Na série Perfil de Pesquisadores Brasileiros, o Profissão Biotec entrevista renomados cientistas brasileiros. Neste post, conheça a Drª Denise Freire: pesquisadora em Biotecnologia Industrial, e acredita que a Biotecnologia terá um papel crucial nas próximas revoluções industriais.

Os brasileiros, de um modo geral, confiam na ciência e nos cientistas, de acordo com  pesquisas de 2015 e de 2019 sobre percepção da sociedade em relação à ciência. Mas são poucos os brasileiros que sabem dizer o nome de um cientista brasileiro e de um instituto de pesquisa tupiniquim. Pensando em ajudar a mudar essa situação, o Profissão Biotec criou o projeto Perfil de Pesquisadores Brasileiros para apresentar pesquisadores que fazem ciência de ponta (e em biotecnologia) em nosso país! Conheça no perfil de hoje a pesquisadora Drª Denise Maria Guimarães Freire.


Drª Denise Freire – À frente da Biotecnologia no Brasil! Fonte: Vídeo “O detergente versátil” do canal no Youtube TV  ADUFRJ

Dra. Denise Freire – à frente da biotecnologia no Brasil

Atualmente, a Dra Denise Freire é, não somente, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas também pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa dessa instituição.

Sua história com a Biotecnologia começou ainda na graduação, quando um professor de Bioquímica mudou sua vida ao mostrar que existe uma intersecção entre Engenharia, Biologia e Química. Anos depois, ela é uma pesquisadora reconhecida tanto nacionalmente, quanto internacionalmente, inclusive compondo os Comitês de Assessoramento de Biotecnologia da CAPES e do CNPq. Suas área de pesquisa é a Biotecnologia Industrial, com foco em biodetergentes e catalisadores enzimáticos (lipases, mais especificamente). Seu grupo desenvolve produtos (e/ou suas aplicações), bom como processos de interesse biotecnológico. A Dra Denise acredita que a Biotecnologia terá um papel crucial nas próximas revoluções industriais e lamenta que a sociedade, de forma geral, não conheça ou valorize o trabalho dos pesquisadores. Ainda assim, ela pensa que esses profissionais devem se empenhar mais em popularizar a  ciência para divulgar para a sociedade o papel da ciência como agente transformador da mesma. Ela também reconhece que deveria haver melhores condições estruturais para que a ciência seja feita sem tantas dificuldades. A Dra Denise se considera um“ser interfacial”, assim como as lipases, enzimas que ela estuda há muitos anos. Ela é uma apaixonada pela natureza e pela Biotecnologia.
natureza e pela Biotecnologia.

Confira abaixo a entrevista completa com a Drª Denise para conhecer a trajetória de sucesso dessa pesquisadora brasileira!

PROFISSÃO BIOTEC: QUAL É A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA (GRADUAÇÃO, PÓS-GRADUAÇÃO E PÓS-DOC) E CARGO ATUAL?

Denise Freire (DF): Eu acho que para você seguir a biotecnologia, a formação é muito importante e ela deve ser uma formação o mais multidisciplinar possível. Eu fiz a graduação em  Engenharia Química e o mestrado em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos na UFRJ. Mas senti falta na minha formação de um conhecimento mais aprofundado em Química e Bioquímica, porque a Biotecnologia usa o conhecimento  do metabolismo dos seres vivos (microrganismos, células animais ou vegetais) em seus processos. Então o entendimento maior dos processos Bioquímicos e da Química são fundamentais  para um profissional que quer seguir a área de Biotecnologia. Eu já tinha aprendido um  pouco da área da engenharia, dos processos, e eu precisava me aprofundar na área de Bioquímica. E por isso eu fiz meu doutorado em Bioquímica, no lugar onde você tem uma das melhores bioquímicas tecnológicas da UFRJ, no Instituto de Química. No doutorado eu pude saber o que acontecia “por trás” dos microrganismos, ou seja, quais eram os processos, como isso era regulado, como era o metabolismo; e tudo isso eu aprendi aqui, na Bioquímica do Instituto de Química.

PB: EM QUE PROFISSIONAL SE INSPIROU PARA SEGUIR ESSA CARREIRA?

DF: O profissional que me inspirou a essa carreira se chama Gerson Pinto, que foi um professor de Bioquímica e, quando eu tive essa matéria, ele conseguiu me mostrar a Bioquímica relacionada à realidade, a um processo, a uma utilidade, a um produto, a uma doença, a um problema. Era tudo que eu queria, porque eu sempre gostei muito de Biologia, e, na verdade, eu fiz Engenharia Química por uma questão de que eu pensava no mercado, pois sendo bióloga e eu ia acabar sendo professora – que coisa engraçada, eu acabei sendo professora! Eu não tinha muita opção na Biologia, então eu imaginei que a Engenharia Química poderia me dar mais opções no mercado de trabalho. Porém, quando eu entrei na Engenharia Química eu senti que não era aquilo que eu queria mesmo, do fundo do coração, porque eu sempre gostei muito da área biológica.

Quando eu vi que eu podia fazer uma intercessão entre a área biológica e área da engenharia, eu fiquei apaixonada. E foi justamente no que esse professor me inspirou; o professor Gerson era também Engenheiro Químico, mas gostava de Bioquímica e dava aula da Bioquímica aqui no Instituto de Química. Então, ele me inspirou e aí eu falei: é isso que eu quero, é essa Bioquímica aplicada, a Bioquímica que é dada aqui que me interessa. E aí eu fiquei apaixonada e fui seguindo essa trilha. Fiz Engenharia, fiz o meu mestrado, voltando a falar da minha formação, e acabei fazendo o  meu doutorado aqui, onde esse professor me inspirou a seguir a carreira da Biotecnologia.

Os professores são muito importantes na formação do aluno, mas, infelizmente, agora a Biotecnologia da UFRJ não está cumprindo seu papel. Eu sou obrigada a lhe dizer isso, infelizmente, porque ela não é um curso que inspire, ela está, ao contrário, desestimulando os alunos. Tem uma taxa de evasão altíssima, porque eles entram com uma perspectiva e saem sem nenhuma.

O curso de Engenharia Química para mim foi muito importante, porque ele me deu a possibilidade, junto com a Bioquímica, de ter uma formação muito ampla. Eu acho que nós  temos que fazer uma reestruturação desse curso por conta disso, eu acho que a gente não está formando o profissional que queremos. Esse profissional precisa ter muito mais base em Bioquímica, Química  e na área de Processos.

PB: QUAL É SEU LIVRO DE CABECEIRA OU hobby?

DF: Um livro de cabeceira é “A biologia da crença”. É um livro bastante interessante que fala sobre como a existência de uma divindade junto com a biologia, ele relaciona a biologia com essa energia que a gente tem e que conecta as pessoas. Não é de cabeceira, mas é um livro que eu li, me apaixonou e eu sempre falo para os meus alunos. Outro livro que me impactou foi o livro do James Lovelock que é “A vingança de Gaia”, que fala de um tema bastante atual, que é justamente o que está acontecendo agora… Gaia é a Terra e ela está tentando se livrar dos seres humanos. Gaia seria como um ser, um corpo, que está sofrendo muito com uma doença. Essa doença se chama seres humanos, e essa Terra (Gaia) está nos combatendo de alguma maneira, com os anticorpos que ela consegue produzir, ou seja, ela vai tentar nos destruir porque nós somos uma doença  para ela, nós estamos destruindo o nosso planeta. É um livro aterrorizante, porque quando você lê, você acha que a  Terra realmente não vai ter futuro com essa perspectiva dos seres humanos, que é uma perspectiva individualista, egoísta, egocêntrica e que não vai levar a humanidade a lugar nenhum a não ser a destruição.

Quanto a série… eu não gosto de televisão. Eu sou uma pessoa que, particularmente,  não gosto de televisão, só assisto jornais. Não gosto de séries também. Eu sou muito chata com isso, eu não perco muito tempo… eu acho que tem tanta coisa mais importante pra fazer. E quando eu estou em casa, até assisto jornal, mas eu procuro estar fazendo outras coisas mais importantes do que estar na frente de uma televisão. Se possível, eu gosto de correr na praia, de estar em contato com a natureza, então sempre que possível, eu estou fora de casa. Meu marido também é assim, então a gente consegue fazer uma conexão boa com a natureza. Eu viajo, vou a cachoeiras, eu faço muita trilha com minha família, e isso me conecta ao que é essencial da vida, que é a natureza.

PB: QUAIS EVENTOS ACONTECERAM NA SUA VIDA (MAS NÃO APARECEM NO LATTES) QUE TE LEVARAM AONDE ESTÁ AGORA?

DF:A aula do Gerson Pinto mudou a minha história. Um professor mudou a minha história. Eu ia para um lado, eu havia até feito processo seletivo para uma empresa de Engenharia Química clássica e eu mudei tudo, mudei radicalmente minha vida. Hoje em dia, talvez eu fosse um engenheira química clássica e não trabalhasse na área de Biotecnologia, que é meu amor hoje em dia

E eu diria a você que um evento muito importante na minha vida foi o falecimento do meu pai. Isso realmente foi radical, porque a minha família teve que se reestruturar e viver com pouco dinheiro, digamos assim. Isso significou para mim como única alternativa o ensino público de qualidade, que na época existia, e que me inspirou a ser muita coisa do que eu sou. Com o falecimento do meu pai, nossa situação financeira ficou muito ruim, mas, ao mesmo tempo a gente teve correr atrás e correr atrás foi muito importante para mim, porque eu passei a ser mais responsável pelos meus atos e ter um amadurecimento ao fazer escolhas que fossem influenciar o resto da minha vida. Eu não tinha muito isso; eu acho que quando vc é criado com pai e mãe, na bolha, que você não tem que correr atrás, às vezes você não pensa muito nas consequências. Eu passei a pensar um pouco mais nas consequências e o falecimento do meu pai foi fundamental para eu ter esse choque de realidade. Eu saí do meu sonho e caí na realidade nua e crua que é você estar em uma família que começa a passar dificuldades.

PB: QUAL É A SUA PRINCIPAL ÁREA DE PESQUISA ?

DF: A minha principal área de pesquisa eu defino como Biotecnologia. Por quê? Biotecnologia Industrial. Porque aqui no LaBiM trabalhamos com duas linhas claras. Uma é a dos produtos, os bioprodutos, ou seja, são produtos obtidos a partir dos microrganismos. Então trabalhamos com a: produção e entendimento de processos para obtenção de um produto de interesse tecnológico. Ou desenvolvemos o processo, ou desenvolvemos o produto em si, ou a aplicação deste produto, mas esse produto vem de uma origem biológica – isto é a definição de Biotecnologia, eu diria. Mas, dentro disso, temos uma linha um pouco mais específica, que seria a linha dos biodetergentes, substâncias bioativas de atividade interfacial. Imagine um detergente químico que tem uma série de utilidades – a gente faz a mesma coisa, só que com um detergente de origem biológica, que é biodegradável e tem uma eficiência muito maior.

Esses detergentes biodegradáveis chamam-se biossurfactantes (assista aqui um vídeo do trabalho da drª Denise sobre aplicação de biossurfactantes). Então temos uma grande linha de pesquisa na área de produção e utilização de biossurfactantes – traduza-se biossurfactantes como detergentes de origem biológica, quem produz são os microrganismos e para isso eles “comem” substâncias da natureza que são renováveis e produzem também um produto renovável e biodegradável.

E a outra linha de pesquisa, que eu comecei a desenvolver no meu doutorado, é a produção de lipases. Essas enzimas são fantásticas, elas são interfaciais… elas são um pouco o que eu sou, elas adoram a interface, estar em vários aspectos do conhecimento e elas são muito versáteis. Existe até uma classe de enzimas que são chamadas de enzimas promíscuas e a lipase se adequa exatamente a essa definição, porque ela aceita vários substratos, ela catalisa várias reações, e por isso ela é utilizada nas mais variadas áreas do conhecimento. Eu sou apaixonada pelas lipases. Essas enzimas são interfaciais mesmo e eu trabalho com a produção delas por vários microrganismos e vários tipos de fermentação ou bioprocesso (fermentação em estado sólido ou fermentação submersa). Em uma das formas de obtenção desta enzima, que é em estado sólido, conseguimos aproveitar resíduos agroindustriais, em ciclo fechado de utilização desses resíduos para a obtenção de um produto de interesse biotecnológico.

Eu vou dar um exemplo: Podemos usar um resíduo de torta da oleaginosa utilizada na produção de biodiesel para obter enzimas como as lipases. E essas enzimas podem ser utilizadas, por exemplo, como biocatalisadores em processos de produção de biodiesel. Muitos processos de produção de biodiesel geram uma torta, que não tem fins alimentícios, porque apresentam toxicidade, ou que tem alguns compostos antinutricionais, então elas não podem ser utilizadas para certos fins, como alimentação de gado, etc. Então o que a gente faz? Aproveitamos essa torta, esse resíduo, para obter a lipase que vai fazer o biodiesel enzimático. Assim, fechamos um ciclo auto sustentável, onde você tem um resíduo gerando a sua enzima, ou seja, o  seu catalisador do processo da produção do próprio biodiesel. Então fechamos um ciclo auto sustentável e correto, onde você consegue produzir e utilizar a enzima para o mesmo processo. Então aqui no laboratório, no LaBiM, produzimos o biodiesel enzimático a partir de resíduos.

Essas enzimas também podem ser usadas na síntese de fármacos, porque elas são enantiosseletivas. No caso de fármacos, você produz a enzima, em geral, por cultivo submerso, porque você quer produzir apenas uma enzima, não quer produzir um pool. Então essa enzima pode ser usada na síntese de fármacos; no tratamento de efluentes (você pode produzir, a partir de um resíduo sólido, uma enzima para tratar um resíduo líquido de alto teor de óleos e graxas, por exemplo, da indústria de alimentos); ela também pode ser usada em detergentes, por exemplo,  para limpeza ambiente hospitalar (neste caso as enzimas de maior interesse são as peptidases, mas também podemos usar resíduos e microrganismos para produzirem, por exemplo, detergentes enzimáticos, que são bem mais eficientes que os detergentes usados normalmente). Enfim, eu posso ficar falando 3 horas para você sobre as aplicações da lipase, ela é uma enzima realmente fantástica, e eu sou apaixonada por elas e pelas moléculas interfaciais de uma maneira geral. Eu acho que eu sou uma molécula interfacial também!

PB: POR QUE VOCÊ ESCOLHEU ESSE TEMA DE PESQUISA?

DF:Começou na minha graduação. Esse professor, o Gerson Pinto, ele foi meu professor de graduação. Então, eu fazia Engenharia Química e ele me deu aula de Bioquímica; ele era professor do Instituto de Química e entendia de processos. Ele era um bioquímico, com formação em biologia e química fortes e ele conseguiu me mostrar que existia uma outra coisa além da Biologia, da Engenharia Química e da Química – que é, justamente, essa área que eu entrei, que é Bioquímica, mas a Bioquímica aplicada, a Bioquímica onde eu via a utilização dos conceitos para obtenção de um produto de interesse tecnológico. E aí foi que eu me apaixonei, eu falei: “eu quero isso”. E ele mudou minha vida, porque eu estava fazendo processo seletivo para a área da indústria química, eu ia trabalhar como engenheira química de projeto, e mudei radicalmente, falei: “não quero isso, eu vou trabalhar com a Biotecnologia” (processos bioquímicos e Bioquímica aplicada, a Bioquímica tecnológica), que é o que a gente faz aqui e o que eu me apaixonei. Acabei que virei professora, tentei fugir desesperadamente, mas acabei… (risos).

Eu acho que ensinar também é um pouco você aprender e é um pouco você estimular os alunos com teu sonho. Eu tenho um sonho. Porque as próximas revoluções industriais, que está acontecendo e que vai acontecer, é justamente a da Biotecnologia. Porque, provavelmente, a Química e a Engenharia do futuro vai ser a dos processos biológicos, dos microrganismos, porque são esses que vão conseguir fazer com que a Terra resista e que sobreviva. Então a próxima revolução industrial vai ser a biológica.

 Entrevistada e entrevistadora – Drª Denise Freire e nossa colaboradora, Priscila Esteves.

PB: ONDE VOCÊ VÊ SUA PESQUISA NOS PRÓXIMOS 5 ANOS?

DF: Bom, eu vou resistir a tudo que está acontecendo. Eu acho que a pesquisa de  qualidade, boa, quando feita de maneira séria, ela é reconhecida e não há quem consiga destruir. Eles vão tentar, mas a gente não vai deixar. A gente faz pesquisa de qualidade aqui na UFRJ. Existem muitos grupos que fazem pesquisa séria e de qualidade, e esses grupos vão resistir. A gente tem pouco visibilidade. Quando me perguntam, meu próprio filho em pergunta: “Mãe, você trabalha com o quê?”, as pessoas perguntam: “Mas você faz pesquisa? O que exatamente você faz?”. As pessoas não conhecem a universidade, não conhecem o que é um pesquisador, e é até razoável, porque nós somos uma parcela muito ínfima da população. Nossa população é desinformada, ela é semi-analfabeta, nós temos problemas graves sociais. Então, quando a gente fala em pesquisa, é outro mundo, a gente não atinge muito a população. A gente vai precisar se reinventar para mostrar para a população o quão nós somos importantes, apesar de sermos muito poucos, o quanto a gente pode revolucionar a estrutura industrial e social do país com o conhecimento. Mas é difícil, porque a gente é uma minoria da minoria, e sendo atacada de maneira sistemática. Mas o conhecimento, ele produz tudo – ele produz a revolução, o pensamento crítico, a revolução tecnológica, a revolução industrial. Tudo parte do conhecimento. Os países que resolveram investir em educação seriamente durante 10 anos, são países hoje em dia que estão no topo, como a China, os Tigres Asiáticos; todos eles fizeram uma opção: investir em educação, em conhecimento, em ciência e tecnologia. Isso fez a diferença. A gente está, ao contrário desses países, “desinvestindo”, acabando com uma geração que não merecia isso, não merecia a desesperança, o desespero, a falta de perspectiva. Mas a gente vai mudar esse jogo, claro, com trabalho. Não adianta se desesperar, a gente tem que trabalhar. E vou dizer pra você que a Biotecnologia vai fazer a diferença nos próximos anos.

 (Quanto às suas linhas de pesquisa, especificamente) Essa molécula que eu tenho, o biossurfactante, é uma molécula “1001 utilidades” e eu diria que vai ser utilizada muito no futuro. Eu acho que vai ser uma oportunidade de negócio muito grande. De uma certa forma, quando eu fui convidada pela professora Denise para ser pró-reitora,  não era exatamente o que eu estava pensando para minha vida futura. Eu pensava em montar uma startup e montar algum negócio, porque eu tenho produtos que são passíveis de se tornarem um plano de negócio na área de Biotecnologia. Então, a minha ideia era essa. Eu ainda não destruí esse sonho, mas eu estou adiando esse sonho por alguns anos. Na verdade, os meus alunos de doutorado e pós-doutorado estão tocando um pouco desse sonho, porque o LaBiM já está incubando startups na área de Biotecnologia – uma na área de reaproveitamento de resíduos (a gente tem um projeto com a Ambev nisso), outra área de detergentes enzimáticos para hospitais e outra na área de biocatalisadores, com lipases (na área de produção de biocatalisadores imobilizados). Então, na verdade, o LaBiM está incubando três startups, e esse também é o objetivo da Biotecnologia, é sair da academia e ir para o mercado. Meus alunos estão cumprindoe esse papel, com a graça de Deus e apesar de tudo!

PB: COMO VOCÊ SE SENTE EM RELAÇÃO À CIÊNCIA BRASILEIRA?

DF: Eu me sinto como uma pesquisadora. Eu sou pesquisadora 1 do CNPQ, eu sou uma pesquisadora reconhecida no mundo e na ciência brasileira, na área de Biotecnologia principalmente. Eu faço parte do CA do CNPQ da Biotecnologia,. Eu sou reconhecida nacionalmente e até internacionalmente porque eu publico bastante. Mas eu acho assim… Eu me sinto, entre os meus pares, muito reconhecida. Mas eu gostaria de que a ciência brasileira fosse reconhecida no Brasil como uma coisa fundamental para o desenvolvimento tecnológico. Isso não está acontecendo, então eu me sinto um pouco frustrada, porque eu sei que, ao mesmo tempo, os meus pares me reconhecem, mas fora, extramuros, a gente não tem o reconhecimento da sociedade. “Sociedade” eu não digo a sociedade científica, eu digo a sociedade como um todo. E isso influenciaria muitos estudantes. A gente tem essa capacidade de formar pessoas, de influenciar pessoas, e não fazemos isso. Hoje em dia, quem influencia as pessoas são os midiáticos… uma coisa muito superficial, muito pouco profunda. Ele estão influenciando a nossa juventude com as  coisas fugazes, em detrimento do que realmente importa. Hoje em dia, se pensa, se debate muito mais os rótulos, do que os conteúdos. Aí, eu acho perdemos, porque  o cientista debate conteúdo.

PB: QUAIS DICAS VOCÊ DARIA A BIOTECNOLOGISTAS AINDA NA GRADUAÇÃO?

DF: Eu diria a você que, o conselho que eu dou… Conselho se fosse bom, ninguém dava, vendia (risos); mas eu posso falar um pouco da minha experiência e a minha experiência foi fundamental. Eu tive uma formação multidisciplinar. Eu tive uma formação básica muito boa. Eu tive uma boa formação de Engenharia, eu tive uma boa formação de Química e de Biologia. Porque, na verdade, eu fiz uma formação na graduação, uma outra na pós e uma outra mais básica, que foi a Bioquímica (aqui no Instituto de Química, que é uma Bioquímica tecnológica). Então essa formação multidisciplinar teria que ser dada no curso de Biotecnologia, e não está sendo dada. Esse é um grande problema. Não é só um problema do curso da UFRJ, temos outros cursos de Biotecnologia que estão, digamos assim, com o currículo mal estruturado. Por isso, que se criou um movimento dos bioquímicos, porque os bioquímicos estão querendo montar cursos de Bioquímica. Por quê? Justamente para trazer a Biotecnologia, andar junto com a Biotecnologia, porque o conhecimento da Biologia e mais a Química, ele é fundamental para que se forme um bom biotecnólogo, na minha opinião. Eu acho que isso é um problema, porque os cursos de Biotecnologia foram formulados com uma outra mentalidade. E você não faz biotecnologia se você não tiver conhecimento dos microrganismos, seres vivos e da química, porque a Biotecnologia está envolvida em processo de produção, recuperação, upstream e downstream (ou seja, antes do processo, a formulação do meio, o microrganismo e como se recupera esse produto). Isso tudo passa por três áreas que são basicamente Engenharia, Bioquímica e Química. Então, se você não tiver essa formação, fica difícil você falar em Biotecnologia. Sem falar da Biologia Molecular, porque Biotecnologia não é Biologia Molecular, é uma parte de, que pode ser até uma parte que você trabalhe direto, mas isso não é Biotecnologia em si… Na minha opinião. Você precisa de um produto, ou de um processo. (A entrevistadora comenta sobre o fato de que, no Brasil, os cursos de Biotecnologia têm grades diferentes e que parecem não ser completas) Em cada curso vai faltando um pedacinho e aí você não forma um profissional. E é um profissional não valorizado no mercado. Você quer saber? O profissional bioquímico, hoje em dia, é mais valorizado no mercado do que o biotecnologista, porque se tem a impressão que é um profissional com conhecimento superficial e isso é muito ruim, muito ruim. Você não pode formar profissionais superficiais que sabem de tudo um pouco, isso não existe. Você tem que formar profissionais com capacidade de fazer geração de conhecimento. E você só  faz geração de conhecimento quando você tem o conhecimento básico, quando se é bem formado do ponto de vista básico das ciências que são importantes. Então, você tem que ter conhecimento, realmente, da Química, um pouco de Engenharia, para você poder ser um bom biotecnólogo. Então, nesse ponto, eu discuto um pouco – aliás, eu discuto muito – a formação de uma série de cursos “específicos da especificidade”.  Eu, particularmente, sou contra. Acho que deveria ter cursos muito bons das áreas básicas, para formar pessoas com base, e não cursos informativos. Eu sou a favor de cursos formativos, que formam profissional, e não informam. Você vai para o Google, ou você vai para o livro, e você se informa sozinho. Você precisa ter formação e pensamento crítico. Eu acho que a gente tem que mudar um pouco essa mentalidade, para formar pessoas e não informar pessoas – e muitos cursos são baseados em informação e não formação. Essa é minha opinião.

PB: QUAIS AS DIFICULDADES DE FAZER PESQUISA NO BRASIL?

DF: Burocracia. A burocracia mata o pesquisador. Mata o pesquisador e mata, inclusive, a própria universidade, ela tem uma burocracia enorme para aprovação de projetos. A burocracia entrava tudo e ela cria caminhos preferenciais, ela cria outros processos que não são tão republicanos. Então, para mim, ela é um grande problema, e ela é criada para resolver problemas, como, por exemplo, mau uso de recursos públicos. E ela cria mais problemas, ao invés de solucionar. Porque as pessoas mal intencionadas sempre acham o caminho preferencial e dão seu jeito, e as pessoas que não são mal intencionadas se enredam nesse problema e desistem.  Então muitas pessoas desistem de fazer algumas coisas por conta da burocracia.

Você tem que ser muito insistente, você tem que ser muito guerreiro para você poder continuar trabalhando como pesquisador no país, porque é burocracia, é a falta de dinheiro, você tem que correr atrás, você tem que fazer várias coisas. Então, por exemplo, hoje eu estou trabalhando como pró-reitora, ao mesmo tempo que eu tenho que cuidar do LaBiM, porque sou eu aqui sozinha para cuidar da planta-piloto, dos dois laboratórios, de vários alunos… Então eu tenho que me virar a custa de uma vida pessoal, que às vezes me sacrifico (porque eu gosto e também preciso de ter vida pessoal), e isso é muito complicado. O pesquisador tem que bater o córner, cabecear na área e ainda segurar o gol, ou seja, a gente tem que ser polivalente e isso cansa. Alguns pesquisadores que são polivalentes cansam, eles chegam ao final do dia cansados – feliz, não vou dizer que sou infeliz, não, porque, qualquer coisa que eu fizesse na vida, a minha natureza agitada não permitiria que eu fosse uma pessoa parada. Mas, cansa. É difícil, é como se você empurrasse um caminhão em uma ladeira, o caminhão está querendo te atropelar e você empurra, empurra, empurra… A sensação que eu tenho é que eu estou empurrando uma pedra ou um caminhão numa ladeira, desesperada, faço um esforço danado, perco meu tempo com um monte de coisas e, na verdade, seria muito mais fácil se você tivesse um motor da instituição, ou um motor do governo, te ajudando, para você subir, para você não precisar empurrar essa carga na ladeira. A ladeira poderia ser um plano ou, quem sabe, até um foguete, se a gente tivesse ajuda. Ajuda que eu digo é, não só financeira, mas a estrutural porque a da universidade está muito ruim. Este tipo de situação privilegia, no final das contas, as pessoas que, muitas vezes, não querem se dedicar muito. Ela iguala por baixo, então eu sou contra esse tipo de coisa.

PB: VOCÊ REALIZA ATIVIDADES DE EXTENSÃO OU DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA? QUAIS?

DF: Eu comecei a fazer divulgação científica através de, por exemplo, o pessoal do site da Bioquímica Brasil, comecei a fazer entrevistas, divulgaram no Facebook o meu laboratório, a minha homepage. Mas a UFRJ e nós, aqui no Rio de Janeiro, temos uma carência enorme em divulgação científica. Nós não fazemos divulgação científica. Por exemplo, eu sou consultora ad doc de projetos de universidades paulistas via FAPESP. A FAPESP prevê, em muitos dos seus projetos, um profissional de jornalismo científico (agora se chama divulgação científica) para divulgar a pesquisa feita com esse dinheiro da FAPESP. Aqui nós não temos isso. Nós fazemos pesquisa de ponta importantíssimas, e isso não é divulgado, ou é divulgado esporadicamente, pontualmente, quando algum jornalista te conhece, ou está precisando uma entrevista, então ele vem à universidade à procura de informação. Eu acho que isso é um grande gargalo. Acho que existem dois grandes gargalos: a burocracia e a divulgação científica. São duas coisas que nós pecamos e, enquanto não resolvermos isso, dificilmente vamos conseguir sair da nossa própria bolha. Eu acho isso e isso é importante para fazer a diferença.

(Sobre suas atividades de divulgação científica) O LaBiM faz também, boca a boca. Eu vou a indústrias, as pessoas me conhecem, os produtos que eu desenvolvo, então as empresas me procuram. Isso, na verdade, é até bom, porque meus alunos, todos, que saem do LaBiM estão empregados – infelizmente, a maioria em São Paulo, porque a oportunidade de emprego está lá (é uma pena dizer isso); empresas de cosméticos, empresas de agronegócio, empresas que têm base e que têm cunho biotecnológico. A ideia não é ficar formando aluno para retroalimentar o sistema da universidade, não. Temos que formar aluno para fora, para fazer diferença no mercado, no processo produtivo, porque esse é o papel da Biotecnologia.

Integrantes e ex-integrantes do grupo de pesquisa da Drª Denise Freire foram os ganhadores do hackaton Ambev 2018. Fonte: Jornal do Brasil.

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Entrevista realizada por:

Projeto “Perfil de Pesquisadores Brasileiros” realizado por Bruna Lopes e Priscila Esteves de Faria e coordenado por Natália Bernardi Videira

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O Profissão Biotec é um coletivo de pessoas com um só propósito: apresentar o profissional de biotecnologia ao mundo. Somos formados por profissionais e estudantes voluntários atuantes nos diferentes ramos da biotecnologia em todos os cantos do Brasil e até mesmo espalhados pelo mundo.

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