Driblar o envelhecimento parece impossível, mas já conseguimos aumentar muito nossa expectativa de vida. Até onde podemos chegar?

É evidente que estamos vivendo mais. As taxas de mortalidade infantil caíram muito nas últimas décadas e a população idosa tem vivido cada vez mais e melhor. A expectativa de vida de um brasileiro em 2017 era de 76 anos, cerca de 6 anos a mais do que no ano 2000 segundo o IBGE. Isso, sem dúvidas, é uma ótima notícia. No entanto, o fato de estarmos vivendo mais também nos traz mais problemas. 

Evidências apontam que o envelhecimento traz consigo uma série de doenças, como o Alzheimer, o Parkinson, a doença renal crônica, o Diabetes tipo 2, o acidente vascular cerebral,  e alguns tipos de câncer. As causas e consequências dessas doenças são apresentados na série “No meu tempo não era assim” do Profissão Biotec.

E apesar de, em geral, as pessoas viverem mais, não se pode afirmar que todos os brasileiros nascidos em 2019 viverão até os 80 anos. Pelo contrário, muitos sofrem com as complicações do envelhecimento bem cedo e morrem antes da idade prevista, enquanto outros vivem muito além dela. Por que isso acontece? Será que podemos retardar o envelhecimento?

O que já sabemos sobre as causas do envelhecimento?

O envelhecimento é um processo bastante complexo que envolve alterações em todos os níveis do organismo, começando a nível molecular e chegando até o nível sistêmico. Pensando do ponto de vista molecular, ocorrem o acúmulo de mutações e danos no DNA, alterações epigenéticas, dificuldade de detecção de nutrientes, entre outras. E em nível celular, algumas das mudanças mais significativas são o estresse oxidativo, exaustão de células-tronco e a disfunção mitocondrial.

Muitos são os fatores que podem contribuir para todas essas alterações, como o alcoolismo, o tabagismo, o sedentarismo, os maus hábitos alimentares e de sono e a obesidade, para citar os principais. No entanto, se sabe que boa parte da contribuição para o envelhecimento é herdada e a ciência está empenhada em descobrir quais são os fatores genéticos relacionados com esse processo. Desenvolvemos esse tema no artigo “9 marcas moleculares do envelhecimento”.

O que já sabemos é que os telômeros têm grande papel neste caso. Os telômeros são estruturas de DNA repetidas (com abundância das bases nitrogenadas T e G) localizadas nas pontas dos cromossomos. Dentre várias funções, os telômeros são responsáveis por regular a capacidade replicativa das células, pois a cada replicação, os telômeros são encurtados um pouco, e quando eles chegam em um tamanho crítico, a célula para de se replicar.

A perda no tamanho dos telômeros se dá por uma restrição da enzima polimerase, responsável pela replicação dos telômeros. Ela só consegue iniciar a adição de novas bases nitrogenadas a partir de uma sequência de RNA iniciadora que chamamos de primer. O RNA é sintetizado pela enzima RNA primase e é complementar à fita já existente de DNA, então a DNA polimerase pode fazer o seu trabalho e replicar o restando do DNA com base na fita molde.

O que ocorre no fim é que o primer precisa ser removido da fita, e assim os telômeros ficam menores a cada replicação. Isso significa que uma célula possui um número limitado de vezes que consegue se dividir, pois ela passa por pontos de checagem que irão verificar o tamanho dos telômeros e fazer com que a célula entre em senescência se os telômeros estiverem muito curtos.


Esquema do encurtamento dos telômeros que ocorre durante a replicação dos cromossomos. A porção terminal, inicialmente ocupada pelo primer de RNA, não é preenchida por DNA quando ele é removido, o que causa o encurtamento. Fonte: Adaptado de Researchgate.net.

Um estudo realizado na Espanha verificou o comportamento dos telômeros em 8 espécies de animais, entre aves e mamíferos. Os pesquisadores concluíram que cada uma delas perde parte dos telômeros ao longo da vida em velocidades diferentes. Animais com ciclo de vida curto, como os camundongos, perdem os telômeros cerca de 60 vezes mais rápido que os elefantes, por exemplo. E quando os telômeros chegam a 75% ou 50% do seu tamanho original, o animal morre.

Alguns animais conseguem driblar o envelhecimento?

Para que um organismo possa viver mais, portanto, se faz necessário um mecanismo de proteção dos telômeros. É o que está presente nas células do papagaio verdadeiro (Amazona aestiva), espécie de ave que vive em média 60 anos, mas pode durar até 80, mesmo tendo apenas 35 cm e pesar 400g. 

Os papagaios em geral são conhecidos como aves de vida longa, pois vivem pelo menos 20% a mais do que o esperado em relação ao seu peso corporal. O cálculo para determinar isso é estimado correlacionando a longevidade, em anos, das aves em cativeiro e das aves selvagens com seu peso corporal, que está ligado à taxa metabólica média. Cálculo explicado aqui

Suas células são equipadas com uma maquinaria de reparo do DNA, controle de proliferação celular e uma proteção do estresse oxidativo do sistema imune. Um estudo demonstrou que isso é possível graças a vários genes exclusivos dessas aves, que desempenham as funções celulares já mencionadas e também são responsáveis pelo desenvolvimento neural e a aprendizagem vocal (mais de 300 genes).

A baleia-da-groenlândia (Balaena mysticetus) é um exemplo do outro extremo, um mamífero gigante que pesa mais de 100 toneladas e que pode viver cerca de 200 anos. Como ela consegue fazer isso? Parece que o segredo está em sua termorregulação. Por ser um animal que vive em um ambiente bastante frio é importante que consiga manter o metabolismo baixo, o que propicia inclusive que ela consiga evitar o surgimento de câncer.


Ilustração dos mecanismos de controle do envelhecimento em Papagaios verdadeiros e Baleias-da-Groenlândia. Fonte: Imagem montada pela autora. Pixabay 1, 2, 3, 4, 5, 6

Sabendo disso, cientistas já tentaram manipular os genes de vermes, conseguindo prolongar a sua vida de 3 semanas, para 190 dias. Outro teste com camundongos também foi bem sucedido, mas de maneira mais modesta, enfatizando a complexidade do organismo de mamíferos. Ainda existem muitas limitações para a aplicação direta desses conhecimentos em seres humanos. Nosso genoma é significativamente mais complexo do que da maioria dos animais. 

Mas e o ser humano?

Ainda estamos longe de solucionar a questão do envelhecimento, mas atualmente, pesquisadores do mundo todo estão empenhados nesse tema. São fortes as evidências de que o estudo da genética e da biotecnologia continuarão a contribuir para a identificação de maneiras de retardar o envelhecimento e ajudar as pessoas a envelhecer de maneira saudável. Se quiser mais sobre os esforços que estão sendo feitos nessa área acesse o nosso texto “Viveremos até os 100 anos? Como a biotecnologia vai impactar nossa velhice

Já tinha pensado sobre quais os mecanismos fisiológicos estão envolvidos no processo de envelhecimento? Se gostou, compartilhe nosso texto em suas redes sociais!

Texto revisado por Carolina Vasconcelos e Isis Venturi
Referências:

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