A saúde mental é muito importante para uma jornada acadêmica positiva. Neste texto exploramos o que o medo e a biotecnologia têm em comum.

A cantora Taylor Swift iniciou sua turnê internacional The Eras Tour com uma fanbase gigante disposta a passar dias ou semanas em frente aos estádios para presenciar esse momento único. Em meio às músicas escolhidas para os shows, está a faixa Anti-Hero, em 3:20 minutos a cantora expressa como é a vida de uma pessoa que sofre de esgotamento mental.

“It’s me, hi
I’m the problem, it’s me
At teatime
Everybody agrees
I’ll stare directly at the sun but never in the mirror
It must be exhausting, always rooting for the anti-hero”

Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (WHO) o Brasil apresenta a maior taxa de indivíduos que sofrem de depressão na América Latina (5,9% da população), enquanto o suicídio ocupa a segunda maior causa de morte entre brasileiros de 15 a 29 anos. Em um cenário típico de prevalência de depressão mental, o indivíduo apresenta oscilações de humor, redução de energia e queda de rendimento ao realizar atividades cotidianas. A capacidade de se concentrar e demonstrar interesse é reduzida, bem como manifestações de cansaço após qualquer tipo de esforço mínimo se mostram comuns. Problemas de autoestima e autoconfiança tendem a se juntar aos sentimentos de culpa.

Assim, a saúde mental tem sido discutida nos últimos anos e não é uma condição exclusiva dos artistas, pois vem acometendo cada vez mais pessoas de diversas áreas. Dentre essas, a carreira acadêmica ocupa um papel importante e preocupante. Muitas doenças psicológicas têm sido colocadas em evidência nas universidades, como transtorno de burnout, depressão, bipolaridade e a síndrome do impostor.  

O que é a síndrome do impostor?

O termo “síndrome do impostor” foi cunhado por Clance e Imes (1978), ao descrever as percepções e sentimentos de alguém que se sente como um impostor ou fraude, mesmo com evidências apontando o contrário. 

Cometer erros durante a sua jornada acadêmica ou na vida como um todo, é normal. O processo de aprendizagem requer que testes sejam feitos até que o acerto ocorra. No entanto, para algumas pessoas aceitar a falha pode ser um grande desafio. Sentir-se inseguro após receber uma tarefa é algo que todos sentimos, mas quando esses pensamentos não acabam e ocorre uma mudança comportamental pode ser caracterizado como síndrome do impostor. Ironicamente, muitas pessoas de sucesso se encontram constantemente pensando que não são capazes.

Uma das frases mais famosas de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) foi dita por ele em seu leito de morte: Eu ofendi a Deus e à humanidade porque meu trabalho não atingiu a qualidade que deveria”. Mais perfeccionista impossível! Se até o grande Da Vinci era tão inseguro de si… quem somos nós? 

Você se sente um impostor? 

Tudo começa com o ciclo do impostor, que se inicia com os questionamentos quanto a sua capacidade. Ao encontrar uma razão, inicia-se a busca por aperfeiçoamento, mesmo que a sensação de fraude ainda permaneça, até que o objetivo seja alcançado, quando então há um momentâneo alívio. No entanto, não demora muito para que os sentimentos e inseguranças em relação a sua capacidade voltem .

O ciclo se repete a partir do momento que a pessoa busca  atingir outro objetivo, como “uma qualificação melhor”, “uma promoção na empresa”, “publicar mais um artigo”… e mais uma vez o sofrimento se inicia até atingir o objetivo final. 

Fonte: Autor. 

Ilustração do ciclo do impostor, adaptado de Clance, P. R., & Imes, S. A. (1978).   #ParaTodosVerem: imagem ilustrando o ciclo do impostor com início nas caixas cinzas à direita pelos sentimentos de fraudes, seguido de busca por uma razão. Ao encontrar essa razão, é criado um objetivo a ser perseguido e até alcançar esse objetivo os sentimentos de fraude permanecem ilustrados pelas caixas cinza escuro. Após alcançá-lo há um momentâneo alívio e sensação de dever cumprido,mas acaba passando, iniciando assim um novo ciclo (caixas vermelhas) com os mesmos questionamentos. 

Mas por que isso acontece? 

Somos pessoas racionais, então por que não conseguimos parar esse ciclo? 

A razão para isso é que, uma vez no ciclo, a pessoa já não responde mais de forma racional à situação. O que move o ciclo são as emoções. A síndrome do impostor é uma emoção que você pode sentir no seu estômago, nos seus ossos e em todo o seu corpo. O descontrole desses sentimentos pode causar efeitos psicossomáticos. Muitas vezes as emoções são mais poderosas que fatos. 

Você pode se convencer que essa conversa é muito louca e que você não é um impostor! Mas quando ocorre alguma situação desafiadora, o seu corpo pode começar a lhe dizer Eu acho que você é sim um impostor”. Por esses sentimentos serem fortes, você é programado a aceitar essa conclusão mesmo que ela não seja real. Ou seja, apesar de existirem evidências de que você não seja um impostor, elas não serão contabilizadas para que essa sensação de fraude acabe.  

Portanto, o maior combustível do  ciclo do impostor é o medo, mas ainda assim pessoas que sofrem da síndrome de impostor podem ser bem-sucedidas. Pois o medo de ser exposto o leva a se esforçar ao máximo para que isso nunca aconteça. Ironicamente, essa evidência pode se tornar uma razão para justificá-lo como impostor: “Se eu realmente fosse talentoso, e eficiente, não precisaria me esforçar tanto…. ou pior, você pode pensar que, por se sentir um impostor, é que consegue atingir o sucesso. Você pensa que parar de se sentir como uma fraude ocasionaria o fracasso, expondo-o assim como um impostor. Nessa etapa fica mais difícil de se livrar ou parar o ciclo. 

Fonte: Autor (imagem gerada pelo servidor Giphy.). 

Quando você descobre que está se auto sabotando. #ParaTodosVerem: imagem de Fred da turma do Scooby-Doo (desenho da Hanna Barbera) tirando o capuz do malfeitor e encontrando ele mesmo. 

Medo e a biotecnologia 

Agora que você já entendeu o que é a síndrome do impostor, deve estar se perguntando: o que a biotecnologia tem a ver com tudo isso?

Recentemente, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego (UC San Diego), descobriram quais são os mecanismos envolvidos no processo que podem ocasionar o medo generalizado em um indivíduo. Eles  mapearam o circuito bioquímico que ocorre no cérebro, muitas vezes experienciado por pessoas que sofrem de ansiedade e também transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Após realizarem estudos em cérebros de camundongos em uma região conhecida como núcleo dorsal da rafe (NDR), os cientistas demonstraram que o estresse agudo induz uma mudança de sinais químicos nos neurônios através dos neurotransmissores (substâncias químicas produzidas pelos neurônios responsáveis pela comunicação entre eles). Esses sinais passam de neurotransmissores excitatórios glutamato para neurotransmissores inibitórios GABA, ou seja, é essa mudança que leva  a resposta de medo generalizado.

Assim, os pesquisadores também realizaram uma busca por esses inibidores em pacientes que sofriam de TEPT. Ao examinarem post-mortem os cérebros dessas pessoas foi confirmada a presença do neurotransmissor GABA.  

Estudos em camundongos, tratados com o antidepressivo fluoxetina (Prozac) e submetidos a evento estressante, também identificaram que o GABA foi suprimido, evitando assim os eventos desencadeados pelo medo generalizado.

A partir desse entendimento, a nível molecular, os pesquisadores podem planejar novas terapias e o desenvolvimento de medicamentos que possam ajudar pacientes com TEPT, ansiedade e síndrome do impostor aguda. Ou seja, ao desvendar o circuito bioquímico relacionado ao medo e a resposta a situações de estresse (comuns na síndrome do impostor), os cientistas podem elaborar estratégias e/ou medicamentos para tratar esse problema.

É possível quebrar o ciclo e ser seu próprio herói? 

Infelizmente, muitos pós-graduandos em determinada etapa de seu curso acabam nesse ciclo e expressam ansiedade e depressão, devido às pressões em relação à produtividade, falta de tempo hábil e investimento financeiro. Relações deterioradas com o orientador também podem ser um fator gerador de tensões, além de insatisfação pessoal e preocupação com o futuro. 

É importante lembrar que o ciclo só acontece porque a pessoa sente-se uma fraude e não quer ser descoberta. A aceitação de que não existe um acadêmico perfeito, que pessoas são passíveis de errar e que errar faz parte do processo de construção de aprendizado é um início para a recuperação e saída do ciclo. Uma vez que há a normalização desses sentimentos e questionamentos, é possível aprender com os eventuais erros da vida sem precisar se preocupar em ser descoberto como um impostor. Você passa a se esforçar porque deseja e quer ser melhor! 

O apoio da comunidade acadêmica e suporte profissional psicológico também são essenciais para a construção de uma carreira  saudável. É claro que essa mudança de concepção se torna mais crível com a prática. Se você não consegue sair do ciclo sozinho, é importante procurar ajuda e preservar sua saúde! Somos todos passíveis dessa condição. 

Lembre-se que a saúde mental é uma parte importante da sua vida e deve ser sempre levada como uma prioridade.

Texto revisado por Sthefany Lacerda e Bruna Cardias

Cite este artigo:
REZENDE, S. B. Jornada acadêmica e Síndrome do Impostor: eu sou mesmo um problema?  Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/jornada-academica-e-sindrome-do-impostor-eu-sou-mesmo-um-problema/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

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FRIEDRICH, J.; BAREIS, A.; BROSS, M.; BÜRGER, Z. et al. “How is your thesis going?”–Ph. D. students’ perspectives on mental health and stress in academia. Plos one, 18, n. 7, p. e0288103, 2023.
KEARNS, H.; KEARNS, H. The imposter syndrome: why successful people often feel like frauds.  ThinkWell, 2015. 0992275032.
LI, Hui-quan et al. Generalized fear after acute stress is caused by change in neuronal cotransmitter identity. Science, v. 383, n. 6688, p. 1252-1259, 2024.
SANT’ANA KUENKA, B. O Impacto da Pós-Graduação Stricto Sensu sobre o Estado de Saúde Mental do Brasileiro. Revista Economia Ensaios, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil, v. 36, n. 2, 2021. DOI: 10.14393/REE-v36n2a2021-56061. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/revistaeconomiaensaios/article/view/56061. Acesso em: 21 ago. 2024.
THE CONVERSATION: You have to suffer for your PhD: poor mental health among doctoral researchers –  new research. Disponível em: <https://theconversation.com/you-have-to-suffer-for-your-phd-poor-mental-health-among-doctoral-researchers-new-research-174096> Acesso em: 6 Mar 2024.
UC SAN DIEGO TODAY. How Fear Unfolds inside Our Brains. Disponível em:<https://today.ucsd.edu/story/how-fear-unfolds-inside-our-brains>. Acesso em: 01 Jun. 2024.
ZIMMERMAN, M.; BALLING, C.; CHELMINSKI, I.; DALRYMPLE, K. Understanding the severity of depression: which symptoms of depression are the best indicators of depression severity? Comprehensive psychiatry, 87, p. 84-88, 2018.
Fonte da imagem destacada:

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