Você já teve vontade de fazer o teste de anticorpos para saber se está imune à COVID-19? Vem descobrir porque esse teste não é tão confiável assim.

Você já tomou a segunda dose da vacina contra a COVID-19? Se já, talvez tenha pensado se está realmente protegido contra a doença. Isso é uma preocupação válida já que ela tem tirado a vida de tantas pessoas. Por conta da preocupação com a eficácia da vacina, alguns estão recorrendo a testes de anticorpos para saber se realmente estão imunizados.

Nós já apresentamos no texto 4 estratégias do sistema imune para combater infecções que os anticorpos possuem pelo menos 3 funções importantes para combater microorganismos invasores e também são uma das primeiras respostas imunes geradas pelas vacinas.

Os testes de anticorpos visam basicamente contar quantos anticorpos para um determinado microrganismo você tem circulando no seu sangue. Dito dessa maneira, parece fazer sentido que a contagem de anticorpos vai revelar se estamos imunes ou não, certo? Mas vamos discutir porque não é tão simples assim.

Como funciona a resposta imune

#pratodosverem: Representação ilustrativa de células do sistema imunológico adaptativo, como os linfócitos T e B, com um núcleo avermelhado e o citoplasma transparente. Fonte: Pixabay

Nosso sistema imunológico possui dois tipos básicos de respostas, a resposta inata, ou seja, aquela que já nasce conosco, e a resposta adaptativa, aquela que vamos adquirir ao longo da vida de acordo com os tipos de microrganismos que entrarmos em contato. Em geral, o sistema imune inato de um adulto saudável consegue reconhecer e combater bem a maioria dos microrganismos que podem causar infecções. As células do sistema imune inato são por exemplo os neutrófilos, monócitos (macrófagos), eosinófilos, basófilos e as células natural killers (NK). Cada uma dessas células possui uma função específica e uma maneira de ação. 

No entanto, para tornar essa resposta ainda mais eficiente, é acionado o sistema imune adaptativo. As células do sistema imune adaptativo são os linfócitos T e B.  Na primeira infecção, a resposta imune adaptativa poderá demorar vários dias para ocorrer, o que dará tempo para o vírus causar um certo estrago no nosso organismo e gerar os sintomas característicos daquela infecção.

Por outro lado, em uma segunda infecção, nosso sistema imune poderá reagir muito mais rápido e eliminar o vírus antes mesmo de causar qualquer sintoma, ou pelo menos os sintomas serão muito mais leves. E por que isso acontece? Porque nosso sistema imune possui memória!!! Isso mesmo, ele consegue se lembrar do vírus e de como combateu ele da primeira vez, assim fica tudo mais fácil e rápido.

Qual a função dos anticorpos?

Os linfócitos T são estimulados pelo vírus, pela vacina e por outras células infectadas com o vírus e os linfócitos B são estimulados pelo vírus e pela vacina. O linfócito T vai atuar destruindo as células infectadas e recrutando outras células e mecanismos do sistema imunológico para combater a infecção. O linfócito B vai passar a produzir os anticorpos neutralizantes que vão impedir o vírus de infectar novas células e se reproduzir. Ambos os linfócitos irão produzir cópias de si mesmos que ficarão na corrente sanguínea e no sistema linfático como células de memória para que a próxima infecção seja combatida mais rapidamente.Fonte: Imagem produzida pela autora no Biorender.com.

Os anticorpos são um componente importante da nossa resposta adaptativa. Também chamados de imunoglobulinas, existem 5 tipos de anticorpos, cada um com uma função principal. Quando falamos de infecções por vírus podemos citar 3 tipos de anticorpos principais: o IgA, o IgM e o IgG. O IgA é encontrado nas secreções de nossas mucosas como as do sistema digestório, respiratório e urogenital. Esse anticorpo vai impedir que os patógenos se fixem na parede das mucosas.

O IgM é o primeiro anticorpo que será produzido após uma infecção (quando o vírus ultrapassou as barreiras das mucosas e entrou nas nossas células na corrente sanguínea). Esse anticorpo é específico e formado por uma molécula grande, o que é vantajoso porque apenas uma molécula de IgM pode neutralizar vários vírus ao mesmo tempo. Isso torna a resposta mais rápida.

Já o IgG, que talvez seja o mais famoso,assim como o IgM, é produzido pelos linfócitos B que já entraram em contato com o microorganismo causador da doença.Ele possui uma molécula menor, no entanto uma especificidade maior que o IgM para o patógeno. É comum que em testes rápidos sejam detectados o IgM ou o IgG. Se a pessoa testar positivo para o IgM quer dizer que ela está passando por uma infecção aguda. Se testar positivo para o IgG, possivelmente já se curou da infecção.

E mesmo dentro de IgGs é importante destacar que nem todos serão capazes de impedir a infecção pelo vírus. O sistema imune pode produzir IgGs para as diversas proteínas presentes na superfície do vírus, mas apenas aqueles que irão se encaixar na proteína usada para ancoragem do vírus nas células humanas (no caso do SARS-Cov-2, a proteína spike) será eficiente para impedir a infecção. Esses são os chamados anticorpos neutralizantes.

No entanto, nosso organismo não ficará produzindo uma grande quantidade de anticorpos neutralizantes indefinidamente. O momento de maior concentração de anticorpos no sangue, em geral, é logo após a cura da doença e é natural que com o tempo essa produção diminua, pois nosso sistema imune precisa empenhar seus esforços em novas infecções que acontecem a todo momento.

Como desenvolvemos a tão sonhada memória imunológica?

Os anticorpos são importantes sim! Mas não são os únicos envolvidos. Na verdade, nossa resposta imunológica começa com os linfócitos de memória, aqueles que não morreram após a infecção serão guardados apenas para se “lembrar” do microorganismo caso ele apareça de novo, para que comecem a produzir uma quantidade alta de anticorpos específicos novamente. 

Nós possuímos dois tipos de linfócitos, os T e os B. Os linfócitos T irão combater as células do nosso organismo que já foram infectadas pelo vírus e também irão liberar sinais químicos que ativam outras células do sistema imune inato e do adaptativo, para ajudarem a combater a infecção. 

Os linfócitos B são os que vão produzir os anticorpos durante a infecção. E tanto os linfócitos B quanto os T podem se tornar células de memória e ficar circulando na corrente sanguínea como soldadinhos prontos para reagir quando aquele vírus aparecer novamente. Um estudo publicado na revista The Conversation mostrou que durante a vacinação contra a COVID-19 a memória está mais associada à produção de linfócitos T de memória, já que a concentração de anticorpos na corrente sanguínea tende a cair rapidamente após a vacinação.

Como saber se eu estou imune após a vacinação?

#pratodosverem: Foto de uma pessoa com luva azul na bancada de um laboratório segurando uma placa de cultura de células contendo um líquido avermelhado e uma seringa. Fonte: Unsplash

Algumas pessoas estão recorrendo ao teste de imunocromatografia fornecido em farmácias (o famoso teste rápido) para verificar se a vacina provocou a produção de anticorpos contra o SARS-Cov-2. No entanto, esses testes possuem uma sensibilidade baixa, alto índice de erro e além de tudo não foram produzidos com a intenção de testar a eficácia de vacinas. Em geral, os testes de farmácia vão detectar anticorpos para a proteína N e não para a S que é a que está presente na maioria das vacinas (anticorpos neutralizantes), assim a probabilidade de dar negativo é grande. Portanto, o resultado desses testes não deve ser considerado como parâmetro para saber se você está imunizado.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou no dia 30 de março de 2021 uma nota técnica esclarecendo que nós ainda não sabemos qual a quantidade de anticorpos neutralizantes presente no sangue necessária para impedir a infecção pelo SARS-Cov-2. Além disso, o teste “padrão ouro” para definir se a pessoa está ou não imunizada é o ensaio de neutralização em placa que visa expor o sangue do paciente à uma cultura de vírus em laboratório.

Esse teste é bastante delicado e expõe diretamente o operador à presença do vírus, e por isso ele não pode ser realizado em qualquer laboratório ou por qualquer profissional. Os laboratórios que vão fornecer esse tipo de serviço precisam seguir normas de biossegurança que vão descrever desde como deve ser a infraestrutura até quais os treinamentos fornecidos aos profissionais envolvidos. Temos um texto onde explicamos como os cientistas estudam o novo coronavírus sem se contaminar

Por essas razões, o teste de anticorpos tem sido usado por profissionais sérios, apenas para determinar se a pessoa já foi exposta ao vírus ou não, e não para saber se ela está imunizada. 

Além do ensaio de neutralização é possível realizar o teste de presença de linfócitos T de memória específicos para o coronavírus. Mas esses ensaios também são complexos e custosos. 

As vacinas são consideradas eficazes após a realização de testes clínicos que possuem em geral 4 fases, 3 delas realizadas antes do início da vacinação em massa. A fase I é realizada para verificar a segurança da vacina. Na fase II é feita a contagem de anticorpos para iniciar o estudo sobre a resposta imune gerada pela vacina. Mas apenas após a fase III na qual são realizados estudos de proteção contra a infecção é que as vacinas são consideradas eficazes. Uma fase do estudo isolada não aprova a vacina para aplicação na população.

Espero ter te convencido de que mesmo que você ouça casos de pessoas que fizeram o teste de anticorpos após tomar a vacina e a contagem deu muito baixa ou quase zero, não significa que ela não está protegida e que a vacina não funciona. Nosso sistema imune é muito mais complexo do que isso.

Todas as vacinas aplicadas no Brasil passaram por estudos científicos sérios e só foram aprovadas para aplicação na população em massa após passarem por todos os testes de segurança e eficácia. Além do mais, os números de casos de pessoas infectadas e que desenvolveram sintomas graves da doença vem caindo a cada dia, devido à vacinação. Por isso, não deixe de tomar as duas doses da vacina no período correto e incentive todos a sua volta para fazerem o mesmo. 

Texto revisado por Sofia Hohmann e Natália Videira

Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. Devo fazer o teste de anticorpos depois de tomar a vacina da COVID-19?.  Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível:<https://profissaobiotec.com.br/devo-fazer-texte-de-anticorpos-depois-de-tomar-a-vacina-covid-19/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

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FIOCRUZ. COVID-19: a vez das células T?. Disponível em:<https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1982-covid-19-a-vez-das-celulas-t>. Acesso em 29/10/21.
LOPEZ, M. C. SARMIENTO, M. M. J. Células T al rescate: mucho más que anticuerpos en la inmunidad contra COVID-19. The Conversation. Disponível em: <https://theconversation.com/celulas-t-al-rescate-mucho-mas-que-anticuerpos-en-la-inmunidad-contra-covid-19-143774> Acesso em: 29/10/21.
JUCÁ. B. Caça por testes de anticorpos após coronavac leva falsos resultados sobre proteção e prejudica imunização do país. EL PAÍS. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-17/caca-por-testes-de-anticorpos-apos-coronavac-leva-a-falsos-resultados-sobre-protecao-e-prejudica-imunizacao-do-pais.html>. Acesso: 29/08/21.
Faculdade de ciências médicas. Unicamp. Disponível em:<https://www.fcm.unicamp.br/fcm/cipoi/imunologia-celular/overview/tipos-de-resposta-imune> . Acesso em: 29/08/21.
LOPES, C. AMARAL, F. Explorando o sistema imunológico. PUC Minas. Disponível em: <http://www1.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20130912164902.pdf>. Acesso em: 29/09/21.
Tira dúvida, Butantan. Disponível em:<https://butantan.gov.br/Covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-fato-fake>. Acesso em: 29/09/21.
Fonte da imagem destacada: UNSPLASH.

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