Quem teve a sorte de manter contato com alguns dos Baby Boomers (geração nascida entre os anos 40 e 60), com certeza já ouviu a expressão no título desse texto. Quando falam de tecnologia, infraestrutura e principalmente dos hábitos diários, os mais antigos têm uma visão bem diferente das gerações atuais.
Certa vez, um comentário do meu avô me chamou atenção no que diz respeito à saúde nos últimos anos:
“No meu tempo não tinha esse monte de gente morrendo de câncer, isso é de agora, desse monte de ‘porcariada’ que tem na comida”
Adolpho Zorzanelli (avô do autor)
Mas será que meu avô, no auge dos seus 80 anos, já tinha visto o suficiente para dizer isso?
Quem te viu, quem te vê
Para saber a resposta, precisamos primeiramente entender se as mortes no Brasil realmente mudaram de perfil nos últimos anos. Consultando a base de dados do DataSUS podemos ter uma ideia dessas informações:
Quando comparamos os dados de mortalidade de 1996 a 2017, dados mais atuais da plataforma, vemos em primeiro lugar as mortes por doenças do aparelho circulatório (vale ressaltar que nessa classificação estão os infartos do miocárdio e outras doenças cardíacas). Essa classe de doenças sempre apresentou alto índice de mortalidade; em 2017 foram responsáveis por 27% das mortes totais registradas na base de dados.
Mas voltando à afirmação do meu avô, vamos analisar a classe à qual ele se refere: as Neoplasias (tumores). Analisando esses dados, percebemos um salto de 4º para 2º lugar dessas doenças como causas de morte. Ainda utilizando dados dessa base, podemos observar que as mortes por neoplasias ao longo dos anos apresentam crescimento constante.
Em 2017, a quantidade de registros de morte devido à neoplasias foi 2,14 vezes maior que em 1996, ou seja, mais que dobrou em apenas 20 anos. Isso mostra por que o meu avô viu ao longo dos anos mais pessoas morrerem com diagnóstico de “câncer”.
Mas será que as mudanças de hábitos alimentares, como dito por ele, foram as responsáveis por isso?
Quando analisamos o restante dos dados, percebemos que duas classificações tiveram redução do número de mortes no período entre 2017 e 1996: as mortes por algumas afecções originadas no período perinatal, que incluem traumatismo de parto, transtornos e infecções de fetos e recém-nascidos, e sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte. Neste caso, o Ministério da Saúde inclui causas mal definidas e desconhecidas de mortalidade; e descreve: “casos para os quais não se possa chegar a um diagnóstico mais preciso, mesmo depois que todos os fatos que digam respeito ao caso tenham sido investigados”.
Mas será que as diminuições de morte dessa classificação podem indicar algo a mais? Será que a queda em mais de 50% do número de mortes por causas desconhecidas e aumento das mortes de “causas conhecidas” podem indicar alguma correlação?
É inegável que o avanço tecnológico dos últimos anos deu saltos gigantescos. Em 1948 estávamos inventando o disco de vinil. Em 1985 o CD-ROM. 1996 o DVD, em 2000 o pen drive, e hoje você está lendo esse arquivo que foi compartilhado em nuvem antes de ser publicado.
Na medicina, o cenário não é muito diferente. Da descoberta da penicilina, em 1928, até as promessas da medicina de precisão, os avanços da ciência têm contribuído não só no tratamento, mas também no diagnóstico de doenças.
Seria possível que o aumento visto na mortalidade, relacionado às doenças como o câncer, estivesse correlacionado com a melhoria dos diagnósticos? Se você também acredita que sim, isso quer dizer que as pessoas morriam devido ao câncer em números muito maiores, mas ainda não era possível realizar um diagnóstico preciso. Não é mesmo?
Sabendo da falta de normalização desses dados, é impossível chegar a um consenso da real taxa de mortalidade de câncer há vinte anos, mas podemos falar de outros aspectos que o avanço da tecnologia nos ajudou a quantificar.
Devagar se vai ao longe
Com os avanços da medicina e da qualidade de vida proporcionados pelo avanço tecnológico, veio o aumento da expectativa de vida da população. Uma evidência disso é o aumento da esperança de vida, estimativa feita pelo IBGE que mede quantos anos de vida a pessoa terá em média tendo nascido naquele ano.
Em notícia publicada em novembro de 2018, o IBGE divulgou dados que indicam um aumento de 30 anos na esperança de vida entre 1940 e 2017.
Se compararmos o período de tempo que estávamos considerando na sessão anterior (1996-2017), vemos o aumento de 9 anos na esperança de vida.
Mas qual a correlação entre esperança de vida e o aumento de determinadas doenças?
A noite todos os gatos são pardos
O nosso corpo, assim como o de outros organismos vivos, possui uma série de mecanismos de proteção contra doenças, sejam elas causadas por agentes externos ou internos, como é o caso do câncer.
Esses mecanismos de defesa, conforme envelhecemos, vão ficando cada vez menos eficazes, como uma espécie de “desgaste do tempo”. E isso nos torna mais suscetível às doenças.
Vamos ver alguns dados sobre o câncer, já que estamos dando ênfase neste tópico. Segundo estudo do Cancer Research UK, no Reino Unido, a incidência da doença em pessoas acima de 30 anos praticamente duplica a cada cinco anos, conforme vemos no gráfico abaixo.
Mas a idade não é o único fator que influencia na incidência de doenças. Além dos fatores internos, os fatores externos também têm grande interferência no que acontece no nosso corpo… O que até explica o fato do meu avô achar que o problema estava na comida.
Quem semeia vento, colhe tempestade
Alimentação, fatores ambientais, nível de atividade, estresse, hábitos como tabagismo e alcoolismo, assim como diversas variáveis influenciam (e muito!) em como nosso corpo se relaciona com as doenças.
Vários estudos já correlacionaram (ou tentaram correlacionar) o stress, poluição, exposição a ondas de aparelhos de comunicação, agrotóxicos, ingestão de álcool, proteínas, carboidratos, fumo, atividade física, espiritualidade e outros fatores com o índice de determinadas doenças.
Apesar de algumas variáveis inesperadas, alguns estudos correlacionais já demonstraram resultados muito bem estabelecidos, como é o caso do cigarro.
O risco à saúde de pessoas fumantes já é tão conhecido que no próprio rótulo dos produtos é obrigatória a exposição de mensagens de alerta sobre impotência sexual, gangrena, trombose, enfisema, câncer de pulmão, envelhecimento precoce e outros efeitos de longo prazo. Mas mesmo assim, o consumidor não parece muito preocupado.
Em 2017, a Vigitel realizou uma pesquisa de hábito dos brasileiros. O resultado é, no mínimo, um sinal de alerta: 10,1% dos brasileiros adultos são fumantes.
Além desse dado, outros resultados dessa pesquisa mostram que 54% da população brasileira apresenta excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2), sendo 18,9% em quadro de obesidade. Ainda, 46% não atingiram prática suficiente de atividade física semanal (150 minutos semanais, aproximadamente 20 minutos por dia).
Para bom entendedor, meia palavra basta
Com certeza as mudanças ocorridas nos últimos anos na alimentação, rotina diária, medicina e tecnologia afetaram diretamente a qualidade e estilo de vida de todos nós.
Não sabemos se meu avô estava inteiramente certo ou se algum dia teremos como atribuir causa e consequência a muitos desses dados. O que podemos dizer é que, por enquanto, ter mais consciência sobre nossos próprios hábitos já faria uma grande diferença no conhecimento sobre nós mesmos… Afinal, a vida seria muito simples se fosse feita apenas ATGC.
E você, tem notado outras mudanças no perfil de saúde nos últimos anos? Então aproveite que em terra de cego, quem tem um olho é rei e confira os outros textos da série “No meu tempo não era assim” que serão publicados em breve.
Meu agradecimento e homenagem especial ao meu avô, Adolpho Zorzanelli (1927-2015), que foi diagnosticado com câncer aos 87 anos e me incentivou no estudo da biotecnologia até o último dia de vida.