terapia ainda está sob aceite condicionado. Isso significa que outros testes precisam ser realizados para sua aprovação final. Já em outros países da Europa e nos Estados Unidos, o tratamento ainda se encontra sob revisão. No Brasil, ainda não há previsões para o aceite para o seu uso.

O Cagesvy, então, torna-se um tratamento inovador para pacientes com essas doenças hematológicas, que sofrem muitas dores e dificuldades em seu dia a dia, e cujo tratamento convencional é contínuo e muitas vezes ineficiente. O tratamento traz esperança de uma maior qualidade de vida a eles. Que os próximos testes com esse tratamento tragam resultados animadores para a ciência e, principalmente, para os pacientes!

Perfil de Bianca Frade
Texto revisado por Natália Lopes e Ísis V. Biembengut

Cite este artigo:
FRADE, B. B. Casgevy: primeira terapia gênica para o tratamento de anemia falciforme é aprovada. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/casgevy-primeira-terapia-genica-tratamento-anemia-falciforme-aprovada>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

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