Você conhece alguém com daltonismo? Nesse texto explicamos por que algumas pessoas enxergam cores em tons diferentes

O daltonismo é o sinônimo popular de qualquer defeito na visão de cores, seja na percepção parcial de uma ou de todas as cores. Estima-se que cerca de 6% a 10% dos homens possuem algum tipo de daltonismo, enquanto apenas 0,4% a 0,7% das mulheres são acometidas por tal deficiência. Essa diferença percentual entre os sexos existe porque o daltonismo geralmente ocorre por uma mutação recessiva nos determinantes genéticos para a visão de cores presentes no cromossomo X.

E o que isso significa?

Os cromossomos X e Y são o que chamamos de cromossomos sexuais, enquanto as mulheres possuem um par XX, os homens possuem um par XY. Para que uma mulher demonstre um fenótipo causado por uma herança recessiva ligada ao X é preciso que ambos os cromossomos carreguem o alelo recessivo. Ou seja, as mulheres precisam ter a mutação em seus dois cromossomos X para apresentar daltonismo, o que é bem mais raro de acontecer do que uma mutação em apenas um cromossomo – que é o caso dos homens que apresenam um único cromossomo X.

Visão

Nos humanos e em outros animais vertebrados, o olho é o órgão que permite a detecção de luz do ambiente e a conversão do sinal luminoso em impulsos elétricos que são interpretados pelo cérebro para formar uma imagem. A luz entra pelos nossos olhos através da pupila e atinge um grupo de neurônios sensíveis à luz que formam o que chamamos de retina. Há dois tipos de neurônios fotossensíveis responsáveis por essa fototransdução – conversão de energia luminosa em sinais elétricos biologicamente reconhecíveis -, os bastonetes e os cones.

Ilustração representativa do interior de um globo ocular mostrando algumas regiões como: íris, pupila, córnea, retina, nervo óptico e vasos sanguíneos retinais. Adaptado de Pixabay

Os bastonetes são neurônios que funcionam muito bem em ambientes com pouca luz, são responsáveis por permitir a visão em preto e branco na penumbra, mas não fazem distinção de cores. Enquanto os cones são pouco sensíveis em ambientes de baixa luminosidade, mas conseguem diferenciar as cores que cercam o nosso dia a dia com bastante eficiência. Esses dois tipos de células fotossensíveis possuem dois tipos de segmentos: o externo rico em discos membranosos onde inicia-se a transdução; e o segmento interno onde está o núcleo da célula e muitas mitocôndrias para o fornecimento de energia.

Ilustração dos neurônios fotossensíveis Bastonete (em verde) e Cone (em azul), na imagem destacam-se os núcleos da célula, as mitocôndrias e os segmentos externos. Adaptado de Zedalis e Eggebrecht, 2018. Disponível em: OpenStax 

Apesar de nossos olhos possuírem células fotossensíveis que possibilitam nossa visão, os vertebrados não são os únicos organismos que desenvolveram olhos ou células fotossensíveis. Invertebrados possuem uma variedade de sistemas fotorreceptores, planárias possuem células fotorreceptoras chamadas ocelos para distinguir intensidade e direção da luz sem formar imagens. Artrópodes possuem olhos compostos que consistem em várias unidades ópticas conhecidas como omatídeos.

Já os moluscos cefalópodes como polvos e lulas, desenvolveram olhos capazes de formar imagens com ótima qualidade. Apesar dos olhos entre esses organismos e os vertebrados possuírem origens evolutivas diferentes, seus órgãos contém muitas estruturas semelhantes como a córnea, íris, cristalino, retina e nervos ópticos, mas seu mecanismo de fototransdução ainda não foi completamente desvendado.

Percepção de cores

Ilustração em fundo preto mostrando a difração da luz branca em luzes vermelha, laranja, amarela, verde, azul e violeta. Disponível em Pixabay.

Como dito anteriormente, os cones são os neurônios responsáveis pela visão de cores, mas como isso acontece? Essas células são especializadas em captar a luz em determinados comprimentos de onda do espectro eletromagnético.

 O espectro eletromagnético pode ser dividido em diferentes “faixas”, cada uma referente a um tipo de radiação eletromagnética como as ondas de rádio, microondas, raios ultravioleta e a região da luz visível (que também é uma onda eletromagnética). Olhando para um arco-íris é possível visualizar que a luz branca emitida pelo sol pode ser “dividida” em luzes coloridas e que cada cor visível é referente a uma faixa do comprimento de onda específica do espectro visível da luz. 

Espectro eletromagnético mostrando todos os tipos de radiações com a região do espectro visível destacada na região de 400 a 700 nanometros (nm). Disponível em Wikimedia commons (Adaptado)

Há três tipos de cones presentes na retina e cada um deles possui apenas um tipo de pigmento colorido sensível a: verde, vermelho ou azul. Essas três cores são as cores primárias, e a partir da combinação entre elas qualquer outra cor pode ser formada. Em aparelhos televisivos como TVs, monitores e celulares esse princípio de combinação das cores é chamado de “sistema RGB” – do inglês, Red, Green and Blue. Os milhares de pixels presentes nas telas emitem apenas uma dessas três cores, mas a combinação de emissão luz entre eles permite que você enxergue na tela diferentes tonalidades.

O sistema de percepção de cores dos cones funciona de forma parecida aos aparelhos televisivos, ambos formam imagens a partir das 3 cores primárias. A principal diferença é que os aparelhos eletrônicos convertem energia elétrica em luz visível para a formação de imagem na tela, enquanto os cones convertem a luz visível em sinais biológicos para a formação da imagem no cérebro.

A fototransdução nos cones ocorre através da rodopsina, uma proteína composta por uma parte proteica (opsina) e uma parte não proteica (11-cis-retinal, derivado da vitamina A). Cada tipo de cone expressa uma determinada opsina, que ao ser conjugada com o retinal se tornará sensível a um espectro diferente de cores primárias. A combinação dos estímulos gerados por cada cone e o envio dos impulsos nervosos ao cérebro permitem a percepção de variadas colorações.

Daltonismo / Discromatopsia

Os genes codificantes para as opsinas sensíveis às cores verde e vermelha estão presentes no cromossomo X e uma mutação em qualquer um desses genes pode causar o daltonismo verde-vermelho. Já os genes codificantes para a opsina sensível ao azul não estão relacionados ao cromossomo sexual, e sim ao cromossomo 7. Dessa forma, homens e mulheres possuem a mesma chance de serem acometidos por uma mutação no gene da opsina sensível ao azul, em contrapartida, esse é um fenômeno mais raro e geralmente acontece por exposição à luz ultravioleta.

Como dito no início do texto, daltonismo é um sinônimo popular para o defeito visual de cores, o termo técnico para esse defeito é Discromatopsia. O termo “daltonismo” foi popularizado por causa do primeiro cientista a estudar esse fenômeno: o químico John Dalton, o mesmo que propôs o modelo atômico. Os tipos de discromatopsia são classificados pelo tipo de opsina/cone afetados, onde: protanopia, deuteranopia e tritanopia referem-se respectivamente a dificuldade em enxergar vermelho, verde e azul. Em alguns casos, todos os cones podem ter algum comprometimento causando a cegueira de cores ou acromatopsia, onde apenas tons de cinza, branco e preto são visíveis.

Terapia gênica aplicada ao Daltonismo

Recentemente (2020) o primeiro produto de terapia gênica foi aprovado no Brasil, esse tratamento consiste na inserção de um gene que permite codificar uma enzima envolvida no processo de fototransdução. Como é de se esperar, esse tratamento pode ser usado apenas em casos onde a cegueira é causada pela mutação de um gene específico: RPE65. Seguindo esse mesmo raciocínio, diferentes grupos de pesquisa vêm trabalhando no desenvolvimento de terapias gênicas para a correção da visão daltônica e da cegueira total de cores.

Em 2009, um artigo publicado na revista Nature mostrou que a terapia gênica poderia ser uma alternativa para o tratamento de daltonismo causado por mutações. O estudo foi realizado na Universidade de Washington (EUA) em primatas adultos deficientes em cones sensíveis à coloração vermelha, visto que nesses animais o daltonismo verde-vermelho ocorre de maneira similar a em humanos. Após inserir os genes codificantes para as opsinas através de uma injeção sub retiniana, os primatas conseguiram realizar a distinção de padrões vermelhos e verdes em testes computadorizados.

Semanas após o tratamento, os primatas conseguiram detectar todas as cores que antes nunca haviam visto. Apesar dos resultados promissores nos primatas, ainda não foram realizados testes clínicos em humanos. 

O conhecimento dos mecanismos genéticos, celulares e moleculares dos processos biológicos traz possibilidades incríveis para a biotecnologia na saúde. Através da manipulação genética estamos vislumbrando uma ciência capaz de realizar feitos que séculos atrás só poderiam ser considerados milagres ou magia. Espera-se que nos próximos anos tenhamos cada vez mais terapias gênicas disponíveis, não só para distúrbios visuais, mas para diversas doenças causadas por mutações.

Texto revisado por Jennifer Medrades e Natália Videira

Cite este artigo:
SILVA, M.C. Daltonismo: Uma visão celular e molecular. Blog do Profissão Biotec, v.8, março 2021.

Referências:
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