A produção de proteínas recombinantes é uma das grandes revoluções da Biotecnologia. Estas proteínas são produzidas a partir da técnica de DNA recombinante (Figura 1), sendo expressas principalmente em organismos diferentes da espécie de origem do gene de interesse.
A insulina é um clássico exemplo do impacto desta técnica de engenharia genética. Até os anos 80, a insulina retirada de pâncreas de porcos, que é semelhante ao hormônio de humanos, era utilizada para o tratamento de pacientes com diabetes. Contudo, por ser de uma espécie diferente, havia um considerável índice de rejeição e efeitos colaterais. Mas no início da década de 80, através da técnica do DNA recombinante, bactérias começaram a ser utilizadas como biofábricas para a produção de insulina humana sintética, diminuindo a rejeição e os efeitos colaterais.
Figura 1 – Processo de produção de proteínas recombinantes. Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/
Atualmente, estes produtos biotecnológicos possuem grande importância nas indústrias farmacêuticas e alimentícia e por isso são amplamente utilizados no dia a dia. O valor de mercado apenas de enzimas produzidas a partir desta técnica no ano de 2014 foi avaliado em R$10,6 bilhões.
Geralmente, quando se pensa nesta técnica, o primeiro grupo de organismos que vem à mente são as bactérias, principalmente Escherichia coli. Entretanto, células de outros organismos como leveduras, insetos, plantas e mamíferos também podem ser utilizados como hospedeiros. Cada grupo de organismos tem seus prós e contra (Figura 2).
Figura 2 – Prós e contras da utilização de cada um dos sistemas em relação a quatro parâmetros. Fonte: Invitrogen
As leveduras se mostram um dos grupos mais interessantes, isso porque são organismos unicelulares, de rápido crescimento, fácil manipulação genética, sem endotoxinas (toxina produzidas nas células de microorganismos e que são liberadas após a morte dos mesmos) e com boa capacidade de secreção de proteínas, além de possuírem um sistema de modificações pós-traducionais mais diversificado que o das bactérias. Apesar destas modificações serem menos complexas que as realizadas pelas células de insetos e mamíferos, os custos, facilidade de utilização e tempo necessário pesam a favor das leveduras. Dentro deste grupo, a Kluyveromyces lactis é uma espécie que aparece como ferramenta biotecnológica emergente.
Figura 3 – Kluyveromyces lactis. Fonte: gettyimages.com
Kluyveromyces lactis é fungo ascomiceto, próximo ao gênero Saccharomyces, que devido a sua importância industrial já teve seu genoma totalmente sequenciado. Uma de suas características é sua versatilidade, podendo utilizar como substrato energético xilose, celobiose, lactose, arabinose e xilitol em meio líquido ou sólido.
Além disso, possui maior capacidade de secretar grandes quantidades de proteínas quando comparada a Saccharomyces cerevisiae e não produz etanol durante seu processo fermentativo. Devido a estas características, além de sua habilidade de rapidamente atingir altas densidades em cultura e ótimo rendimento na produção de proteínas recombinantes, K. lactis tem sido utilizado para a produção em escala industrial destas proteínas nos últimos 25 anos.
Aproximadamente 100 diferentes tipos de proteínas já foram expressas com sucesso em K. lactis para as mais diferentes aplicações, em culturas de larga escalas com até 140.000 litros. Entre suas aplicações na área farmacêutica podem ser citadas a produção de Interleucina 1-β (utilizado para doenças autoimunes), interferon-α (câncer e hepatite) e insulina humana (diabetes). Ademais, possui grande potencial para o estudo funcional in vivo de isoformas de proteínas que possam ser alvos terapêuticos de doenças. Já na indústria alimentícia, algumas das aplicações mais importantes incluem a β-galactosidase nativa (produção de produtos lácteos isentos de lactose) e quimosina recombinante (produção de queijo), além de sua utilização direta na produção de alimentos fermentados.
Apesar de já possuir um importante papel na indústria e pesquisa, atualmente com o advento de novas técnicas de edição genômica, como CRISPR/Cas9, é de se esperar um progresso significante no uso de K. lactis para a produção de proteínas recombinantes, colocando esta levedura como uma interessante ferramenta biotecnológica.
Referências bibliográficas:
Spohner, S.C.; Schaum, V.; Quitmann, H.; Czermak, P. Kluyveromyces lactis: An emerging tool in biotechnology. Journal of Biotechnology, v. 222, p. 104–116, 2016.
Mattanovich D.; Branduardi P.; Dato L.; Gasser B.; Sauer M.; Porro D. Recombinant Protein Production in Yeasts. Recombinant Gene Expression, v. 824, p. 329-358, 2011.
http://revistapesquisa.fapesp.br/
https://pt.wikipedia.org/wiki/ADN_recombinante
http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/uma-ferramenta-para-editar-o-dna/