A mídia sempre noticia pesquisas sobre o novo coronavírus. Mas como os cientistas trabalham com esse e outros vírus sem se contaminar? Descubra neste texto.

Praticamente todos os dias aparece na mídia alguma notícia sobre pesquisas com o novo coronavírus, seja ela sobre os resultados dos estudos clínicos de alguma vacina ou medicamento, ou sobre alguma elucidação a respeito do vírus, da progressão da doença ou da sua imunidade. Neste texto, vamos contar como os cientistas conseguem realizar pesquisas com diferentes patógenos sem se contaminarem. 

Desde a notificação em dezembro de 2019 de um surto de pneumonia viral, ainda de causas desconhecidas, cientistas do mundo todo voltaram sua atenção e suas pesquisas para obter informações sobre essa doença e buscar controlá-la o mais rápido possível. 

Para quem não é da área pode parecer que nove meses de casos de coronavírus, ainda sem tratamento ou vacina, é um tempo muito longo, mas quem trabalha com ciência concorda que nunca antes os cientistas estiveram tão preparados para enfrentar uma doença desconhecida e para obter respostas tão rápidas. Para se ter uma ideia, em menos de um mês da notificação, o patógeno causador da pneumonia viral foi isolado e identificado e teve seu genoma completo sequenciado. 

Se você quiser entender mais sobre as fases de desenvolvimento de um medicamento ou vacina, e porque esses estudos demoram, acesse este texto

Linha do tempo dos primeiros meses da pandemia do novo coronavírus. Imagem: autoria própria. Fonte dos dados: OMS

Para a realização da maioria dessas pesquisas ou de exames de diagnostico,  é necessário que os cientistas manipulem  o vírus isolado ou uma amostra biológica de pacientes em laboratório. Mas como é feita essa manipulação? Como os pesquisadores conseguem trabalhar sem se infectar e sem levar o vírus para a sociedade? A resposta para essas perguntas envolve a Biossegurança.

O que é Biossegurança?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) define Biossegurança como: “condição de segurança alcançada por um conjunto de ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e o meio ambiente”. Ou seja, trabalhar com biossegurança é fundamental para garantir que os procedimentos científicos sejam seguros, gerando resultados de qualidade sem risco aos pesquisadores, demais membros do laboratório, e também à sociedade e ao meio ambiente 

Quais são os níveis de Biossegurança?

Antes do surgimento do SARS-CoV-2, o causador da COVID-19, outros agentes biológicos causadores de diferentes doenças já eram manipulados por cientistas que buscavam responder perguntas sobre o modo de infecção desses agentes e a progressão das doenças causadas por eles, e a partir dessas respostas desenvolver tratamentos, vacinas e outras medidas profiláticas. 

Os níveis de Biossegurança do laboratório, ou seja, as normas quanto aos procedimentos microbiológicos, as instalações e os equipamentos, dependem da Classe de Risco do agente biológico a ser manipulado. A definição da Classe de Risco, por sua vez, depende se o agente biológico causa doenças, se ela é transmissível de pessoa para pessoa, ou entre animais, e se a doença tem tratamento e/ou profilaxia definidos. Na figura abaixo é possível conhecer alguns exemplos de microrganismos e suas Classes de Risco (a lista completa pode ser encontrada no material do Ministério da Saúde).

Níveis de biossegurança e a respectiva Classe de Risco de microrganismos manipulados. Imagem: Autoria própria. 

Laboratórios com Nível de Biossegurança 1 (NB-1) trabalham com agentes biológicos de Classe de Risco 1, e assim por diante. Sendo que o NB-1 é o nível de menor risco biológico, e o NB-4 de maior risco. 

Os laboratórios de cada nível de Biossegurança devem seguir uma série de requisitos estruturais, de equipamentos e de procedimentos para funcionar. Nós, do Profissão Biotec, já abordamos esse assunto neste texto e trazemos um resumo no infográfico abaixo. Os requisitos completos podem ser encontrados também no material do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde

Infográfico do Profissão Biotec publicado em  2019. Autoria: Bianca Chaves Martins

Mas essas são as regras para se trabalhar com agentes biológicos patogênicos quando eles estão restritos ao ambiente do laboratório, evitando que o pesquisador se contamine e leve o microrganismo para fora do laboratório. 

Quais as recomendações para se trabalhar em laboratório em meio a pandemia?

Enquanto o SARS-CoV-2 estiver à solta por aí, ou seja, enquanto estiver ocorrendo transmissão de pessoa para pessoa e elevado número de novos infectados por dia, todas as pessoas devem seguir algumas recomendações para evitar a contaminação ao retornarem ao trabalho. Essas recomendações devem ser seguidas independe da pessoa ser ou não pesquisadora, e trabalhar ou não com o SARS-CoV-2 em laboratório. 

O Ministério da Saúde publicou uma portaria com recomendações de volta ao trabalho e o Center for Desease Control (CDC) americano publicou um guia para o trabalho seguro em laboratório. Basicamente, as recomendações incluem o uso de máscara, a lavagem frequente de mãos, a desinfecção de objetos e superfícies e o distanciamento físico. No trabalho, o distanciamento físico pode ser obtido por meio de redistribuição de mesas e bancadas;  implementação de sistemas de teletrabalho (home office), rodízio de funcionários ou turnos de trabalho; substituição de reuniões presenciais por virtuais. 

PORTARIA nº 1.565, de 18 de junho de 2020, Diário Oficial da União

Perceba que essas recomendações podem ser aplicadas tanto em laboratórios de NB-1, quanto laboratórios de bioinformática, escritórios e áreas comuns do edifício do laboratório. 

E no Brasil tem pesquisa com o novo coronavírus?

Tem sim! Apesar do  sucateamento dos laboratórios públicos e dos cortes no financiamento e bolsas para pesquisa, os pesquisadores brasileiros responderam bem, e rápido, a chegada do novo coronavírus. Graças aos equipamentos e aos profissionais capacitados para trabalhar com outros vírus, como o Zika e o Chikungunya, e outras áreas relacionadas ao combate de doença e estudo de patógenos, os cientistas brasileiros (que não pararam suas pesquisas durante a quarentena) alteraram o foco de suas pesquisas para buscar entender e combater o SARS-CoV-2. 

Algumas dessas pesquisas já renderam publicações em renomadas revistas científicas internacionais. Veja alguns exemplos:

Para conhecer mais ações leia o texto “Cientistas brasileiros contra o novo coronavírus”.

Bom, agora que você já sabe como trabalhar com Biossegurança durante uma pandemia e como realizar pesquisas científicas manipulando o SARS-CoV-2 e outros agentes biológicos, fica mais fácil entender como é o dia-a-dia dos cientistas que estão buscando novos tratamentos e vacinas para a COVID-19 e outras doenças. Siga o Profissão Biotec nas redes sociais para ficar por dentro dos próximos avanços biotecnológicos!

Texto revisado por Bianca Chaves Martins e Bruna Lopes

Referências: 
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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde. Classificação de risco dos agentes biológicos.  3. ed.  Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 48 p. ISBN 978-85-334-2547-7

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Diretrizes gerais para o trabalho em contenção com agentes biológicos / Ministério da Saúde. 3. ed.  Brasília : Ministério da Saúde, 2010. ISBN 978-85-334-1716-8

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BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.565, de 18 de junho de 2020. Estabelece orientações gerais visando à prevenção, ao controle e à mitigação da transmissão da COVID-19, e à promoção da saúde física e mental da população brasileira, de forma a contribuir com as ações para a retomada segura das atividades e o convívio social seguro. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 19 jul. 2020, p.64. Acesso em: 09/08/2020

Subbaraman,Nidhi. Return to the lab: scientists face shiftwork, masks and distancing as coronavirus lockdowns ease. Nature 582, 15-16 (2020) doi: 10.1038/d41586-020-01587

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