Porque uma fêmea começa a se reproduzir sozinha? Que vantagem ela tira disso? E como podemos aproveitar essa habilidade na pesquisa científica? Descubra no texto de hoje.

O que o tubarão-martelo, o dragão de komodo e as Daphnias têm em comum? Todos eles se reproduzem de uma forma bastante singular, a partenogênese.

Nós estamos muito familiarizados com a reprodução sexuada, que envolve machos e fêmeas, e parece que isso é uma regra da biologia, mas, eu gosto de dizer carinhosamente que na biologia as regras estão aí apenas para serem quebradas. E esse é o caso da partenogênese, um método de reprodução que não precisa de machos.

O que é partenogênese

A partenogênese é um tipo de reprodução assexuada, ou seja, não envolve a fecundação de um óvulo por um espermatozóide, pois, a fêmea consegue produzir sozinha ovos que irão se tornar um organismo completo. Existem basicamente três tipos de partenogênese: a telítoca, a arrenótoca e a anfítoca (ou arrenotoquia), e elas vão se diferenciar, em parte, devido a maneira que se dá a determinação sexual da espécie.

A partenogênese telítoca é aquela em que todos os filhotes gerados são fêmeas. Isso pode acontecer, por exemplo, quando a determinação sexual da espécie é cromossômica e as fêmeas são homogaméticas ( possuem os dois cromossomos iguais, como nos seres humanos em que as fêmeas possuem dois cromossomos X). No entanto, a partenogênese telítoca também pode ocorrer em espécies que possuem outros mecanismos de diferenciação sexual, como nas Daphnias (microcrustáceos) que tem seu sexo determinado por expressão do gene DSX (doublesex). 

Abelha na colmeia
Abelha Apis mellifera. #ParaTodosVerem: Uma abelha com a cabeça dentro de um dos favos de uma colméia. Fonte: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/AbBZKCPzLQQ

O mecanismo da partenogênese arrenótoca é o oposto da telítoca por gerar apenas filhotes machos. É o caso, por exemplo, das abelhas Apis mellifera (abelhas de mel) que tem sua determinação sexual a partir da quantidade de conjuntos cromossômicos no embrião, ou seja, se for um embrião diplóide nascerá uma fêmea e se for um embrião haplóide nascerá um macho

Na Apis mellifera os óvulos postos pela rainha, que são fecundados pelos zangões, dão origem a outras rainhas ou a abelhas operárias que são fêmeas inférteis, já os óvulos não fecundados dão origem aos zangões.

A produção de filhotes machos na partenogênese também ocorre em espécies em que a determinação ocorre pelo sistema ZW. Nesse sistema as fêmeas são heterogaméticas (possuem os cromossomos Z e W) enquanto os machos são homogaméticos (possuem dois cromossomos Z). Quando se reproduzem, as fêmeas podem produzir embriões ZZ ou WW. Os embriões WW não são viáveis, por isso, sobrevivem apenas os ZZ, que são machos. Esse tipo de reprodução é encontrado em algumas espécies de aves e répteis.

A partenogênese anfítoca é aquela que dá origem a filhotes de ambos os sexos. Ela é um pouco mais rara e acontece por exemplo em pulgões de região temperada.

Nem todos os tipos de partenogênese vão gerar indivíduos haplóides como no caso das abelhas. Existem dois casos nos quais podem ser gerados filhotes diplóides. O primeiro deles é quando o ovócito 2N interrompe o processo de meiose e passa a se dividir por mitose, formando assim um indivíduo completo, diplóide. Outro mecanismo que pode ocorrer é a fusão entre o óvulo e o glóbulo polar, gerado da última etapa da meiose. Esse processo é o que ocorre na partenogênese dos Dragões de Komodo.

A partenogênese nos animais também pode ser obrigatória, para os animais que só se reproduzem dessa maneira, e facultativa, para animais que se reproduzem de forma sexuada e assexuada e também pode ser cíclica, também chamada de heteropartenogênese, quando a partenogênese alterna entre as gerações entre a produção de machos e fêmeas. 

Espécies que se reproduzem por partenogênese e porque

A partenogênese, apesar de parecer um processo raro, é mais comum do que se imagina. Para se ter ideia, ela já foi observada em quase todos os grupos de animais vertebrados, no entanto, aparentemente, apenas os mamíferos não são capazes de se reproduzir por partenogênese, devido a um processo conhecido como imprinting genômico. Além disso, ela é muito comum em insetos, crustáceos, escorpiões, e claro, em plantas como a banana.

Uma das espécies mais conhecidas que se reproduz por partenogênese é o escorpião amarelo. A partenogênese dessa espécie é do tipo telítoca, ou seja, produz apenas fêmeas e é tão difundida que até 2009 acreditava-se que existissem apenas fêmeas desse escorpião até que foram encontradas algumas populações com machos que se reproduzem de maneira sexuada.

Escorpião amarelo
Escorpião amarelo. #ParaTodosVerem: Um escorpião amarelo sobre uma pedra. Fonte: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/VfdRlDDp_sk

Alguns lagartos também podem se reproduzir por partenogênese, como a espécie brasileira Leposoma percarinatum. Um dos mecanismos genéticos que possivelmente deram o “start” para que as fêmeas começassem a se reproduzir sozinhas foi uma mutação em um gene chamado c-mos. Esse gene codifica a expressão de uma proteína que “bloqueia” o final da divisão celular até a chegada do espermatozóide. 

A partenogênese já foi observada em espécies que estão em extinção como o condor da Califórnia e esse mecanismo pode ser interpretado como um “último suspiro” da espécie para tentar sobreviver. Na falta de machos, por exemplo, algumas fêmeas podem desenvolver a capacidade de se reproduzir assexuadamente.

Além disso, o gênero de bactérias Wolbachia é conhecido como sendo capaz de induzir a partenogênese em ovos de invertebrados infectados. A bactéria gera disfunções no processo de meiose que possibilitam a telitoquia (partenogênese telítoca).

Implicações ecológicas e biotecnológicas da partenogênese

Como a partenogênese não envolve a combinação de DNA de dois indivíduos, como na reprodução sexuada, os filhotes gerados carregam apenas o material genético da mãe. Esse processo reduz grandemente a variabilidade genética da população, fazendo com que todos os indivíduos sejam clones uns dos outros nas populações de espécies que realizam a partenogênese telítoca.

Isso sem dúvida é uma desvantagem quando se pensa na possibilidade de um patógeno infectar os indivíduos, já que se um for suscetível a essa infecção todos os outros serão e pode-se dizimar uma população completa com uma simples bactéria. No entanto, a partenogênese pode ser vantajosa do ponto de vista da colonização de novos ambientes, tendo em vista que apenas um indivíduo pode dar origem a uma nova população completa em poucas gerações.

Para a biotecnologia e estudos em laboratório, organismos que se reproduzem por partenogênese podem ser muito interessantes e vantajosos, uma vez que eles e podem produzir muitos descendentes em pouco tempo e possuem uma homogeneidade genética, o que proporciona uma situação ideal para o estudo de fármacos e ensaios toxicológicos por exemplo, além de muitas possibilidades de estudos genéticos.

Você já tinha ouvido falar dessa forma de reprodução? Continue acompanhando os conteúdos do Profissão Biotec para saber de mais coisas incríveis sobre a natureza e ciência.

Perfil de Jennifer
Texto revisado por Arthur Enrici e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. Partenogênese e a Biotecnologia. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/partenogenese-biotecnologia>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

UCELI, L. F., COSTA, F. L. P. Os filhos da mãe – a partenogênese como forma de reprodução em animais – CONCEITOS EM GENÉTICA 2. Genética na Escola, Sociedade Brasileira de Genética, v. 14, n. 1, 2019. Disponível em: <https://www.geneticanaescola.com/revista/article/view/316/284>. Acesso em: 24/07/23.
FIORAVANTI, C. A flexibilidade sexual das fêmeas. Revista Pesquisa Fapesp, ed. 197, jul. 2019. Disponível em:<https://revistapesquisa.fapesp.br/a-flexibilidade-sexual-das-femeas/>. Acesso em: 24/07/23.
MEDEIROS, T. Estudo investiga a origem da dispensabilidade de machos em espécies de lagartos. AUN – Agência Universitária de Notícias. 2019. Disponível em: <https://aun.webhostusp.sti.usp.br/index.php/2019/12/11/estudo-investiga-a-origem-da-dispensabilidade-de-machos-em-especies-de-lagartos/>. Acesso em: 24/07/23.
SANTOS, A J. Partenogênese facultativa e comportamento de acasalamento no escorpião amarelo (Scorpiones: Buthidae: Tityus serrulatus). 2021. Tese – Pós-graduação em Zoologia,  Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/39002/1/Tese%20FINAL.pdf>. Acesso em: 24/07/23.
Fonte da imagem destacada: Unsplash.

Sobre Nós

O Profissão Biotec é um coletivo de pessoas com um só propósito: apresentar o profissional de biotecnologia ao mundo. Somos formados por profissionais e estudantes voluntários atuantes nos diferentes ramos da biotecnologia em todos os cantos do Brasil e até mesmo espalhados pelo mundo.

Recentes

Assine nossa newsletter

Ao clicar no botão, você está aceitando receber nossas comunicações. 

X