A pandemia causada pelo novo coronavírus está apresentando muitos desafios aos pesquisadores do mundo todo. Por ser uma doença nova, ainda não temos todas as respostas e estamos acompanhando na mídia o avanço em tempo real das pesquisas e descobertas sobre a COVID-19.
Neste texto vamos apresentar estudos pelo mundo que estão sendo realizados com as técnicas de bioimpressão e engenharia de tecidos com o objetivo de entender como o vírus infecta as nossas células, quais os danos causados por ele, quais tecidos são afetados, de que maneira desenvolvemos imunidade contra ele (se é que desenvolvemos), além de testar diversas drogas que possuem potencial para tratar a infecção.
Estudos in vitro
Para estudar uma doença os modelos in vitro são essenciais, eles são os experimentos que mimetizam processos biológicos fora dos sistemas vivos (organismo completo, in vivo), em um ambiente fechado e controlado dentro do laboratório, e normalmente ocorrem em recipientes de vidro.
Os estudos in vitro são chamados de testes pré-clínicos e são o primeiro passo, por onde iniciamos os testes e direcionamos os esforços para estudos mais completos. Para que os resultados dessas pesquisas sejam mais próximos da resposta in vivo é necessário que seja escolhido o melhor modelo.
Atualmente, a engenharia de tecidos e a bioimpressão tem fornecido resultados promissores para substituição dos modelos tradicionais 2D, ou seja, experimentos realizados em culturas de células em monocamada que normalmente são bidimensionais. Já os organóides produzidos por essas abordagens, são culturas tridimensionais em 3D que possuem organização celular (morfologia) e algumas funções semelhantes às do órgão que mimetizam, além de fornecerem um microambiente adequado para que as células cresçam e realizem a expressão gênica de maneira mais fiel ao que ocorreria no corpo humano. Por conta dessas vantagens muitos grupos de pesquisa têm utilizado esses organóides para compreender a ação do SARS-COV-2 no organismo.
Quais estratégias estão sendo usadas e quais os resultados?
Pesquisadores da Universidade de Kyoto (Japão), liderados por Kazuo Takayama, desenvolveram organóides brônquicos com 4 tipos de células para estudar como o vírus as infecta. Um organóide brônquico é uma estrutura tridimensional cultivada em laboratório derivada de células-tronco que possui estrutura semelhante aos brônquios (estruturas cartilaginosas responsáveis por conduzir o ar para dentro dos pulmões).
Kazuo e seus colaboradores perceberam que o vírus atuou principalmente nas células-tronco que irão substituir as células do epitélio. Eles continuam suas pesquisas agora com a finalidade de saber se essa infecção pode se alastrar para os outros tipos celulares.
Na Escola de Pós-graduação em Ciências Médicas Weill Cornell Medicine (Nova York), Shuibing Chen busca compreender as causas da infecção por SARS-COV-2 em organóides de pulmão. Estes são mais completos que os organóides brônquicos pois possuem também uma estrutura essencial para a função pulmonar, que são os alvéolos, (estruturas responsáveis pelas trocas gasosas durante a respiração).
O grupo de Shuibing Chen já descobriu que o vírus induz a produção de quimiocinas e citocinas pelas células, o que desencadeia uma forte reação do sistema imune e leva a morte celular. Agora eles querem entender exatamente por que essas células estão morrendo, se por conta dos danos causados pelo vírus, por uma destruição auto-induzida ou por serem fagocitadas pelas células de defesa. Para isso eles querem cultivar um organóide (nesse caso, também chamado de mini pulmão) com células do sistema imune.
Organóide (mini pulmão) infectado com SARS-COV-2. Na linha de cima: estudo do potencial preventivo das drogas. Na linha de baixo: estudo do potencial de tratamento após 3 horas de infecção. DMSO: dimetilsulfóxido (usado como controle negativo/veículo), QNHC: dicloridrato de quinacrina, MPA: ácido micofenólico e Imatinib. A coloração azul representa os núcleos celulares evidenciados com DAPI (4’,6 diamidinofenilindol), a coloração vermelha representa a expressão da proteína ACE2 (proteínas usadas pelo vírus para infectar as células, explicamos isso aqui) nas células do organóide, a coloração verde representa a presença de proteínas Spike do vírus SARS-COV-2. Fonte: HAN, et al., 2020.
Já se sabe que o vírus tem a capacidade de se espalhar e infectar outras parte do corpo, além do sistema respiratório. Em sua pesquisa com organóides de vasos sanguíneos humanos, Montserrat demonstrou que SARS-COV-2 é capaz de infectar as células epiteliais desses vasos e migrar para os outros tecidos.
Outros estudos com organóides de rim, fígado, intestino delgado e grosso demonstram que o vírus é capaz de infectar e matar algumas células desses órgãos, no entanto os danos causados ainda não são bem compreendidos.
Uma outra abordagem bastante inovadora é o desenvolvimento de camundongos com pulmões humanizados. Uma estratégia mencionada neste artigo consiste em transplantar células-tronco pluripotentes (PSCs) humanas em blastocistos de camundongos mutantes. Essa abordagem é bastante nova e ainda apresenta muitos desafios, além de ir de encontro com alguns problemas éticos, visto que a tendência é que os testes em animais sejam reduzidos. Contudo, se ela for realizada, poderá fornecer um modelo animal mais adequado para futuros estudos de doenças pulmonares como a COVID-19.
Esquema de camundongo humanizado segundo o proposto por Wahl et al. and Mori et al. Fonte: traduzido de Pujhari e Rasgon, 2020.
E no Brasil?
Entre outras iniciativas temos um grupo de bolsistas e professores da Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), coordenado pela professora Marimelia Porcionatto e pelo professor Jean Faber, que já iniciaram os experimentos com o objetivo de desenvolver modelos in vitro a partir de bioimpressão 3D para estudos de infecção e testes de fármacos. O grupo também se dedicará ao estudo in silico da doença, ou seja, utilizará técnicas de modelagem computacional para compreender as tendências de desenvolvimento da Covid-19.
Além disso uma startup brasileira, localizada na incubadora da USP/Ipen – Cietec, a TissueLabs fundada por Gabriel Liguori, desenvolveu uma plataforma que possibilita o estudo da Covid-19 no epitélio pulmonar de maneira muito semelhante ao que as células encontram no pulmão verdadeiro. A base das células fica em contato com a matriz extracelular e no topo as células ficam em contato com o ar. Essa plataforma está sendo distribuída gratuitamente para que outros pesquisadores possam utilizá-la em pesquisas sobre a infecção e fármacos contra o SARS-COV-2.
Esquema das três formas de cultivo de células epiteliais. O último modelo é a plataforma desenvolvida pela TissueLabs. Fonte: Jornal da USP.
Apesar de serem áreas de pesquisa relativamente novas, a engenharia de tecidos e a bioimpressão já mostram resultados bastante significativos e por isso têm sido adotadas por pesquisadores do mundo todo a fim de melhorar a qualidade de seus estudos. Sem dúvida, essas abordagens terão importância fundamental no combate a pandemia da Covid-19.
Você se interessou pelas técnicas e quer aprender mais? Temos esse texto no qual falamos sobre os métodos alternativos para experimentação animal e esse texto no qual falamos mais sobre as técnicas de cultivo celular 3D e bioimpressão de tecidos.