O que acontece se a biotecnologia e a nanotecnologia resolvem se encontrar? A resposta não é simples, mas spoilers: muita coisa boa.

Ainda que muitos pensem na biotecnologia como simplesmente manipulação genética, ela é muito mais do que isso! Diferentes áreas buscam integrar conhecimentos e aplicá-los para a saúde humana. Uma dessas áreas é a ciência de materiais, com atenção especial para a nanotecnologia.

A nanotecnologia tem muitas semelhanças com a biotecnologia: é uma área que exige a integração de conhecimentos e multidisciplinaridade, teve um crescimento acelerado e que se tornou exponencial nas últimas décadas, além de estar comumente associada à inovação. Mas o que acontece quando duas áreas tão interdisciplinares interagem entre si? A resposta não é simples, porém podemos dar alguns spoilers: muita coisa boa.

Antes de mais nada, é importante definir o que é um nanomaterial, o principal produto da nanotecnologia. Trata-se de um grupo de materiais nanoestruturados, o que significa que ao menos uma de suas dimensões está na escala nanométrica (10-9 m, ou um bilionésimo de um metro).

A principal característica de materiais nessa escala é que suas propriedades químicas, físicas e biológicas, por muitas vezes, são diferentes de materiais em escalas maiores. Além disso, a tecnologia disponível permite um ajuste fino das propriedades dos materiais desenvolvidos, o que possibilita a aplicação para diferentes fins. Portanto, pesquisadores trabalham muito para criar, caracterizar e descrever novos materiais, permitindo que novas possibilidades de aplicação possam ser exploradas. É nisso que a interseção da nanotecnologia com a biotecnologia aparece: na imensa possibilidade de solucionar problemas de maneira específica.

  Diferentes materiais e sua escala. Modificado de Wikipédia.

Com destaque para a área da saúde, até o momento, possíveis usos da nanotecnologia na biotecnologia incluem aplicações como:

  • Uso como biossensores, auxiliando no tratamento e transporte de substâncias ativas;
  • Ferramentas para pesquisa em medicina molecular, como na genética e proteômica;
  • Diagnóstico e terapia, desde o reparo do material genético até cirurgias;

Todas essas aplicações são frutos de pesquisas translacionais, nas quais conceitos desenvolvidos na pesquisa básica são expandidos para aplicações do mundo real. Um exemplo disso no cotidiano é a medicina personalizada, campo recente da área médica no qual terapias – em especial para doenças raras ou de difícil tratamento – são desenvolvidas e administradas especificamente para cada paciente, considerando suas características próprias e suas respostas ao tratamento e à doença, melhorando consideravelmente a sua qualidade de vida.

A nanotecnologia entra como a ferramenta chave para permitir que isso aconteça: suas técnicas de síntese são aplicadas à produção de fármacos. Nanomateriais são utilizados para realizar o diagnóstico preciso e também para carregar os fármacos até a região específica de ação no organismo do paciente.

Entretanto, não é fácil perceber a associação das duas ciências de cara. Ainda que seja possível entender as possíveis interações e ficar empolgado com os resultados, juntar duas áreas tão distintas uma da outra não é uma tarefa fácil.

Os grupos de pesquisa envolvidos têm muitos desafios para enfrentar, especialmente ao desenvolver materiais que sejam biocompatíveis e não tragam risco algum à saúde animal e humana. Isso envolve estudos de toxicologia e segurança, bem como a avaliação dos órgãos de vigilância sanitária. Por muitas vezes, esses aspectos acabam se mostrando grandes desafios no momento de trazer tais tecnologias ao mercado, mas têm em sua dificuldade uma razão positiva: a saúde em primeiro lugar.

E como acontece na prática?

Um exemplo interessante é ilustrado pelo trabalho que cientistas da Universidade de Kyoto vêm desenvolvendo. Eles trabalham com um tipo de nanomaterial chamado de Metal-Organic Frameworks (estruturas metalorgânicas, em tradução livre), ou simplesmente MOFs. Esses materiais são caracterizados por terem íons metálicos conectados por ligantes orgânicos, baseados em carbono.

A estrutura que é formada apresenta de forma natural poros, nos quais é possível capturar outras moléculas. Assim, o trabalho de pesquisa é encontrar os materiais com as melhores características e que possam aprisionar especificamente as moléculas de interesse. Com isso, diferentes ideias estão sendo exploradas, como a criação de membranas artificiais para a purificação de água, a retirada de contaminantes do ar, a criação de rins artificiais e até biossensores para doenças neurodegenerativas, congênitas e câncer.

Modelo exemplificando a formação de MOFs. Autoria própria.

Um exemplo muito interessante é a possibilidade de utilizar alguns desses materiais para impressão a jato de tinta, assim como utilizamos nas impressões comuns que fazemos em papel. Biotintas estão sendo desenvolvidas de forma que esses materiais possam ser depositados de maneira rápida e eficiente, facilitando e diminuindo os custos de produção.

Uma das aplicações para essa tecnologia é a construção de biossensores para aplicações em point of care, ou seja, diretamente no local em que são necessários. No processo estudado, um MOF capaz de interagir com a proteína AFP – ligada à cânceres como de fígado, pâncreas e bexiga, e que pode ser encontrada no sangue – é impressa em uma tira de papel especial. Após a exposição desse material à uma amostra de sangue do paciente e aplicação de uma substância reveladora, uma resposta luminescente é visível, indicando um resultado positivo. O teste dessa forma é bastante simples e barato, podendo servir como uma ferramenta de diagnóstico importante em ambientes nos quais testes mais complexos são de difícil acesso, seja por questões geográficas ou financeiras.

Esquema de funcionamento do bionanosensor utilizando MOFs. Autoria própria. 

Como foi possível ver, as possibilidades são imensas com a interação entre a nanotecnologia e a biotecnologia! E ainda tem muito mais sendo desenvolvido em muitas universidades, inclusive brasileiras. Tem interesse de atuar na área? Quer saber mais sobre nanotecnologia? Siga o Profissão Biotec e fique sabendo de tudo sobre Biotecnologia!

Texto revisado por Ísis Venturi e Luana Lobo

Referências:
1. Jeevanandam, J., Barhoum, A., Chan, Y. S., Dufresne, A., & Danquah, M. K. (2018). Review on nanoparticles and nanostructured materials: history, sources, toxicity and regulations. Beilstein journal of nanotechnology, 9, 1050–1074. doi:10.3762/bjnano.9.98.
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10. Pureosity. Disponível em: https://pureosity.org/en/global-targets/.

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Carla Eoras
Carla Eoras
4 anos atrás

Excelente texto, tanto pelo conteúdo que trata de áreas de fronteira na ciência atual, quanto pela fluidez de sua leitura. Como pesquisadora destas áreas, principalmente em estudos de sensores e biossensores, procuro incentivar os alunos do curso de Engenharia de Materiais para estas possibilidades de atuação, mas muitas vezes nossos esforços parecem ir contra a maré, pois, em nosso curso a disciplina de nanotecnologia que antes era obrigatoria passou para ser optativa, ou seja, será ofertada esporadicamente.

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