A Biotecnologia pode contribuir para o ODS 14 e é uma aliada da proteção de mares e oceanos e do uso sustentável dos recursos marinhos.

Você já deve ter se deparado com a informação que os oceanos cobrem 70% da superfície da Terra. De fato, vivemos em um “planeta azul” (e podemos dizer também que “salgado”…), pois a cada 100 litros de água existente, 97 estão em mares e oceanos. 

Mas, além disso, qual a importância dos mares e oceanos para a vida na Terra?

Os oceanos e mares nos provêem comida e sustento. Estima-se que mais de três bilhões de pessoas dependem da biodiversidade marinha e costeira para sua subsistência.

Os oceanos também estão associados à regulação do clima, pois realizam a captura e redistribuição de agentes associados ao efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), desde a Revolução Industrial, que teve início na segunda metade do século 18, os oceanos já absorveram aproximadamente um terço do CO2 emitido a partir da queima de combustíveis fósseis e mais de 90% do calor excedente no sistema terrestre. Nesse sentido, os oceanos atuam, portanto, como “amortecedores” dos impactos das mudanças climáticas.

Os ecossistemas marinhos também permitem a existência de vida na Terra, pois pelo menos metade do oxigênio que constitui nossa atmosfera é produzido neles. Nesse quesito, os oceanos superam até mesmo as florestas tropicais como detentores do título de “pulmões do mundo”.

Todas as funções desempenhadas pelos mares e oceanos já demonstram a sua importância para a vida no planeta. Mas não acaba aí. Esses habitats contemplam enorme diversidade de seres vivos, ou biodiversidade. A partir da exploração e uso sustentável da biodiversidade marinha, podem ser obtidos medicamentos, nutrição, energia, entre outros. E ainda há muito a descobrir: 80% dos oceanos ainda não foram explorados e 91% das espécies marinhas ainda precisam ser conhecidas e descritas. É um gigantesco potencial!

No entanto, nem tudo vai bem debaixo d’água: os ecossistemas marinhos e a biodiversidade que guardam estão sob uma série de ameaças.

Ameaças à vida marinha

O que fazemos em “terra firme” pode ter impacto negativo sobre a vida na água: cerca de 80% da  poluição marinha e costeira vem das atividades realizadas no continente. Exemplos de fontes de poluição que afetam os ecossistemas marinhos são resíduos da agricultura (principalmente fertilizantes e agrotóxicos), lixo, plástico e esgoto não tratado, que chegam aos habitats marinhos diretamente, por meio de despejos, ou indiretamente, carregados por rios.

Além da poluição, outro inimigo da vida marinha são as mudanças climáticas, que estão associadas à acidificação dos oceanos. À medida que a concentração de CO2 liberado para a atmosfera aumenta, mais CO2 é absorvido pelos oceanos. O CO2 absorvido, por sua vez, faz com que a água se torne mais ácida, pois se dissolve e se transforma em ácido carbônico (H2CO3). A acidificação dos oceanos pode prejudicar espécies-chave de organismos marinhos que são a base da teia alimentar. Além disso, quanto mais ácida a água do oceano, menor é a capacidade de continuar absorvendo CO2, um dos principais agentes do efeito estufa, o que reduz o “amortecimento” das mudanças climáticas.

Gráficos do aumento da concentração atmosférica de CO2 e o aumento da acidificação dos oceânos
A partir de 1950, a concentração de CO2 liberado para a atmosfera aumentou consideravelmente em função da atividade humana. Por consequência, os oceanos se tornaram mais ácidos, o que pode causar impactos negativos. A acidificação oceânica é evidenciada pelo aumento da concentração do íon hidrogênio (H+) no gráfico da direita com o passar dos anos. Fonte: modificado de WWF (2018).
#PraTodosVerem: dois gráficos estão dispostos lado a lado. No primeiro, à esquerda, o eixo horizontal corresponde aos anos entre 1750 e 2010 e o eixo vertical representa a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2) em partes por milhão (ppm). A escala varia entre 270 e 390 ppm. A curva que relaciona a concentração de CO2 aos anos apresenta tendência de aumento, que é acentuado a partir de 1950. No segundo gráfico, à direita, são apresentados dados relativos à acidificação oceânica. O eixo horizontal representa os anos entre 1750 e 2010 e o eixo vertical corresponde à concentração do íon hidrogênio (em nanomol/kg). A escala varia entre 6,4 e 8,4 nmol/kg. A curva que relaciona a concentração do íon hidrogênio aos anos inicia a partir do ano 1850. Há tendência de aumento, acentuado a partir de 1950.

Além dessas ameaças, mares e oceanos estão sujeitos, ainda, a outros causadores de impactos negativos. Alguns exemplos são: superexploração de recursos pesqueiros, poluição do oceano (vazamentos acidentais de combustível, por exemplo) e desenvolvimento das regiões costeiras, que podem levar à destruição de habitats importantes para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

Visando à contenção dessas e de outras ameaças e à proteção da vida na água, os mares e oceanos foram incluídos na Agenda 2030 e contemplados por um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), o ODS 14.

Quais as metas do ODS 14?

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 14, ou “Vida na Água”, visa:

“Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”.

Entre as 10 metas do ODS 14, aquelas que podem contar com a Biotecnologia são:

  • (…) prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos (…).
  • (…) gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos (…) e tomar medidas para a sua restauração.
  • (…) implementar planos de gestão com base científica, para restaurar populações de peixes no menor tempo possível.
  • Aumentar o conhecimento científico, desenvolver capacidades de pesquisa e transferir tecnologia marinha (…).

Vejamos, a seguir, exemplos de contribuições da Biotecnologia para o cumprimento do ODS 14.

A Biotecnologia a favor da vida marinha

1 – Bioplásticos

Todos os anos, aproximadamente 8 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos. O plástico está, aliás, entre os poluentes mais preocupantes, pois 80% do lixo encontrado nos habitats marinhos é composto por esse tipo de material. Além disso, a expectativa é que, se nada mudar, em 2050 haverá mais plástico que peixes nos oceanos. Partículas plásticas podem permanecer no ambiente por centenas de anos e estão associadas a danos aos organismos marinhos, sobretudo provocados pela ingestão do material ou por asfixia.

Felizmente, alternativas biodegradáveis vêm sendo desenvolvidas, que levam muito menos tempo para se decompor no ambiente e, por consequência, têm menor potencial de causar impactos negativos. O destaque aqui são os bioplásticos, ou os plásticos produzidos a partir de fontes renováveis.

Um exemplo brasileiro é o bioplástico desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná. O produto demora cinco meses para se decompor, diferentemente dos plásticos derivados de petróleo que podem levar mais de 400 anos, e é produzido a partir de matérias-primas como amido, algas e outros ingredientes.

2 – Produção de peixes

Com a superexploração da pesca, várias populações de peixes estão diminuindo. Algumas, inclusive, estão sob risco de extinção.

A Biotecnologia dispõe de alternativas que podem ser utilizadas para o aumento da produção e atendimento da demanda por essa proteína animal. Um exemplo é a produção de carne de peixe em laboratório a partir de células-tronco. Uma das empresas que exploram esse processo biotecnológico é a alemã Bluu Biosciences, mas existem outras mundo afora.

3 – Biorremediação

Os processos de biorremediação, que utilizam a atividade de organismos vivos, podem ser utilizados para a remoção de poluentes de mares e oceanos afetados, por exemplo, por vazamentos acidentais de substâncias potencialmente nocivas.

Casos notórios da aplicação da biorremediação foram o vazamento de petróleo do navio Exxon Valdez, na costa do Alasca (EUA) em 1989 e no Mar Amarelo, na China, em 2010. Em ambos os acidentes, o crescimento de microrganismos capazes de degradar petróleo foi estimulado para reduzir o impacto ambiental dos derramamentos.

Não há informação sobre a utilização da biorremediação em larga escala no Brasil, mas diversos grupos de pesquisa estão debruçados sobre as possibilidades e aplicações dessa técnica. Pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa, por exemplo, desenvolveram uma emulsão com gotículas de óleo que carregam água fertilizada em seu interior. Essas gotículas podem ser pulverizadas sobre manchas de petróleo no mar e fornecem nutrientes para estimular o crescimento dos microrganismos que realizarão a biodegradação dos poluentes.

4 – Biotecnologia Azul: pesquisa, desenvolvimento e inovação

Reconhecer o potencial “escondido” na biodiversidade pode ser um caminho para a proteção dos habitats marinhos. E é aí que entra a Biotecnologia Azul, que utiliza a biodiversidade marinha para o desenvolvimento de produtos. 

Em mares e oceanos são encontradas, por exemplo, enzimas com aplicação industrial, microalgas utilizadas para a produção de biocombustível e moléculas bioativas. Considerando apenas a indústria farmacêutica, a exploração da biodiversidade marinha já possibilitou o desenvolvimento de substâncias para o tratamento de dores crônicas e HIV-AIDS, antibióticos, antitumorais e anticancerígenos.

No país, a startup gaúcha Regenera Moléculas do Mar é uma das pioneiras na bioprospecção de microrganismos e moléculas de origem marinha. Outras iniciativas brasileiras que desenvolvem pesquisas na área são a Ação BIOTECMARINHA e a Rede Nacional de Pesquisa em Biotecnologia Marinha.

Um homem mergulhando próximo de corais
Mares e oceanos abrigam grande biodiversidade, que pode ser utilizada de maneira sustentável para a obtenção de produtos e processos. Fonte: Pixabay. #PraTodosVerem: na fotografia subaquática, aparecem rochas, corais e alguns peixes. Há também um mergulhador que observa os organismos marinhos.

No fundo dos mares e oceanos, podem estar guardadas soluções para a vida em todo o planeta. Cabe a nós, seres “da terra”, trabalharmos pela conservação e uso sustentável desses recursos. Nesse sentido, a Biotecnologia é uma aliada no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e pode nos apresentar ferramentas e alternativas para a proteção da vida na água.

Perfil de Elaine Latocheski
Texto revisado por Darling Lourenço e Bruna Latocheski

Cite este artigo:
LATOCHESKI, E. C. ODS 14: aplicações da Biotecnologia para a proteção da vida marinha. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/ods-14-palicacoes-biotecnologia-para-protecao-da-vida-marinha/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

IPCC. IPCC Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate. 2019. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/3/2019/12/SROCC_FullReport_FINAL.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2022.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável: 14 – Vida na água. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/14>. Acesso em: 03 fev. 2022.
NATIONAL OCEANIC AND ATMOSPHERIC ADMINISTRATION. How much oxygen comes from the ocean? Disponível em: <https://oceanservice.noaa.gov/facts/ocean-oxygen.html>. Acesso em: 06 fev. 2022.
UNITED NATIONS. Conserve and sustainably use the oceans, seas and marine resources for sustainable development. 2020. Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/report/2020/goal-14/>. Acesso em: 04 fev. 2022.
UNITED NATIONS. Goal 14: Conserve and sustainably use the oceans, seas and marine resources. Disponível em: <https://www.un.org/sustainabledevelopment/oceans/>. Acesso em: 04 fev. 2022.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. 5 reasons why a healthy ocean is linked to human rights. 2021. Disponível em: <https://www.unep.org/news-and-stories/story/5-reasons-why-healthy-ocean-linked-human-rights>. Acesso em: 04 fev. 2022.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Why do oceans and seas matter? Disponível em: <https://www.unep.org/explore-topics/oceans-seas/why-do-oceans-and-seas-matter>. Acesso em: 04 fev. 2022.
WWF. Living Planet Report – 2018: Aiming Higher. Grooten, M. and Almond, R.E.A.(Eds). WWF, Gland, Switzerland: 2018. Disponível em: < c402277.ssl.cf1.rackcdn.com/publications/1187/files/original/LPR2018_Full_Report_Spreads.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2022.
WWF. Índice Planeta Vivo 2020 – Reversão da curva de perda de biodiversidade. Almond, R. E. A.; Grooten, M.; Petersen, T. (eds.). WWF, Gland, Suíça, 2020. Disponível em: <f.hubspotusercontent20.net/hubfs/4783129/LPR/PDFs/Brazil%20FINAL%20summary.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2022.
Fonte da imagem destacada: Unsplash/Hiroko Yoshii.

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