“Quem vive de passado é museu!” Para os paleontólogos, acessar o passado é uma parte importante de seu trabalho e nem por isso eles deixam de viver o presente. Ainda mais quando olhamos para as ferramentas utilizadas nos dias modernos que nos possibilitam analisar a história dos seres vivos integrando paleontologia, genética, evolução e bioinformática.
Estamos falando da paleogenômica, também conhecida por paleogenética, uma área recente que nos tem permitido olhar para o material genético de organismos fósseis e adicionar peças importantes do quebra-cabeça que compõem a história dos organismos vivos, incluindo o processo de evolução humana.
Paleogenômica e o Nobel de Medicina
Em 2022, o sueco Svante Pääbo foi laureado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia por suas contribuições no campo da evolução humana. Ele conseguiu sequenciar pela primeira vez o genoma do homem de Neandertal, um parente nosso que já foi extinto. Além disso, ele conseguiu descrever uma espécie de hominídeo que era desconhecida, denominada Denisova.
Suas contribuições foram tão relevantes, que a comunidade científica o coroou como o pai da paleogenômica. Seus achados só foram possíveis graças às tecnologias modernas, que incluem a biotecnologia. Essas tecnologias permitem recuperar, reconstruir, sequenciar e analisar DNA antigo encontrado em fósseis. O estudo da paleogenômica trouxe a incrível possibilidade de comparar o genoma dos nossos parentes extintos com o nosso.
Um destaque desse estudo foi a observação de que através da migração dos Neandertais da África para outros continentes, cerca de 70 mil anos atrás, ocorreu uma transferência de genes para a nossa espécie. Isto sugere que os Neandertais podem ter coexistido com a nossa espécie em um curto período de tempo, gerando filhos. Com essa descoberta será possível investigar como os genes dos nossos antepassados influenciam diversas doenças, por exemplo, na área da imunologia.
Como funciona a paleogenômica?
A paleogenômica pode ser definida como uma área que reconstrói e analisa o material genético (genoma) de organismos que já foram extintos. A partir dela, é possível entender como diversas características evoluíram e as relações das espécies extintas com espécies atuais que possuem algum grau de parentesco. Mas como é possível analisar o DNA de uma espécie extinta?
O primeiro passo é ter acesso ao fóssil que será estudado e identificar qual parte do corpo do organismo se trata (dentes, ossos ou tecidos moles). A partir daí, o desafio é extrair o DNA dessas amostras com sucesso. Nós chamamos o DNA encontrado em fósseis de DNA antigo (ancient DNA, do inglês) e este, apesar de estar preservado, apresenta diversos graus de degradação, ou seja, não está íntegro, e muitas vezes se encontra fragmentado. Geralmente, o DNA preservado em fósseis de ambientes congelados apresenta um menor grau de degradação. Estima-se que, em geral, o DNA dos fósseis não se mantém preservado após 1 milhão de anos.
Outro desafio é que além de estar degradado, o DNA de fósseis antigos também contém DNA contaminante do meio ambiente (microrganismos, plantas, entre outros). Outro problema é o risco de contaminação com DNA do ambiente atual durante os experimentos de manipulação. Somente nas próximas etapas, onde o DNA antigo é sequenciado e analisado por bioinformática, é possível distinguir as sequências de nucleotídeos que realmente são daquele organismo estudado.
A bioinformática se tornou um ponto chave para a paleogenômica, pois através dela podemos utilizar diversas ferramentas que nos dizem quais as sequências de nucleotídeos encontradas no DNA antigo e como elas estão dispostas. A partir disto, é possível realizar comparações com espécies próximas para verificarmos as similaridades e diferenças entre seus conteúdos genéticos.
É importante lembrar que o DNA antigo também contém uma série de danos físicos (quebra nas fitas) e químicos (alterações em nucleotídeos) que tornam desafiadora a tarefa dos bioinformatas em identificar a sequência correta.
Aplicações da paleogenômica
A paleogenômica permite entender diversas questões quando comparamos o DNA antigo com o de espécies que estão vivas. Uma delas é saber como ocorreram as mudanças genéticas desde as populações pré-históricas. Podemos saber o que existe de conservado, modificado ou inovador no DNA de espécies atuais, como o homem. Todas essas observações também nos ajudam a “desenhar” todo o trajeto evolutivo dos hominídeos em diversas regiões do planeta e saber quais espécies são mais similares à nossa.
Deixando um pouco a evolução humana de lado, a paleogenômica também é essencial para analisar o DNA de espécies de animais e plantas extintas. Assim, é possível estudar a evolução desses grupos de organismos e entender como o seu conteúdo genético lhes garantiu adaptações para os diferentes ecossistemas em que viveram. Outra questão interessante está em observar como era a genética de espécies selvagens que são próximas de espécies domesticadas atualmente.
E daria para reviver uma espécie extinta a partir do seu DNA antigo, como ocorreu com os dinossauros no filme de ficção científica Jurassic Park? Essa ideia está muito distante de ser uma realidade quando se trata de fósseis muito antigos, principalmente porque o DNA apresenta uma série de danos que são quase impossíveis de serem recuperados a fim de gerar um organismo pelo processo de clonagem, o qual também já é bastante complexo.
No entanto, há um projeto de clonagem do mamute Yuka a partir do DNA encontrado em células preservadas do fóssil de sua perna. O projeto entusiasmou os cientistas envolvidos, pois o DNA recuperado aparenta ter poucos danos e algum nível de atividade. Vocês podem conferir mais detalhes no do Profissão Biotec, onde falamos sobre o processo de desextinção de espécies a partir do material genético.
Podemos dizer que a Biotecnologia teve um papel muito importante para o surgimento da paleogenômica. Metodologias modernas de manipulação do material genético e abordagens atualizadas de bioinformática permitem que a história evolutiva da vida possa ser reconstruída.
Cite este artigo:
ABREU, F. C. P. Paleogenômica: construindo a história da vida. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/paleogenomica-construindo-historia-vida/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Prêmio Nobel de Medicina é atribuído ao cientista sueco Svante Pääbo. Disponível em < https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2022-10/premio-nobel-de-medicina-e-atribuido-ao-cientista-sueco-svante-paabo > Acesso em 05 de outubro de 2022.
HEINTZMAN, Peter D. et al. Paleogenomics. Reviews in Cell Biology and Molecular Medicine, v. 1, n. 3, p. 243-267, 2006. Disponível :<https://pgl.soe.ucsc.edu/mcb.201500020.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2022.
NICHOLLS, Henry. Ancient DNA comes of age. PLoS biology, v. 3, n. 2, p. e56, 2005. Disponível :<https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.0030056>. Acesso em 08 de outubro de 2022.
Fonte da imagem destacada: Wikimedia.